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Returnal: o que é a Sombra Branca?

Elemento fundamental para a história, o sinal de transmissão misterioso possui múltiplas interpretações

por André Custodio
Returnal: o que é a Sombra Branca?

Returnal, desenvolvido pela Housemarque e lançado em 2021 como exclusivo para PlayStation 5, é mais do que um jogo de ação em terceira pessoa com elementos roguelike: é uma experiência de ficção científica psicológica que mistura horror cósmico, narrativa fragmentada e uma profunda exploração de trauma, culpa e ciclos de repetição.

No centro da trama está Selene Vassos, uma astronauta da ASTRA Corporation, cuja jornada no misterioso planeta Atropos é guiada por um enigmático sinal conhecido como “Sombra Branca”. Este fenômeno, mencionado desde os primeiros momentos do jogo, é o fio condutor da narrativa, mas sua natureza permanece complexa, tornando-se bastante especulativa.

E como a história de Returnal está longe de ser compreensível, preparamos uma matéria especial resumindo os principais elementos do jogo: desde o misterioso sinal de transmissão até as possibilidades ao fim da campanha.

O que é a Sombra Branca?

A Sombra Branca é introduzida como um sinal de transmissão que Selene detecta enquanto patrulha o espaço profundo. Desafiando ordens da ASTRA, ela decide seguir esse sinal até Atropos, um planeta alienígena repleto de ruínas de uma civilização extinta e criaturas hostis.

O termo “Sombra Branca” reflexe a ideia de dualidade: algo etéreo, quase espectral, mas também iluminado, como se prometesse uma a revelação definitiva. Para Selene, o sinal é irresistível, descrito como “familiar” e carregado de uma conexão pessoal que ela não explica inicialmente.

Ao longo do jogo, a Sombra Branca é mencionada em diferentes contextos: como um objetivo a ser alcançado, como uma visão fugaz (como a figura de um astronauta que aparece em momentos-chave) e até como uma força que parece conduzir o ciclo temporal que prende Selene.

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Fonte: Housemarque

É um fenômeno que transcende a mera tecnologia, sugerindo uma manifestação metafísica ou psicológica. A Sombra Branca pode ser interpretada como um símbolo do trauma de Selene, uma projeção de sua culpa ou até uma entidade externa que a manipula.

Sua ambiguidade é intencional, alinhando-se com a filosofia da Housemarque de criar uma narrativa que “você descobre, repete e repensa a cada jogada”.

A história de Returnal: um ciclo de morte e renascimento

A narrativa de Returnal começa com Selene aterrissando em Atropos após sua nave, Helios, ser danificada. Logo, ela descobre que está presa em um loop temporal: cada morte a leva de volta ao momento da queda, mas o planeta muda, com biomas reorganizados e novos desafios.

Os seis biomas – de florestas sombrias a desertos congelados – são repletos de xenotecnologia, estátuas alienígenas e registros de uma civilização que parece ter sido destruída por um cataclismo. Selene encontra vestígios de si mesma, como corpos de ciclos anteriores e gravações de voz que ela não lembra de ter feito, sugerindo que está presa há muito tempo.

Enquanto explora, a protagonista tem visões de seu passado na Terra. Essas memórias, muitas vezes apresentadas em sequências na misteriosa casa que aparece em Atropos, revelam sua relação conturbada com sua mãe, Theia, uma aspirante a astronauta que sofreu um acidente de carro que a deixou tetraplégica.

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Fonte: Reprodução

As visões também mostram uma criança, Helios, que pode ser o filho de Selene ou ela mesma na infância, e um acidente de carro onde uma figura semelhante a um astronauta – a Sombra Branca – aparece na estrada, causando a tragédia.

Essas memórias fragmentadas se entrelaçam com a jornada em Atropos, sugerindo que o planeta é mais do que um lugar físico: pode ser uma manifestação da psique de Selene, um purgatório onde ela enfrenta seus demônios.

A progressão da história é dividida em três atos. No Ato 1, Selene explora os três primeiros biomas, buscando a Sombra Branca. No Ato 2, ela enfrenta os biomas finais e derrota Ophion, o boss final, aparentemente quebrando o ciclo.

No Ato 3, necessário para o final secreto, Selene coleta os seis Sunface Fragments, revisita a casa e desbloqueia a verdade sobre o acidente de carro, confrontando a entidade que parece controlar seu destino.

A Sombra Branca é um símbolo ou uma entidade?

A Sombra Branca é o coração enigmático de Returnal, funcionando como um catalisador para a jornada de Selene. Existem várias interpretações sobre sua natureza, cada uma apoiada por elementos da narrativa:

A Sombra Branca como trauma psicológico

A interpretação mais aceita sugere que a Sombra Branca é uma projeção do trauma de Selene, especificamente ligado ao acidente de carro. Na cena do acidente, a figura do astronauta aparece na estrada, fazendo Selene desviar e cair no rio.

Essa figura, que ela associa à Sombra Branca, pode representar sua culpa por causar o acidente, que resultou na morte de Helios (se ele for seu filho) ou na lesão de Theia (se Selene for a criança).

Atropos, nesse contexto, seria uma construção mental onde Selene revive sua culpa em um ciclo infinito, incapaz de aceitar a realidade. A familiaridade do sinal reforça essa ideia, como se fosse um eco de sua própria dor.

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Fonte: Reprodução

A Sombra Branca como entidade cósmica

Outra teoria propõe que a Sombra Branca é uma força externa, possivelmente ligada à entidade alienígena que Selene encontra no final do Ato 2. Essa entidade, que parece responsável pelo loop temporal, pode usar a Sombra Branca como isca para atrair Selene a Atropos, talvez para cumprir um propósito maior, como perpetuar a existência da civilização alienígena ou testar a resiliência humana.

