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Vamos falar da Konami

Como a produtora de alguns dos títulos mais clássicos da história dos games se tornou o que é hoje

por João Gabriel Nogueira
Vamos falar da Konami

O que vem na sua cabeça quando você ouve ou lê o nome “Konami”? Os jogadores mais saudosistas talvez pensem imediatamente em Metal Gear, Silent Hill, Castlevania ou até Winning Eleven. O pessoal mais ligado no momento, no entanto, talvez pense somente em Yu-Gi-Oh, jogos repletos de microtransações e máquinas de caça-níquel – também conhecidas como pachinko no Japão.

O que aconteceu, então, com uma das produtoras que já foi referência total na criação de jogos inesquecíveis para chegar no ponto que está hoje? Podemos mesmo considerar seu investimento recente em novos jogos da série Silent Hill um possível retorno à sua antiga forma? Vamos debater o assunto e suas possibilidades neste artigo.

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Konami: uma breve história

Como muitas produtoras tradicionais japonesas, a Konami é um tanto antiga. A empresa foi fundada em 19 de março de 1973, o que significa que estamos bem próximos de seu aniversário de 50 anos. Ela foi fundada por Kagemasa Kozuki, que antes trabalhava com manutenção de máquinas de jukebox, e foi pra cima do segmento de fliperamas no Japão.

Entre o final dos anos 70 e início dos anos 80 foi o período em que começou o verdadeiro sucesso da Konami, com seus arcades como Scramble, Frogger e Super Cobra alcançando jogadores não apenas em sua terra natal, mas sendo também exportados para os Estados Unidos. Foi logo em 1982 que a Konami estabeleceu uma filial na terra do Tio Sam.

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O momento era perfeito para a companhia, que começava a apostar nos lançamentos domésticos de seus jogos, já que o Atari 2600 chegava justamente em 1982 para popularizar o conceito dos cartuchos. Enquanto a Konami ainda não estava preparada para estourar logo no Atari, apenas 3 anos depois a companhia iria bombar com a chegada do Nintendo Entertainment System – o famoso NES, ou Nintendinho 8bits.

No primeiro videogame de sua conterrânea Nintendo, a Konami já lançou títulos imensamente famosos como Gradius, Twin Bee e Contra, além de fazer a estreia de franquias que até hoje contam com uma base fiel de fãs, como Castlevania e Metal Gear.

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Também não podemos ignorar as apostas bem sucedidas da produtora em jogos licenciados, como o primeiro game das Tartarugas Ninja no NES. O título foi um enorme sucesso, sendo o jogo de arcade da Konami que mais rendeu para a companhia até aquele momento.

A ideia dos produtos licenciados também rendeu muito bem no Super Nintendo, onde a companhia lançou dois excelentes beat’em ups: Batman Returns e mais um das Tartarugas Ninja, o inesquecível Turtles in Time. Além disso, o SNES marcaria a estreia de Winning Eleven, também conhecido como Goal Storm e International Super Star Soccer nos EUA – antes de mudar seu nome para Pro Evolution Soccer, o famoso PES.

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Podemos dizer que a Konami entrou muito bem na geração do PlayStation, tendo pelo menos dois dos títulos mais marcantes da história do console em seu portfólio: Metal Gear Solid e Silent Hill. A continuação do videogame também marcou continuações de sucesso para a produtora, que seguiu marcando presença com suas franquias consagradas, ao mesmo tempo em que tentava competir com o FIFA através dos novos PES.

Foi no final da geração do PS3 que começamos a ver a Konami começando a mudar seus rumos, culminando com a saída de Hideo Kojima da empresa em 2015 – já na época do PS4. Toda a treta com o lendário criador de Metal Gear tem muito a ver com as mudanças nas políticas da empresa e o que ela projetava para seu futuro, então é inevitável nos aprofundarmos um pouco no assunto.

O imbróglio Kojima

O rompimento da Konami com Hideo Kojima, um dos principais nomes já atrelados à empresa em toda sua história, foi um dos assuntos mais comentados no mundo dos games em 2015. Até por isso, não faz sentido nos aprofundarmos neste artigo em um tema que já foi tão exaustivamente comentado na imprensa – inclusive aqui mesmo no MeuPlayStation.

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Mas, como dito logo ali em cima, também não posso ignorar completamente essa briga porque ela tem tudo a ver com a Konami que hoje conhecemos. Na verdade, mandar o Kojima embora foi parte das decisões para redefinir os rumos que a companhia tomaria naquela época e seguiria até hoje.

Hideo Kojima é um entre muitos nomes consagrados que passaram pela Konami. Querer comparar níveis de poder criativo para jogos é um esforço infrutífero, mas podemos observar sem medo de errar que o lendário criador de Metal Gear tinha pelo menos um talento mais avançado que seus colegas: uma habilidade nata para marketing pessoal.

