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A espera cada vez mais longa por novos jogos

Os games crescem e o período de desenvolvimento também - até onde isso vai?

por João Gabriel Nogueira
A espera cada vez mais longa por novos jogos

Teasers sem previsão de lançamento, datas distantes e incontáveis adiamentos – parece que a criação de games tem se tornado cada vez mais difícil, o que resulta em períodos crescentes de espera por novos jogos que queremos jogar.

Com os games maiores do que nunca, é de se esperar que demorem mais para serem desenvolvidos. Mas será que é só o tamanho dos jogos que tem impactado nesses ciclos cada vez mais longos de desenvolvimento? Devemos esperar que esses períodos apenas continuem a crescer ou teremos estabilidade em algum momento? E quem aqui vai ser pai antes de jogar GTA 6? Vamos buscar algumas respostas neste artigo.

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A diferença que o tempo faz

É fato que os jogos estão demorando mais tempo para ficarem prontos, mas quanto exatamente significa “mais tempo”? Para determinar isso, primeiro é necessário saber que tipo de game exatamente se está comparando.

Jogos para celular e pequenos títulos indie, obviamente, costumam levar menos tempo para serem completados. Games independentes enfrentam a contrapartida de equipes reduzidas de desenvolvimento, que podem impactar no tempo necessário pro jogo ficar pronto, principalmente quando o projeto é mais ambicioso – Silksong é um bom exemplo. Mas, na maioria das vezes, mesmo nesses casos ainda são lançamentos que ficam prontos antes da maioria dos triplo A atuais, devido ao tamanho de cada game.

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Mas é claro que existem exceções entre os lançamentos AAA. Jogos de “linha de montagem” como FIFA e CoD costumam ser lançados anualmente. Isso não significa que o ciclo de desenvolvimento deles dure apenas um ano, as grandes produtoras usam diversos estúdios para garantir o trabalho contínuo. Ainda assim, são ciclos menores que outros jogos no mesmo nível de investimento, possibilitados por anos de expertise e por cada game ter uma estrutura básica que muda pouco a cada lançamento. Vale lembrar que a Ubisoft chegou a fazer isso com Assassin’s Creed também, mas desistiu depois que a fórmula parou de dar retorno.

Este artigo vai focar nos maiores lançamentos da indústria, mas que não seguem moldes padronizados necessariamente. Os títulos AAA que realmente levam mais tempo para serem desenvolvidos, geralmente trazendo enredos inéditos, novas mecânicas e ideias. Um novo God of War ou GTA, por exemplo.

É extremamente importante entender que é praticamente impossível traçar uma linha realmente justa nas mudanças do tempo de desenvolvimento dos novos jogos. A cada geração temos um padrão de produção, sim, mas sempre existirão casos específicos muito difíceis de serem comparados.

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O icônico Pac-Man, por exemplo, foi feito basicamente por uma pessoa e precisou de apenas seis meses para ficar pronto. Metroid para o Nintendinho 8bits – um game muito mais elaborado – contou com um time maior de pessoas e levou mais ou menos um ano para ser desenvolvido e lançado. Super Mario World no Super Nintendo levou em torno de três anos para ficar pronto. 

Esses são exemplos de jogos seguindo uma linha simples de avanço no desenvolvimento, ficando cada vez mais complexos, exigindo mais investimento, pessoas e tempo para ficarem prontos. Mas, chegando no primeiro PlayStation, temos uma exceção extremamente interessante na forma de Final Fantasy VII.

O grande clássico do PSOne é esmagadoramente maior do que qualquer jogo mencionado no parágrafo anterior, mas levou apenas um ano para ficar pronto. Como? Com muita grana. Em seu lançamento, FFVII foi o jogo mais caro já feito, envolvendo uma equipe de 100 a 150 pessoas em seu desenvolvimento, numa época em que o mais comum era ter em torno de 20 devs trabalhando num game.

