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P.T. SILENT HILLS: 9 anos da demo mais influente do mundo

Silent Hills é o game cancelado que mais causou impacto em toda a indústria

por João Gabriel Nogueira
P.T. SILENT HILLS: 9 anos da demo mais influente do mundo

Poucos jogos se encaixam melhor no meme “saudades do que a gente não viveu” do que Silent Hills e sua icônica demo – mais conhecida como P.T.

Lançado em 2014, o Playable Teaser (teaser jogável) do novo Silent Hill feito por Hideo Kojima foi o principal assunto do mês de agosto e, de muitas maneiras, de vários meses e anos depois dele. Jogadores, criadores de conteúdo e até quem não era fã de Silent Hill se aventuraram pelos corredores escuros de Silent Hills P.T. – talvez sem saber o tamanho do impacto que aquilo teria nos games do futuro.

Com 9 anos do acontecido e com a franquia Silent Hill tomando um novo rumo, vamos celebrar o aniversário de Silent Hills P.T. relembrando a importância dessa demo e todo o projeto de retorno da franquia que poderia ter acontecido na época, mas em vez disso virou camiseta de saudades.

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O lançamento do P.T.

A maioria dos leitores deve se lembrar da demo que “parou” o mundo em agosto de 2014. Depois de anos sem um lançamento respeitável em sua imensamente popular franquia Silent Hill, a Konami enfim resolveu anunciar um novo game para a série: Silent Hills.

Mas esse anúncio não veio da forma tradicional em que estamos acostumados a ver a maioria dos jogos sendo revelados. Durante uma conferência na Gamescom, a Sony divulgou que havia uma demo para um novo jogo de terror disponível na PSN. Não foi dito qual era o game, e a produtora se referiu à demo apenas como Playable Teaser – P.T.

Como bem sabemos, todo esse ar de mistério combina muito com um jogo de terror, e o anúncio da demo ainda veio acompanhado de um aviso de que o teaser teria muitos sustos e não deveria ser jogado por cardíacos. Qualquer fã de terror assistindo à conferência teve sua curiosidade imediatamente instigada.

Não demorou muito para os primeiros jogadores completarem a demonstração e correrem para as redes sociais ou seus canais de vídeo para revelarem o verdadeiro tesouro oculto por tanto segredo: Silent Hill estava de volta.

Dizer que “Silent Hill está de volta” pode parecer um exagero para quem não acompanha a franquia, afinal apenas dois anos antes três games da série foram lançados: o inédito Downpour, o spin-off Book of Memories e a infame HD Collection.

Assim como lançamentos anteriores, os games não foram muito bem recebidos. A verdade é que a franquia teve anos de títulos com recepção variada, sem conseguir emplacar um verdadeiro hit que fizesse justiça a uma série de jogos com uma obra-prima como Silent Hill 2.

Mas Silent Hills tinha tudo pra mudar isso e dar uma guinada positiva na franquia. A começar pela própria demo, considerada imensamente assustadora pela maioria das pessoas, recheada de segredos e easter eggs que não apenas davam vontade de jogar de novo, mas garantiam uma grande quantidade de conteúdo sendo produzido e postado na internet para ajudar na divulgação.

E depois de jogar um Playable Teaser realmente assustador, o jogador era brindado com a revelação de que essa era uma demo para um novo Silent Hill. Isso seria o suficiente para “hypar” Silent Hills, mas o P.T. não parava por aí.

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Junto com a revelação do título, veio a informação de que o novo jogo seria dirigido por ninguém menos do que Hideo Kojima, uma verdadeira lenda do mundo dos games. Como se isso não bastasse, o game seria feito em colaboração com Guillermo del Toro, premiado diretor de obras como Labirinto do Fauno e A Forma da Água. Ainda quer mais? Tem mais: o protagonista de Silent Hills seria interpretado por Norman Reedus, especialmente popular na época pelo seu papel como Daryl Dixon em The Walking Dead.

Esses elementos ajudam a contextualizar o nível astronômico de hype que Silent Hills P.T. causou na época de seu lançamento, mas para entender o impacto que uma “simples” demo teve na indústria dos games, precisamos relembrar como era o teaser em si.

Um pedacinho de Silent Hills

O teaser jogável lançado em 2014 colocava o jogador na pele de um protagonista anônimo, que acorda numa casa escura e desconhecida e precisa investigar seus corredores para encontrar um meio de escapar.

As únicas áreas acessíveis da casa são um corredor escuro em forma de L, dois cômodos (sendo um deles um banheiro) e uma pequena escada no fim do corredor. O cenário é limitado porque o gameplay se dá num “loop”.

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O jogador deve explorar o cenário e encontrar dicas e puzzles para resolver. Toda vez que as ações são completadas, a porta para a escada se abre, sendo possível descer para abrir uma outra porta que dá no mesmo corredor, reiniciando o loop.