De uma maneira que era pouco comum na época, Kojima conseguiu amarrar seus trabalhos de maneira indissociável ao seu próprio nome – que inclusive estampava sua equipe de produção dentro da Konami, a Kojima Productions. O criador manteve o nome em sua empreitada independente atual, depois de sair da empresa.

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Conforme a lenda de Kojima ficava mais forte, a Konami se viu enfrentando a clássica situação da “faca de dois gumes”. A reverência em forma do criador e o sucesso de seus games certamente gerava burburinho e marketing positivo para a empresa. Ao mesmo tempo, seus projetos ficavam cada vez mais caros, gerando menos retorno financeiro e a companhia se via impossibilitada de dizer “não” aos caprichos do gigante que ajudou a criar.

Na época de “ouro” do sucesso de MGS e Winning Eleven (PES) circulava até um ditado: Winning Eleven fazia dinheiro para o Kojima poder gastar.

Enquanto os games levando o selo Kojima ficavam cada vez mais caros e, por isso, geravam menos retorno, os jogos mobile estavam tendo seu momento de ascensão acelerada no Japão. A Konami se desesperava em não surfar essa onda de sucesso antes que a bolha estourasse.

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Mesmo chegando “atrasada” no mercado de jogos para celular, a produtora conseguiu seu primeiro grande sucesso no segmento com Dragon Collection. O título liderou os “jogos sociais” da Konami para fazer seu rendimento saltar incríveis 80% entre o final de 2011 e início de 2012.

É mais ou menos nessa altura que fica inevitável o rompimento entre as ideologias de uma empresa buscando o lucro e de um desenvolvedor buscando fazer arte através de seus jogos. O infame cancelamento de Silent Hills marcou não só o momento em que a Konami entregou as malas pro Kojima, mas também a produtora assumindo que não investiria mais em jogos sem um foco prioritário no retorno financeiro.

Literalmente, máquinas de dinheiro

Não foi apenas a vontade da Konami de perseguir o hype dos jogos em celulares que marcou uma guinada nos rumos da empresa e resultou na saída do Kojima em 2015. O ano foi determinante também em outra área que a companhia já operava há um bom tempo: as infames máquinas de caça-níqueis, também conhecidas como pachinko no Japão.

Ao contrário do que se possa imaginar, a Konami entrou no mundo dos pachinko há décadas, mais precisamente em 1992. O segmento sempre foi rentável para a companhia, que seguiu aumentando seus investimentos e presença na área ao longo dos anos.

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Mas o que aconteceu em 2015 para mudar a perspectiva da empresa em uma área onde ela já atuava há tanto tempo? A resposta é simples. Em dezembro daquele ano, o parlamento japonês aprovou uma regulamentação que aprovaria de vez a legalização dos cassinos no país. É aí que passou a ser mais interessante ainda investir em máquinas de apostas, especialmente para uma empresa que já tinha forte presença no setor.

Não é à toa que a Konami deu um all-in em seus pachinko ao longo de 2015, mesmo antes da aprovação final da legislação. Para muitos jogadores que esperavam ansiosos o retorno de suas franquias preferidas, a empresa adicionou fogo à injúria ao anunciar novos caça-níqueis temáticos de Castlevania, Metal Gear e até Silent Hill. Atualmente, é difícil pensar em algum jogo famoso da Konami que não tenha seu pachinko temático.

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Essa presença da empresa na área das apostas ajuda a entender melhor sua necessidade de perseguir o segmento dos jogos freemium para celular. Por mais que as grandes produtoras como EA, Blizzard e Ubisoft queiram distanciar suas mecânicas de loot boxes dos famosos jogos de azar, as semelhanças são visíveis para jogadores e autoridades competentes.

Em jogos para dispositivos móveis com downloads gratuitos, esses recursos são muito mais aceitos e difundidos, especialmente no Japão. Para uma empresa que trabalhou tanto tempo com pachinko, foi muito simples levar sua experiência para os celulares.

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É uma realidade terrível para quem só queria jogar um novo Castlevania em paz, mas do ponto de vista estritamente empresarial e estratégico é uma jogada que fez muito sentido para a Konami. Tanto sentido que deu bastante certo, inclusive, e a empresa tem visto seus rendimentos aumentarem anualmente.

O retorno a Silent Hill

Quem acompanha há anos a indústria dos games sabe bem que nenhuma grande empresa conhece o ditado “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. Se os pássaros estiverem dando lucro, as companhias vão querer todos os pássaros na mão.

Enquanto a Konami se direcionou quase completamente para os mercados de dispositivos móveis e de máquinas de apostas, a companhia se manteve agarrada firmemente aos nomes das grandes franquias que produzia. Com um jogo ou outro de vez em quando, nem que seja na forma de coletâneas, a produtora mantém a propriedade intelectual de diversos títulos na eventualidade de resolver fazer um novo game ou usá-los no pachinko.

