Como os vazamentos impactam o hype dos games
Por bem ou por mal, os vazamentos são um dos pilares das notícias sobre videogames
Os famosos (ou infames) vazamentos são uma parte praticamente indissociável da cobertura de notícias do mundo do entretenimento, o que certamente inclui os games.
Com um trabalho tão dedicado das produtoras em gerar um hype constante pelos seus próximos lançamentos, muitos dos jogadores ficam ávidos por quaisquer novidades e várias vezes elas começam a aparecer de fontes não oficiais. Mas não são apenas as últimas novidades de jogos não lançados. Vazamentos às vezes trazem informações aprofundadas do processo de desenvolvimento ou do modo de trabalho de uma empresa que normalmente nunca saberíamos.
O artigo da vez, então, vai buscar se aprofundar neste tema. Vamos comentar alguns dos vazamentos históricos dos videogames, tentar entender porque eles acontecem e refletir.
Definindo vazamentos
Gosto de começar meus artigos pela definição do tema que será abordado, mesmo nos casos óbvios como este dos vazamentos. Imagino que a maioria dos leitores já sabe do que o termo trata, mas não é inútil ficarmos todos na mesma página sobre o assunto.
Para este artigo, me refiro como “vazamento” a toda informação que circula nas notícias de maneira não oficial. Ou seja, é quando alguém com acesso privilegiado divulga informações sobre um jogo ou empresa sem o aval da companhia, geralmente feito de maneira anônima.
É interessante ressaltar que “não autorizado” pela produtora não quer dizer, necessariamente, prejudicial ou pejorativo para a empresa. É claro que toda companhia de games adoraria controlar toda e qualquer informação que é falada sobre seus jogos, mas o que vaza pode ser bem recebido ou não pelo público. Cada caso é um caso.
Essa percepção do público sobre as informações não oficiais é justamente onde mora a discussão sobre vazamentos. Os jogadores podem ficar felizes com a confirmação de um lutador que queriam muito no próximo Street Fighter, podem ficar revoltados com o destino de seu personagem preferido na continuação de The Last of Us ou, no geral, podem ainda ficar descontentes com informações que vazam por considerarem spoilers.
Apesar das diferentes maneiras que um vazamento pode impactar um jogo, a produtora por trás dele e o público, é importante entender que esse tipo de informação é indispensável para o jornalismo. Imagine se toda notícia do seu portal preferido fosse divulgada apenas com a autorização de produtoras e empresas – isso não seria um site noticioso, seria muito mais uma extensão da assessoria ou do marketing das produtoras. E olha que mesmo com os vazamentos já temos muitos sites que operam assim.
Existem “bons” e “maus” vazamentos?
Pra variar um pouco no estilo de escrever, vou começar este trecho do artigo já respondendo à pergunta do subtítulo: sim, existem “bons” e “maus” vazamentos. Mas talvez não do jeito que alguns dos leitores possam pensar a princípio.
Como explicado no trecho anterior, vazamentos são apenas informações. Uma informação por si, ainda mais no mundo dos jogos, é só isso, uma informação. É a percepção dos envolvidos que determina se aquilo foi positivo ou negativo.
Recentemente, por exemplo, tivemos o vazamento de todo o elenco de Street Fighter 6 logo depois da revelação oficial do jogo. É difícil saber até onde isso foi considerado um problema pela Capcom, mas muitos dos jogadores não se importaram de saber logo quem estaria disponível no game. A maior parte da briga, como de costume, focou mais nas reclamações de quem não viu o seu lutador preferido no novo game.
Já The Last of Us 2 teve um dos vazamentos mais controversos do videogame. Basicamente todo o roteiro do jogo apareceu na internet antes do lançamento, acompanhado de alguns vídeos que confirmavam suas partes mais controversas, ajudando muito na credibilidade.
Além de muitos jogadores revoltados pelos spoilers quase impossíveis de ignorar na internet, o maior barulho veio do pessoal revoltado com as escolhas feitas pelo enredo do novo jogo – algo que perdurou depois de seu lançamento. A Naughty Dog, aliás, parece ter um problema sério em seus encanamentos porque, mesmo depois de algo tão grande, ainda teve que lidar com vazamentos sobre The Last of Us Part 1 e o futuro multiplayer do mundo de TLOU.
Outro vazamento bem emblemático foi o de GTA 6. Depois de falar tanto deste game no artigo sobre espera de jogos e no artigo sobre GTA V, não quero dedicar muito deste texto a ele, mas não posso ignorar um acontecimento tão grande dentro do tema.