Cada vez que o loop é reiniciado, no entanto, a fase não é exatamente a mesma. O cenário vai sendo sutilmente alterado, com o aparecimento de novos objetos e puzzles para resolver. Cada loop é um pouco mais assustador e opressivo que o anterior, criando uma dinâmica que evoca uma descida em espiral às profundezas da insanidade – quase que um tanto literal mesmo.

Mas o “pulo do gato” que deixa a experiência realmente aterrorizante é a fantasma Lisa, que começa a stalkear o jogador eventualmente. O espírito tem um design sombrio e repulsivo, mas o que o torna especialmente assustador é o fato de que nunca podemos vê-lo muito bem. Ser pego pelo fantasma muitas vezes resulta num jump scare, adicionando ainda mais tensão e uma sensação de estar indefeso.

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Nove anos é muito tempo. Talvez alguns dos leitores deste artigo eram muito novos para ter entrado no hype do P.T. na época de seu lançamento e pode ser um pouco difícil de entender hoje em dia o impacto que essa simples demo teve nos jogadores. Principalmente pelo tanto de jogos que seguiram no mesmo estilo e copiaram homenagearam o que o teaser fazia. É importante entender que na época todo esse conceito era especialmente original, novo, desconhecido e assustador.

Agora imagine jogar algo tão diferente, bem feito e aterrorizante para depois ainda ser brindado com a revelação que essa demo é apenas um pedacinho de um novo Silent Hill, sua série preferida de jogos de terror que precisava há tempos de um novo game realmente bom. Não só isso, mas ainda havia nomes de peso atrelados ao projeto. O hype foi estratosférico.

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E para ajudar ainda mais no fenômeno que o teaser se tornou, seus criadores fizeram o P.T. de Silent Hills de forma especialmente caprichada, escondendo inúmeros segredos e elementos subjetivos, que davam asas à imaginação e diferentes interpretações. O resultado disso foram diversos vídeos de gameplay, opiniões e análises que ajudavam a manter o game em alta por semanas depois do seu lançamento.

Parecia que finalmente tudo ia bem para Silent Hill. Só parecia, porque de repente tudo deu errado. Apenas alguns meses depois de sua revelação e uma das recepções mais positivas que um jogo já teve, Silent Hills foi oficialmente cancelado.

O cancelamento e os “sucessores espirituais”

Cancelar um jogo no nível de hype que Silent Hills tinha foi uma surpresa para muitos, mas não para todos. Quem acompanhava a trajetória da Konami de perto estava pronto para esse tipo de medida drástica sendo tomada.

É evidente que estou falando dos atritos da empresa com Hideo Kojima, o lendário criador da série Metal Gear Solid que em breve seria mandado embora da produtora. Os jogos cada vez mais caros de Kojima iam na contramão das políticas mais recentes da companhia de focar em dispositivos móveis e pachinko.

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Começaram a surgir rumores e especulações sobre problemas no desenvolvimento do game e o próprio Guillermo del Toro chegou a comentar que Silent Hills não ia acontecer. Pouco depois disso, um porta-voz da empresa confirmou a informação ao Kotaku:

“A Konami está comprometida com novos títulos de Silent Hill, entretanto, o projeto embrionário ‘Silent Hills’ desenvolvido com Guillermo del Toro e com a aparência de Norman Reedus não será continuado.

Em termos do Kojima e del Toro estarem envolvidos, discussões sobre futuros projetos de Silent Hill estão atualmente em curso, então por favor fiquem ligados nos próximos anúncios.”

A declaração oficial da Konami se mostrou enganadora, ou pelo menos imprecisa, com o tempo. Kojima já estava de saída da companhia e seus executivos sabiam muito bem que não rolaria um novo game com o criador tão cedo. Além disso, esse tal “compromisso” para novos títulos Silent Hill ainda precisou de mais sete anos até mostrar alguma novidade na série.

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O cancelamento repentino de um título tão aguardado causou muito alvoroço no mercado de games. Os sonhos despedaçados dos fãs de Silent Hill ou dos jogadores que nem curtiam a série mas foram atraídos pelo P.T. resultaram num enorme grupo de pessoas passando vontade. E onde tem vontade, tem oportunidade comercial.

Para começar, tivemos leilões de PS4 com o P.T. instalado. Depois do cancelamento oficial, o teaser foi removido da PSN, então ficou impossível de jogar para quem desinstalou o game ou não chegou a baixá-lo enquanto podia. Quem já tinha instalado no console, no entanto, ainda poderia jogar quantas vezes quisesse, e algumas dessas pessoas aproveitaram para vender seus PS4 com a demo a preços assustadores.

Foi aí também que diversos desenvolvedores correram atrás de criar o “sucessor espiritual” do Playable Teaser. Repetir a experiência da pequena demo num jogo completo, um projeto próprio que pudesse fazer sucesso e somar diversas vendas ao alcançar aquela “coceirinha” deixada pelo cancelamento de Silent Hills.