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Mas nem todo investimento do mundo faria um triplo-A ficar pronto em apenas um ano hoje em dia. Para uma versão TL;DR deste trecho do artigo: é quase impossível traçar uma linha coerente de avanço no tempo de desenvolvimento dos jogos ao longo dos anos, mas há um consenso na internet que entre o Super Nintendo e o PSOne os jogos levavam de 1 a 3 anos para ficarem prontos, enquanto hoje em dia a média esperada é de 5 anos ou mais.

O ciclo de desenvolvimento

Para entender o tempo que leva para se fazer um jogo é importante primeiro conhecer quais são as etapas do ciclo de desenvolvimento.

Se você pesquisar sobre o assunto, vai perceber que existem diversas maneiras de organizar essas etapas, com números bem variados. Cheguei a encontrar listas com nove etapas diferentes.

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Para nosso entendimento neste contexto, podemos resumir em três etapas bem abrangentes, que aparecem em qualquer lista desse tipo:

  • Pré-produção
  • Produção
  • Pós-produção

Tem muita coisa que pode acontecer e que acontece durante cada uma dessas etapas, e é por isso que vários textos vão querer aumentar a lista, para deixar mais detalhado. Para este artigo, a versão mais abrangente será suficiente. E os nomes já indicam muito bem o que esperar de cada etapa.

A pré-produção, basicamente, é o processo que envolve tirar uma ideia da cabeça e colocar num papel. É como responder a um questionário: Como é o jogo? Em que plataformas vai sair? Quanto vai custar? Quanto tempo pra ficar pronto? Por quanto tempo será suportado? E assim por diante.

Um elemento extremamente importante da pré-produção é o Documento de Design do Jogo (GDD – sigla em inglês). É um papel oficial com as respostas para muitas dessas perguntas e detalhes sobre o game. Grandes produtoras e distribuidoras – incluindo as plataformas onde o jogo será lançado – costumam exigir essa documentação antes de começar qualquer conversa.

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A produção, obviamente, é a parte de realmente fazer o jogo. Muitas vezes um primeiro protótipo do game já é feito na fase de pré-produção, mas aqui teremos a primeira versão alfa, beta e assim por diante até o game finalizado. A parte de produção pode envolver um mundo de coisas que é impossível listar aqui, dependendo somente do jogo sendo feito.

Alguns títulos, por exemplo, são feitos em engines já prontas, como a Unreal ou a Decima que o Kojima se apaixonou. Outros vão exigir a criação de um novo motor gráfico, que também entra nesta fase. Um termo legal de conhecer que entra aqui é o “recorte vertical”. A imagem abaixo ajuda a entender o que é isso:

Existe uma lista de recursos e mecânicas que precisam ficar prontos até um jogo ser completado – um recorte vertical é um pedacinho de cada item dessa lista pra poder mostrar uma demonstração do que será o game. É esse tipo de recorte que é usado em trailers, divulgações e demos propriamente ditas.

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A pós-produção é o que vem depois do lançamento do game. Como seria de se esperar, com o advento da distribuição de conteúdo digital pela internet, essa parte cresceu muito quando comparamos com o desenvolvimento de jogos no passado.

Depois de disponibilizado o game, o time de devs volta seus esforços ao conserto de bugs, criação de patches e, geralmente, criação de DLCs e outros tipos de conteúdo extra.

O que realmente demora na produção de novos jogos

É interessante esmiuçar as etapas do ciclo de desenvolvimento porque fica mais fácil visualizar onde tem somado mais tempo na criação de novos jogos modernos em cada uma delas.

Com o investimento nos games ficando cada vez maior, passa a ser exigido mais da pré-produção. Os estúdios precisam trabalhar mais para convencer que gastos tão grandes serão justificados e, mais importante, recompensados. Além disso, também aumentou demais o valor e planejamento destinados à área do marketing de cada jogo.

