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A ascensão dos jogos indie

Os jogos independentes seguem conquistando os corações de cada vez mais jogadores

por João Gabriel Nogueira
A ascensão dos jogos indie

Os games blockbuster AAA estão ficando cada vez mais caros de serem feitos. Enquanto a indústria caminha a passos largos para mais um estouro da bolha, o segmento de jogos indie não para de crescer, conquistando cada vez mais jogadores.

Mas como, exatamente, se define um dito “jogo indie”? Em que momento os games desse tipo se tornaram os queridinhos da galera? E até onde vai essa tendência? Como de costume, tentarei responder a alguns desses questionamentos no artigo da vez.

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O que torna um “jogo indie”?

Indie é um jeito “carinhoso” de abreviar a palavra “independente”. No contexto de jogos, chamamos de independentes aqueles que não são feitos por grandes produtoras, partindo de iniciativas bem menores e, por consequência, com orçamentos bem menores. Temos até games feitos por uma única pessoa na categoria, como Stardew Valley.

Por essa definição, é importante entender que jogos independentes ou com algum nível de independência são feitos desde que os videogames existem. Seja por iniciativas próprias, mods de games grandes ou títulos criados no famoso RPG maker – ao longo dos anos sempre existiram os indies, eles apenas não eram chamados assim.

Estima-se que foi por volta de 2005 que o termo “indie” começou a ganhar tração entre os jogadores, com uma iniciativa de desenvolvedores menores de se unirem e ajudarem uns aos outros na promoção de seus trabalhos. Foi nessa época também que tivemos o lançamento de Cave Story, um título importantíssimo que ajudou a consagrar melhor este segmento de jogos associado ao seu novo nome.

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A popularidade do gênero, no entanto, certamente ajudou alguns estúdios a crescerem bastante. Atualmente temos um grande leque de investimento que ainda comporta jogos considerados “indie”. Mesmo grandes produtoras como EA e Ubisoft tentam aproveitar o sucesso do segmento, investindo em estúdios menos conhecidos para obras originais, através de iniciativas que resultaram em games como Unravel e Child of Light, por exemplo. Atualmente, aliás, o PlayStation tem toda uma divisão dedicada a promover esse tipo de game, liderada por Shuhei Yoshida.

Como não existe uma lista de regras para determinar se um jogo é indie ou não, a maioria dos jogadores recorre a um “sentimento” geral em torno de um game para determinar se ele entra ou não no gênero. 

Jogos indie costumam ser associados com produções menores, com menos investimento e muitas vezes comprometimentos técnicos na parte gráfica. Em contrapartida, os desenvolvedores desses jogos costumam se esforçar para trazer uma experiência diferenciada de alguma maneira, seja por novas mecânicas, artes originais estilizadas ou outra coisa do tipo.

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Muitos games independentes costumam também girar em torno de um único elemento central de jogabilidade, criando variações em torno dele ou às vezes nem isso. Celeste é um dos games indie mais queridinhos do mundo, e seu gameplay envolve uma simples mecânica de plataforma, em que o jogador pode escalar, pular e usar um impulso no ar, só isso.

Enquanto Celeste aposta na simplicidade, inclusive usando os famosos “gráficos pixelizados” em suas artes, Hades vai pelo caminho contrário. Este é outro exemplo de um indie mundialmente aclamado, com gráficos e gameplay muito mais complexos.

Essa ampla variedade do que um game indie pode ser ou fazer deixa meio difícil definir o segmento. Para os efeitos deste artigo, vou me apoiar na velha máxima que o Juiz Potter Stewart usou para determinar se algo é ou não pornografia em 1964 – “eu sei quando vejo”.

O sucesso da receita independente

Da mesma maneira que pode não ser muito fácil definir o que é um jogo indie, o sucesso do segmento também não é explicado de um jeito simples. Estamos falando de um estilo de game que convida toda uma variedade de criadores ao redor do mundo, cada um com suas ideias e peculiaridades, não existe um esforço conjunto ou regrado do que faz um game desse tipo se sair bem.

Mas isso não quer dizer que não exista uma receita. Com o tempo, vamos percebendo quais tipos de jogos independentes fazem mais sucesso e observando o que funciona. Assim, é possível especular um pouco sobre os motivos que resultaram no “boom” dos games indie que vimos acontecer nos últimos anos.