Os registros dos alienígenas em Atropos sugerem que eles também foram vítimas de um ciclo semelhante, o que apoia a ideia de uma força manipuladora.

A Sombra Branca como Selene

Uma interpretação mais complexa sugere que a Sombra Branca é a própria Selene, ou melhor, uma versão idealizada dela como astronauta. No final secreto, Selene confronta a verdade: ela era a motorista no acidente, e a figura do astronauta pode ser uma manifestação de sua obsessão com a carreira, que a afastou de sua família.

A Sombra Branca, nesse caso, simboliza o sonho que a levou a sacrificar tudo, incluindo a vida de Helios. Essa leitura reforça a ideia de que Selene é tanto vítima quanto culpada, presa em um ciclo de autojulgamento.

Os finais de Returnal

Returnal possui dois finais – o principal, após o Ato 2, e o secreto, desbloqueado no Ato 3. Ambos são abertos à interpretação, mas oferecem pistas cruciais sobre a Sombra Branca e a narrativa.

Final principal (Ato 2)

Após derrotar Ophion, Selene mergulha em um abismo e encontra um carro submerso, revivendo o acidente. Ela tenta salvar a criança (Helios), mas é sugada por uma entidade alienígena antes de conseguir.

A cena corta para Selene, agora idosa, em Atropos, sugerindo que ela escapou do ciclo, mas retornou 63 anos depois. A Sombra Branca aparece aqui como a figura do astronauta na estrada, implicando que ela causou o acidente.

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Fonte: Reprodução

Esse final sugere que Atropos é uma construção mental. O acidente é o evento central da vida de Selene, e a Sombra Branca é a manifestação de sua culpa. O loop temporal representa sua incapacidade de superar o trauma, e a entidade alienígena pode ser uma metáfora para sua própria psique, punindo-a repetidamente.

Alternativamente, o final pode indicar que Selene nunca deixou Atropos, e o “retorno” é apenas outro ciclo.

Final secreto (Ato 3)

Para desbloquear esse final, Selene coleta os Sunface Fragments e revisita a casa, obtendo a chave do carro. Ela retorna ao abismo, abre o carro submerso e confronta uma entidade em uma cadeira de rodas, que a ataca. A cena final mostra Selene caindo no rio, mas a figura do astronauta é revelada como ela mesma, sugerindo que ela causou o acidente.

O final secreto reforça a ideia de que Selene é a responsável pelo acidente, e a Sombra Branca é uma projeção de sua identidade como astronauta. A entidade na cadeira de rodas pode representar Theia, sua mãe, ou até uma versão quebrada de si mesma, refletindo a culpa por abandonar sua família.

Esse final sugere que Selene finalmente enfrenta a verdade, mas não há resolução clara: o ciclo pode continuar, ou ela pode encontrar paz ao aceitar sua culpa.

Síntese: um ensaio de culpa e redenção

A narrativa de Returnal é intencionalmente fragmentada, refletindo o estado mental de Selene. No entanto, ao juntar as peças, podemos reconstruir a história central. Selene é uma astronauta obcecada por sua carreira, possivelmente herdando o sonho de sua mãe, Theia, que foi frustrada por um acidente.

Esse acidente, onde Theia ficou tetraplégica, pode ter envolvido Selene como criança, plantando as sementes de sua culpa. Anos depois, Selene, agora mãe de Helios, causa outro acidente ao desviar da figura do astronauta – a Sombra Branca – na estrada, resultando na morte de seu filho.

Atropos, nesse contexto, é uma metáfora para o purgatório mental de Selene. O loop temporal representa sua incapacidade de seguir em frente, enquanto a Sombra Branca é o símbolo de sua obsessão e culpa.

As visões da casa e as memórias fragmentadas são tentativas de sua mente de processar o trauma, mas também de puni-la. A entidade alienígena, que parece controlar o ciclo, pode ser uma representação de sua própria consciência ou uma força externa que explora sua dor.

Returnal
Fonte: Housemarque

Os finais, embora ambíguos, sugerem que a jornada de Selene é sobre autodescoberta. O final principal mostra sua tentativa de escapar da culpa, mas o retorno a Atropos indica que a aceitação ainda não veio.

O final secreto, por outro lado, a força a confrontar a verdade: ela é a Sombra Branca, a causa de sua própria tragédia. A narrativa, portanto, é menos sobre resolver o mistério de Atropos e mais sobre Selene enfrentar suas falhas e buscar redenção, mesmo que isso signifique permanecer no ciclo.

A Sombra Branca e o legado de Returnal

A Sombra Branca é o que torna Returnal uma obra-prima de narrativa. Ela é ao mesmo tempo um plot device, um símbolo e um mistério, encapsulando a essência do jogo: a luta contra o próprio passado.

Seja como uma entidade cósmica, uma projeção psicológica ou a própria Selene, a Sombra Branca guia o jogador por uma jornada de reflexão e repetição, onde a verdade é tão elusiva quanto o sinal que a nomeia.

Returnal desafia os jogadores a não apenas dominar sua jogabilidade frenética, mas a mergulhar em uma história que exige paciência e interpretação. A Sombra Branca, como o próprio jogo, não oferece respostas fáceis.

Ela nos convida a perguntar: o que nos prende em nossos próprios ciclos? E, mais importante, como podemos enfrentá-los? Para Selene, e para nós, a resposta está em confrontar a sombra – mesmo que ela seja nossa.