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Indo para a parte de produção, são inúmeras as áreas onde pode aumentar o tempo de desenvolvimento de um jogo. A fidelidade gráfica tem exigido demais do tempo dos animadores, enquanto o tamanho e duração do game impactam em bastante trabalho extra para os roteiristas e criadores de cenários, por exemplo. Além disso, temos os conteúdos extras e DLCs, que em grande parte já são desenvolvidos junto ao game principal e precisam estar prontos antes do lançamento para alavancar bônus de pré-venda e outras estratégias de marketing do tipo.

Falando em estratégias de propaganda, essa é a área que tem sugado grande parte do investimento crescente na criação de novos jogos, o que significa que mesmo com tanto dinheiro girando, nem sempre temos a contratação de times maiores de pessoas que efetivamente poderiam agilizar seu desenvolvimento.

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A CD Projekt RED investiu mais de US$ 300 milhões no desenvolvimento de Cyberpunk 2077 e não revela quanto desse dinheiro foi para o marketing e quanto foi destinado a realmente fazer o jogo. O resultado é que, mesmo depois de diversos adiamentos e muito crunch, o jogo ainda chegou num estado terrível. 

Existe uma tendência em investir cada vez mais na divulgação dos jogos e o próprio caso do Cyberpunk mostra como isso é tentador para as produtoras. Todos os problemas de lançamento do game pouco importaram, uma vez que ele já estava gerando lucro ainda na fase de pré-venda.

Esse é outro aspecto que ajuda a impactar na demora do desenvolvimento de games modernos – a pré-venda. Com as produtoras apostando muitas das suas fichas em vender o game antes dele ficar pronto, é natural que esse “ficar pronto” deixe de ser uma prioridade.

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O tal do recorte vertical, por exemplo, é algo que demanda um tempo considerável dos desenvolvedores, mas é extremamente valorizado para divulgar o jogo e emplacar algumas encomendas antes do lançamento. Um caso que ilustra bem isso foi no ano passado, quando Sam Lake, da Remedy, decidiu não mostrar mais de Alan Wake 2 no fim do ano para não atrasar o ritmo do seu time. Ele não quis atrapalhar os desenvolvedores em “plena produção” para fazer um recorte vertical do jogo, o que atrasaria seu desenvolvimento.

Essa é uma exceção, é claro. Muitas produtoras preferem fazer o contrário e atrasar o game para poder manter seu hype em alta.

Neste trecho busquei fazer algumas observações que podem explicar o tempo maior de desenvolvimento dos jogos atualmente em termos gerais. Além dessas justificativas e tantas outras, também temos diversos casos específicos causando atrasos históricos – The Last Guardian sendo um exemplo muito emblemático disso. Se eu fosse começar a listar casos específicos de demora na criação de um game, este artigo ficaria infinito, mas tem pelo menos um título que não dá para ignorar: a espera sem fim pelo GTA 6.

A situação do GTA 6

O primeiro Grand Theft Auto foi lançado em 21 de outubro de 1997. Sua sequência, GTA 2, chegou dois anos depois, em setembro de 1999. O terceiro título da franquia marcou a estreia de GTA no mundo 3D, então seria natural se tivesse demorado mais o desenvolvimento – mas não foi o caso, o game chegou religiosamente dois anos depois novamente, em 22 de outubro de 2001.

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O spin-off Vice City foi lançado no ano seguinte, em 2002, com o queridinho dos brasileiros – GTA San Andreas, chegando apenas outros dois anos depois, em 2004. O ritmo de desenvolvimento seguiu em intervalos de um ou dois anos ao longo de diversos títulos, até chegar no titânico GTA V, que chegou em 2013, quatro anos depois de seu antecessor. Neste ano, então, o game vai completar dez anos e não temos sequer um teaser de GTA 6 – só foi confirmado que o jogo existe por causa de um vazamento inclusive.