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Um dos ingredientes que chamam a atenção nessa dita receita é o senso de originalidade e inovação que muitos jogos indie trazem. Com o sucesso crescente e estratosférico da indústria dos games, vimos diversos títulos grandes se tornarem franquias e franquias se tornarem linhas de montagem. Os custos crescentes e milionários para a criação de jogos considerados triplo A deixam pouco espaço para os devs correrem riscos, o que amarra muito as suas liberdades para criar.

Desenvolvedores independentes, no entanto, raramente precisam lidar com essas algemas – pelo contrário. Muitos projetos independentes começam justamente por uma ideia nova que resulta num trabalho apaixonado que o criador nunca vai abrir mão. Esse senso não apenas de originalidade, mas também de amor ao projeto ressoa com os jogadores.

Um outro aspecto do investimento menor em jogos indie é que normalmente ele resulta em preços finais menores também. Em tempos que jogos custam mais de R$ 300, não podemos ignorar os valores acessíveis como um grande atrativo para esses títulos.

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Ao mesmo tempo em que falamos de originalidade, no entanto, não podemos ignorar outro elemento central para o sucesso dos jogos indie: o fator nostalgia.

A nostalgia é uma arma poderosa no desenvolvimento de jogos, usada por grandes, médias e pequenas produções. O segmento triplo A foca nos remakes, usando tecnologias e mecânicas modernas para revisitar clássicos, prometendo trazer de volta a sensação de jogar pela primeira vez aquele título querido do passado.

Os jogos indie, por sua vez, prometem trazer mecânicas e experiências do passado para novos títulos. A sensação de jogar aquele plataforma ou JRPG clássico, mas num game completamente inédito. Muitos títulos de sucesso também oferecem uma fusão de diferentes referências, criando um coquetel de sabores conhecidos, mas que ainda resulta numa mistura única. Seria o caso de Shovel Knight, por exemplo.

Uma vantagem extra trazida pela nostalgia para o segmento indie é a possibilidade de adotar o estilo visual das antigas para o seu game. A famosa pixel art se consagrou entre os games independentes até o ponto de sua saturação, mas é uma importante maneira de enxugar bem os custos e o tempo de produção de um jogo. Gráficos em 3D fotorrealistas demandam uma grande quantidade de mão-de-obra e de horas de desenvolvimento.

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Uma alternativa interessante aos gráficos pixelizados é a arte e animações feitas à mão. O já citado Hades e o incrivelmente bem sucedido Hollow Knight são ótimos exemplos disso, usando seus gráficos extremamente caprichados para não recorrer a um estilo considerado saturado atualmente.

É evidente que são diversos os estilos artísticos que podem ser empregados nos gráficos de um jogo indie, o que inclui ainda o estilo visual que normalmente vemos em jogos triplo A. Temos títulos brasileiros, inclusive, que fizeram sucesso empregando o “realismo” em 3D, como Dolmen e Fobia.

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Bons jogos indie merecem todos os elogios que recebem e foram completamente indispensáveis para tornar “indie” um segmento de sucesso no mundo dos games. Mas não posso concluir este trecho do artigo sem mencionar a importância da distribuição digital de jogos para tornar isso possível.

Um dos maiores custos para se fazer um game sempre foi o de criação e distribuição das mídias. É assim que diversas produtoras gigantes se consagraram, trazendo o investimento para permitir a existência do jogo e recolhendo porcentagens – de maneira muito semelhante às gravadoras de discos e CDs.

Era praticamente impossível para um pequeno grupo de desenvolvedores independentes ter condições de fabricar cartuchos ou gravar discos para distribuir seus jogos em todo um país, imagine pelo mundo. Os criadores dependiam do investimento dessas grandes produtoras e, por consequência, de suas aprovações.

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O modelo de distribuição digital e o grande número de lojas online que temos atualmente permitiu pular toda essa etapa para oferecer o produto final diretamente ao consumidor – isso sem mencionar na ajuda na divulgação pela internet e redes sociais. 