E, apesar de não vermos mais os maiores nomes recebendo o tratamento que merecem, a Konami nunca, efetivamente, parou de fazer jogos – independente da qualidade. Aqui para os nossos lados chamou muito a atenção os lançamentos de eFootball (o novo PES) e de Yu-Gi-Oh! Master Duel, mas a empresa ainda conta com jogos menores que nunca deixaram de fazer sucesso no Japão. Além de vários outros jogos na franquia Yu-Gi-Oh!, a produtora tem dezenas de títulos na série Momotaro Dentetsu, voltados para um público mais jovem e para jogar em família.

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Tudo isso para dizer que a Konami nunca deixou de trabalhar efetivamente com jogos tradicionais e ainda tem times e divisões na companhia que buscam oportunidades de criar novos produtos nesse estilo, seja internamente ou contratando estúdios terceirizados. Provavelmente essas pessoas buscam por maneiras de lançar novidades em franquias clássicas há anos, mas são negadas pela chefia. Ou pelo menos eram, porque parece que enfim conseguiram convencer os tomadores de decisão que chegou o momento de voltarmos a Silent Hill.

Partindo-se do pressuposto que, de fato, existiam forças internas na Konami sempre querendo retomar grandes jogos do passado, o que será que aconteceu para a Konami finalmente arriscar um Silent Hill novamente? Eu enxergo dois motivos, sendo que o primeiro é especulação e o segundo é algo que a própria produtora admitiu.

Minha especulação – que é um nome sofisticado para “achismo” – é que os novos Silent Hill somente se tornaram possíveis pelo mesmo motivo que o primeiro Silent Hill pôde virar realidade: Resident Evil.

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A grande popularidade do primeiro Resident Evil resultou numa série de jogos que tentavam capturar uma experiência semelhante, com diferentes graus de sucesso. Silent Hill foi um que conseguiu aproveitar o hype ao mesmo tempo em que criava algo próprio e original – o suficiente para se tornar um verdadeiro clássico igualmente aclamado.

A atual renascença de Resident Evil com novos títulos bem recebidos e remakes aclamados certamente não foi ignorada pela Konami, mesmo num momento em que a produtora prefere focar em mobile e pachinko. É bem possível que, vendo que os jogos de sua rival Capcom estavam se saindo bem, os executivos da empresa decidiram que finalmente chegou o momento de entregar aos fãs o que eles vinham pedindo há tanto tempo.

Mas é claro que a Konami não dá ponto sem nó, e eis que chegamos ao segundo motivo. Segundo a própria produtora, um grande incentivo para termos dois novos Silent Hill originais e o remake do 2 vem também do fato de estar sendo produzido um novo filme para a série. Pois é, depois de arriscar levar a sua franquia ao cinema com resultados discutíveis por duas vezes, a Konami vai tentar novamente e esse é um grande motivador para fazer os jogos.

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Ou seja, a produtora de Silent Hill pretende seguir mesma obsessão de misturar jogos e filmes que fez a Activision lançar um Amazing Spider-Man 2 mal acabado pela pressa e massacrar sua antes bem sucedida série War for Cybertron dos Transformers com um péssimo terceiro jogo – que inclusive resultou no fechamento do excelente estúdio High Moon. Uma diferença importante aqui, no entanto, é que a Konami não parece querer levar os filmes para dentro dos jogos, serão produtos independentes, apenas se promovendo juntos.

Follow the money

Para nós, jogadores, pode parecer que a Konami mudou muito com o passar dos anos, mas isso não é bem verdade. Os produtos que a empresa prefere produzir e suas estratégias podem passar por fases, mas sua ideologia e ética de trabalho sempre foram as mesmas: como muitas outras companhias, a Konami segue o dinheiro.

Existem produtoras de jogos que entraram no ramo porque tinham pessoas envolvidas que realmente amam os games. É óbvio que qualquer empresa precisa fazer dinheiro e a maioria das companhias tenta balancear as visões criativas com as táticas comprovadas de gerar receita, mas quando Kagemasa Kozuki decidiu mudar seu foco para os fliperamas, foi porque essas máquinas estavam fazendo sucesso.

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Enquanto fazer bons jogos trazia os maiores retornos financeiros para a Konami, seus executivos estavam felizes em investir na área. A partir do momento que os rendimentos dessas produções caíram e a grana fácil dos pachinko e jogos mobile subiu, optar pela mudança foi uma decisão natural para a maior parte da liderança da empresa.

Conversas de bastidores e rumores afirmam que existe muita briga interna na Konami. Ainda há funcionários em diferentes posições da hierarquia que brigam para fazer grandes games na empresa – mas, observando os rumos da empresa, é seguro dizer que eles estão em minoria.

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Então fica fácil prever o futuro da produtora: ela vai para onde dá dinheiro. Mas os fãs das saudosas franquias não precisam perder todas as esperanças. O filme do Metal Gear, por exemplo, se realmente vier a existir, pode acabar incentivando o lançamento de novos jogos e do remake de algum clássico, da mesma maneira que aconteceu com Silent Hill. Será que vai dar certo?