Sendo pragmático – com uma pequena pitada de cinismo – não há mistério algum para toda essa demora no lançamento de um GTA inédito. Basta observar o gráfico abaixo, do Statista, que mostra a quantidade de unidades vendidas de GTA V ao longo do tempo:

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Um jogo aclamado e premiado como The Witcher 3 vendeu 40 milhões de unidades desde seu lançamento em 2015. GTA V alcançou este número logo em seu ano de estreia, e agora chega nos 175 milhões de unidades vendidas. Estamos falando de outra escala em número de vendas.

Mas não é o somatório total das vendas que mais chama a atenção. Se os números estiverem corretos, entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, GTA V somou mais 15 milhões de unidades vendidas ao redor do mundo. Isso representa um único jogo com nove anos de idade vendendo mais que todos os Marvel vs. Capcom já feitos juntos, por exemplo (chorei um pouco). 

E é isso que se torna muito importante, como as vendas do game continuam aquecidas. Se GTA V tivesse conquistado esses mesmos números absurdos, só que tivesse parado, podem ter certeza que a Rockstar estaria um pouco mais apressada no desenvolvimento do próximo game.

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Para a desenvolvedora é economicamente mais interessante continuar suportando o título que ainda vende, porque é um investimento menor, mais seguro e com retorno garantido.

Mas é claro que isso não significa que a Rockstar esteve completamente parada ao longo desses anos. GTA 6 já não é mais segredo e está em desenvolvimento há algum tempo. Algo que eu gostaria de trazer aqui, como especulação, é que o game pode ter enfrentado um problema muito comum para títulos que passam tempo demais no forno: começar a ficar defasado.

Volto a ressaltar, estamos entrando no campo de especulação e achismo agora. Mas é coerente imaginar que pode ser que a Rockstar começou o desenvolvimento de GTA 6 há um bom tempo, mas vendo o sucesso que o título atual continuava a fazer, ia mudando suas prioridades e empurrando o lançamento do próximo game pra frente

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Desde o lançamento do GTA V tivemos a introdução de duas novas gerações de consoles e um salto enorme com a introdução do ray tracing em diversos novos títulos, além do SSD agora ser devidamente aproveitado. Os jogos da série GTA miram num padrão de excelência em termos de gráficos e performance, então não seria de se admirar que GTA 6 precisou passar por toda uma reformulação para aproveitar tecnologias modernas que tornou o ciclo de desenvolvimento do game ainda mais longo.

O que esperar do futuro?

Atualmente parece que encontramos uma nova média de tempo de espera para novos jogos AAA, que fica entre três a cinco anos – isso se o game não passar por situações atípicas e inesperadas que atrasem seu desenvolvimento, obviamente.

O que é interessante de observar, no entanto, é que não temos apenas forças que possam aumentar o tempo de desenvolvimento para os próximos anos, mas também a possibilidade até de diminuir um pouco.

É bem verdade que os gráficos continuam evoluindo, mas como mencionado em artigos anteriores, a velocidade desses avanços caiu bem em relação ao passado. Além disso, as produtoras estão prontas para usar capacidades novas das IAs no desenvolvimento dos jogos. Difícil prever quais resultados vão sair daí, mas certamente é algo que ajuda a agilizar o trabalho dos criadores.

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Também devemos observar que o mercado de games segue ficando mais aquecido do que nunca, o que garante a presença de ainda mais profissionais, o que pode acelerar a produção de grandes jogos. Mas é aqui que entra a complicação do marketing/pré-venda.

O aquecimento contínuo do mercado incentiva as produtoras a mirarem em rendimentos cada vez mais difíceis de serem alcançados, e essa busca reflete em investimentos que nem sempre, de fato, ajudam no desenvolvimento do game. A propaganda vai ocupando um espaço crescente no processo de criação dos novos jogos e, mesmo sendo importante, não é algo que ajude o título a ficar pronto.

Não só isso, mas a pressão pela pré-venda resulta também em datas de lançamento sendo divulgadas de maneira irresponsável e os adiamentos são quase uma constante na atualidade. Datas erradas e mudanças causam uma sensação ainda mais forte no público de que a espera está sendo maior do que devia.