Onde tem dinheiro, tem trambique

Um artigo sobre jogos indie não estaria completo sem sequer mencionar as muitas “bombas” que aparecem no segmento. Como acontece em qualquer mercado, quando uma coisa dá dinheiro, muitas pessoas correm atrás de aproveitar e várias delas sem ao menos tentar oferecer um produto decente.

Usando as mesmas facilidades que possibilitaram o “boom” dos jogos independentes – principalmente as lojas digitais – e as ferramentas cada vez mais intuitivas de criação de games, muitos desenvolvedores lançam qualquer coisa para tentar fazer um troco rápido. Esses títulos de baixa qualidade se empilham nas plataformas online e recebem a alcunha de shovelware. 

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Chega a ser interessante os truques que esse povo usa para tornar seus games de baixa qualidade mais chamativos. Imitações de jogos de sucesso, por exemplo, estão entre os shovelware mais comuns. Isso é algo bem comum no segmento mobile também. Aliás, os jogos “clonados” aparecem até em patamares um tanto maiores de investimento, dando assunto suficiente para todo um outro artigo.

Outro truque comum, em especial no PlayStation, são as platinas fáceis (ou “garapas”). Alguns games meia-boca prometem um bom número de troféus simples de serem conquistados a fim de fisgar os jogadores mais obcecados pelas suas coleções. Obcecados ao ponto de perder tempo jogando coisa ruim só para somar mais troféus. Versões análogas a esse truque acontecem em outras lojas digitais também.

E claro que a jogada de marketing mais velha do mundo é também bastante comum nesses casos: estampar mulheres com pouca roupa na capa. Enquanto isso acontece em jogos de todo segmento e em quase todo nível de qualidade, na área dos shovelware temos vários títulos em que a mecânica central é liberar imagens de moças de biquini depois de pontuar no Candy Crush ou vencer uma partida de cartas. É tipo ter que resolver um puzzle para acessar o DeviantArt.

Mas nem todo indie mal-sucedido é fruto de uma tentativa de trambique. Enquanto está cada vez mais caro fazer jogos triplo A, fica também cada vez mais fácil e acessível fazer jogos mais simples e baratos. Existe uma diversidade de engines altamente intuitivas e a Unreal, uma das mais usadas no mundo, tem planos gratuitos para começar.

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Muitos criadores resolvem arriscar e construir sua experiência profissional de peito aberto, indo pra cima e fazendo jogos. Isso resulta em diversas tentativas aquém do ideal. De minha parte, sempre vou preferir um jogo ruim feito por uma tentativa sincera do que um game mediano feito numa linha de montagem ou apenas pra tirar um trocado rápido.

O futuro é indie?

Os indies se consolidaram como um gênero respeitável de jogos e não há motivos para acreditar que seu trem do hype vá perder o fôlego. Mas também não temos muitas evidências de que eles chegarão perto de “desbancar” os poderosos triplo A um dia.

É bem verdade que a indústria dos grandes lançamentos vive um momento especialmente delicado em 2023, e isso oferece uma oportunidade de bons jogos indie brilharem ainda mais, só que os jogadores já mostraram em inúmeras oportunidades ao longo dos anos que jamais abrirão mão de suas ambiciosas aventuras blockbusters. Basta um Spider-Man 2 realmente bom para que 200 Forspokens sejam esquecidos.

Não apenas isso. Os jogos indie ainda convivem com o estigma de serem um “tapa-buraco”, algo para jogar e se distrair enquanto se espera o triplo A, os lançamentos “de verdade”. Muitos jogadores pensam assim, até alguns que gostam mesmo de títulos independentes.

Pessoalmente, não acredito que seria vantajoso os games indie desbancaram de vez o inflado segmento dos jogos triplo A, mas gostaria muito que esses jogadores que subestimam os jogos independentes repensassem um pouco suas perspectivas. Dá pra fazer uma lista quilométrica de jogos com investimentos milionários que são indiscutivelmente superados pelos exemplos de bons jogos indie citados neste artigo.

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Não só isso. Ainda que o futuro não precise ser indie, seria bem positivo que esse tipo de game fosse levado mais a sério por mais jogadores porque ajudaria na pressão que eles fazem contra a indústria triplo A. Torno a dizer, não é uma questão de “derrotar” os grandes, – à la David contra Golias – é mais uma questão de fazer eles se enxergarem por um minuto e buscarem parar de passar vergonha.