It Takes Two é o jogo do ano que precisávamos
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It Takes Two é o jogo do ano que precisávamos

Um pouco do que há por trás da simplicidade do GOTY de 2021

por Dan Schettini

Parece que foi ontem que vimos Josef Fares, a mente por trás do estúdio Hazelight, receber o microfone do The Game Awards para fazer um inflamado (e apaixonado) discurso sobre a indústria de videogames, criticando lootboxes e clamando pela valorização do mercado – e, de quebra, mandando o “Fuck the oscars!“, que o eternizou como um personagem inesquecível.

Mas, também em 2017, o desenvolvedor estava muito mais preocupado com seu título anterior a It Takes Two: o game A Way Out – que foi o que o levou ao The Game Awards como entrevistado.

A Way Out é muito da essência do próprio Fares e trás para as mãos dos jogadores uma experiência totalmente cooperativa e que tinha como principal pilar uma trama narrativa, capaz de unir os jogadores em decisões, das mais pequenas até as mais cruciais para o desenrolar da gameplay.

Naquele ano, em diversas entrevistas, Josef Fares fez questão de enfatizar o quanto era importante valorizar o co-op – sempre dando ênfase ao jogo local, com a famosa “jogatina de sofá”. Para o diretor, criar laços entre os jogadores era o principal desafio do estúdio ao desenvolver A Way Out que, além de oferecer uma campanha para duas pessoas, também trazia, assim como It Takes Two, o Friend Pass (uma espécie de convite que permite que um dos jogadores com uma cópia do game possa convidar e se unir a um amigo, mesmo que ele não tenha o jogo em sua biblioteca).

Josef Fares It Takes Two GOTY
Josef Fares recebendo a estatueta de Game of The Year por It Takes Two

Em It Takes Two podemos dizer que o desejo da Hazelight em juntar os jogadores em um movimento uníssono ganhou uma forma ainda mais poderosa. E este, para mim, é um dos principais feitos do jogo, vencedor da categoria Game of The Year, o principal prêmio do The Game Awards de 2021. O game premiado fala muito sobre um sentimento que os videogames sempre foram capazes de gerar:

O de criar memórias compartilhadas.

Com a ascensão descontrolada do multiplayer, o online passou a ser uma necessidade para unir jogadores de todos os cantos possíveis. Mas, nem sempre, o foco no cooperativo é visto como prioridade nos tempos de hoje. A indústria se move a 1000km/h, moldada por tendências e pelo desejo de “mais e mais” que os jogadores sempre procuram. De Fortnite a Call of Duty, de League of Legends a Free Fire. O competitivo ganha força, as partidas prezam pelas dinâmicas cada vez mais aceleradas e o novo já nasce como ultrapassado. Tudo é o agora e as lembranças que você quer guardar não são as que viveu, mas sim as que você espera viver, após o matchmaking fechar e você ter a oportunidade de se sair melhor do que se saiu 15 minutos atrás.

Na contramão, ainda existem títulos que valorizam elementos narrativos, que contam com uma lore mais trabalhada e que oferecem a possibilidade do cooperativo. Dos sucessos mais recentes, temos o multiplataforma Genshin Impact, que une jogadores, do mobile ao PC, em um mundo sedento para ser explorado mas que parece, na maior parte do tempo, funcionar muito melhor sozinho do que em co-op – elemento que soa como uma funcionalidade vazia dentro do game e que parece só se fazer presente pelo chamariz e nem tanto pela diversão ou coesão.

Voltando uns passos atrás, tivemos o fenômeno Dark Souls, que também convidava seus aventureiros a dividir suas jornadas mas de maneira bastante questionável, limitando as invocações de amigos, travando o progresso para quem não é o host da sessão e parecendo muito mais preocupado em tratar o jogo colaborativo como um pedido de socorro do que como uma experiência realmente compartilhada.

Salve algumas exceções, como os títulos da Nintendo, Minecraft ou os MMOs, por exemplo, a tônica dos jogos para “jogar de dois” dificilmente é a narrativa. Você pode até questionar e dizer que uma boa e divertida gameplay com amigos tem a mesma força para criar lembranças de um jogo com uma boa história, mas há de se concordar que a união dos dois fatores é inquestionavelmente imbatível. Não é?

The Witcher 3
The Witcher 3 (2015)

Se já temos em mãos grandes aventuras solitárias, como The Witcher e The Last of Us, ou mesmo as jornadas empolgantes em multiplayer já citadas anteriormente, ter experiências que unam a colaboração (online e presencial) com uma trama amarrada é algo que, nos tempos de hoje, não se encontra a cada esquina.

E, Josef Fares… você conseguiu.

It Takes Two trás, com uma grande riqueza nos detalhes, uma gameplay que surpreende a todo o momento. São diversas mecânicas e estilos de jogabilidade, mesclando sequências de plataforma e puzzles engenhosos com momentos de tirar o fôlego e que emulam gêneros como shooter, luta e RPG.

Da batalha naval aos sopros de criatividade nos mais diversos mini-games opcionais, viver a jornada a dois trará dezenas de momentos em que um tapinha no ombro do seu amigo virá a calhar. Rir juntos, se irritar com as decisões precipitadas, bolar as mais diversas estratégias e comemorar quando tudo dá certo. Essa é a principal força – e a base – por trás do GOTY de 2021. Criar momentos que transbordam da tela e que envolvem os jogadores, fincando seu nome em suas recordações mais queridas.

It Takes Two
It Takes Two (2021)

Jogar, se empolgar e, no futuro, relembrar. Quem diria que, no fim, a indústria teria muito o que aprender com Josef Fares, o fanfarrão autêntico que chocou a imprensa muito mais pela irreverência do que por qualquer outro feito, anos atrás.

É impossível deixar passar todas essas sensações vindas de um videogame, principalmente em um tempo em que estamos nos reacostumando à proximidade com as pessoas, após tantos meses de

distanciamento social. It Takes Two me fez lembrar que certos momentos ficam para sempre – mesmo aqueles mais simples, mas que são vividos e divididos com as pessoas que nos importamos.

Para mim, videogame é isso.

E não poderíamos ver um jogo melhor sendo coroado.