Muitos projetos foram esquecidos pelo tempo, mas alguns ainda chamam a atenção. Allison Road, por exemplo, foi um dos primeiros a evocar a experiência de jogar P.T., mas acabou sendo tão parecido com a demo de Silent Hills que seguiu seus passos até no cancelamento. O criador do game chegou a dizer que voltou com seu desenvolvimento em 2016, mas não tivemos novidades desde então.

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Um caso bem melhor sucedido, e mais conhecido, foi com Layers of Fear. O título que colocou a Bloober Team no mapa foi pesadamente inspirado pelo P.T. e emplacou o primeiro de grande sucesso da desenvolvedora.

Vale até mencionar que antes de Layers of Fear, o estúdio que hoje é altamente associado a jogos de terror nunca tinha feito um título do estilo. Na verdade, seu último lançamento antes do game inspirado por P.T. foi Brawl, a continuação de um título inspirado por Bomberman e que não foi muito bem recebido pela crítica ou pelo público. É interessante como a Bloober Team fez vários títulos “inspirados” ao longo dos anos, mas isso é assunto para outro artigo.

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O impacto do P.T. foi tão grande que não se resumiu ao segmento independente de games. A influência dessa “pequena” demo pode ser sentida até na maior franquia de jogos de horror do mundo: Resident Evil.

Depois de abraçar completamente o formato de jogos de ação em Resident Evil 6, e ser muito criticada por isso, a Capcom decidiu retomar as raízes de sua série para o sétimo lançamento numerado da franquia principal. São visíveis as influências do teaser de Silent Hills em Resident Evil 7 – algo que seus desenvolvedores negam, mas que não pode ser ignorado.

Até a continuação, Resident Evil Village, acabou sendo comparada ao P.T. por causa do trecho na casa Beneviento, que é a parte que mais abraça o terror no game e lembrou muito o teaser.

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Silent Hills hoje

Foram oito anos de rumores e especulações desde o cancelamento de P.T. sem novidades oficiais no universo de Silent Hill – se não contarmos as máquinas de pachinko.

Ao longo desse tempo não faltaram os “sucessores espirituais”, jogos inspirados e outros títulos do tipo, mas fãs da franquia queriam retornar à cidade amaldiçoada que já contou tantas histórias incríveis no passado. Foi aí que finalmente, em outubro de 2022, a Konami fez um evento oficial de Silent Hill e anunciou não apenas um, mas três novos jogos na franquia, além de um filme e algo mais experimental, que é meio série, meio jogo.

É um pouco irônico, se parar pra pensar. Não teremos um jogo chamado Silent Hills, mas sim diversos Silent Hills, literalmente no plural. Os três principais jogos anunciados foram:

Silent Hill Townfall: o game mais misterioso até agora. Parece um spin-off com um formato diferente de gameplay, mas até o momento temos apenas especulações. Desenvolvido pela No Code, de Stories Untold e Observation.

Silent Hill 2 Remake: o nome fala por si só. O aguardado remake do jogo mais aclamado pela franquia, desenvolvido pela Bloober Team. O estúdio completa seu ciclo, entrando no mapa com um game inspirado por Silent Hill e agora fazendo um dos jogos mais importantes que a franquia já teve.

Silent Hill F: um novo jogo propriamente dito da série principal. Uma história inédita de Ryukishi07 num game que vai levar a franquia ao Japão. O primeiro Silent Hill que não se passa em Silent Hill, por assim dizer. É desenvolvido pela Neobards Entertainment.

Interessante notar como os games são todos desenvolvidos por terceiros. Conforme já foi comentado em outra oportunidade, a Konami mudou bastante suas políticas há um bom tempo para focar no que sabe que dá dinheiro. A empresa busca muito mais mobile e pachinko, preferindo passar games maiores para terceiros.

Os novos Silent Hill, inclusive, só vão acontecer porque tem um novo filme a caminho. É uma maneira de um produto promover o outro.

Mas não será a primeira vez que a produtora passa seus jogos para desenvolvedoras de fora. Muitos fãs da série consideram que Silent Hill começou a ter uma queda na qualidade justamente quando a Konami começou a licenciar os games para estúdios ocidentais. As escolhas da vez empolgaram os jogadores, e é de se imaginar que, com tantos anos de espera, os desenvolvedores foram escolhidos com muito cuidado. Assim torcemos.

Tomara que os novos Silent Hills sejam muito bons e ofereçam aos fãs da série um merecido refresco, depois de tantos anos aguardando. Só que sempre vai ficar aquela sensação de saudades do que a gente não viveu quando lembramos do único Silent Hills, um projeto que parecia tão ambicioso, tão perfeito, e agora vive apenas na memória de um teaser.