O vazamento de GTA 6 foi consideravelmente menor quando comparamos com todo o roteiro de um game aparecendo na internet, mas pelo tamanho e expectativa do jogo foi um momento de “parar as máquinas”. Dessa vez, novamente (e até obviamente), envolvendo reclamações, de pessoas que sabem pouco sobre como funciona o desenvolvimento de jogos choramingando sobre o estado em que parecia estar o jogo.
Um parêntesis para fazer aqui é que as críticas infundadas contra o que apareceu de GTA 6 resultaram num movimento solidário de outros grandes devs, compartilhando imagens muito bacanas de seus jogos em estágios iniciais de desenvolvimento.
É difícil medir o impacto real e prático que esses grandes vazamentos podem ter na performance dos games, mas o mais provável é que seja quase nenhum. The Last of Us 2, em meio a tanta polêmica, ainda vendeu bastante. E alguém aqui acredita que as imagens de desenvolvimento de GTA 6 vão fazer algum arranhão nas vendas do jogo?
A verdade é que grandes vazamentos são causadores de muito barulho e pouco impacto. E talvez essa afirmação pareça contradizer a ideia de que existem “bons” e “maus” vazamentos, mas é por isso que eu disse que pode ser diferente do que se pensa a princípio – eu separo entre “bons” e “maus” os vazamentos que são verdade e mentira, respectivamente.
Pela natureza não oficial e pelo anonimato que temos em torno dessas informações, fica muito fácil plantar todo tipo de mentira e algumas delas acabam ganhando tração nos portais de notícias, nos fazendo perder tempo com bobagens que nem existem. Mas por que mentir na hora de vazar uma informação? Ou até mesmo, por que dizer a verdade? Vamos tentar descobrir.
Por que vazam?
Dá pra fazer uma lista considerável de motivos para os vazamentos aparecerem e circularem pela internet. Além dos casos famosos de hacks, como foi para a Capcom e para o GTA 6, temos também alguns acontecimentos específicos e bem inusitados.
Assassin’s Creed Unity, por exemplo, teve vários de seus detalhes revelados por um usuário do falecido fórum NeoGAF que deu a sorte de sentar do lado de um dev do jogo durante um voo e a pessoa estava revisando vários detalhes confidenciais. A princípio ninguém acreditou na história, mas mais tarde ela se mostrou verdadeira.
Não tem como fazer uma análise ponto a ponto de casos específicos de vazamento, ainda mais quando temos histórias doidas por trás. Mas ainda posso especular um pouco sobre a natureza dos vazamentos mais comuns da indústria dos games: aqueles que têm origem nas clássicas fontes anônimas.
De maneira muito interessante, os motivos que levam uma pessoa a vazar informações privilegiadas que podem lhes causar problema são os mesmos tanto para quem divulga verdades como para quem inventa mentiras. Esses motivos envolvem autopromoção, descontentamento com a produtora por quaisquer motivos e, para a surpresa de poucos, interesse da própria produtora mesmo.
Começando pelo descontentamento com a produtora, existe uma lista de acontecimentos que podemos imaginar. Ex-funcionários raivosos por terem sido demitidos buscando vingança ou até mesmo devs ainda diretamente envolvidos com o projeto, mas que estão com raiva da empresa. Uma possibilidade interessante para destacar aqui é que às vezes a discórdia pode nem ser com a companhia, mas com o caminho que o próprio game está tomando.
A título de exemplo, Esquadrão Suicida teve um adiamento considerável e, supostamente, a decisão foi tomada para remover a necessidade de estar sempre conectado para jogar, mesmo no single-player. É importante frisar que essa informação não foi um vazamento, mas acredito que ainda serve como exemplo de como o aparecimento de um detalhe importante pode impactar e mudar o rumo do desenvolvimento de um jogo.
Falando nos rumos de desenvolvimento, temos, sim, vazamentos orquestrados diretamente pelas produtoras. Esse é um terreno espinhoso para comentar, não tenho como entrar em detalhes sobre casos específicos sem ter provas, então vamos ficar apenas no reino da especulação.
Acredito que todos concordam que não é difícil de imaginar que às vezes algumas produtoras preferem divulgar novidades sobre seus games vestidas de “vazamentos”, para gerar outros tipos de hype ou por qualquer outra estratégia de marketing que acreditam ser eficaz. Quem acompanha notícias de games deve lembrar de casos em que uma mesma produtora corre para tirar informações vazadas da internet, enquanto em outros momentos apenas deixa rolar. Ficamos por aqui nessa parte.
O motivo da autopromoção é bem autoexplicativo, com o perdão do trocadilho. Existe um senso de satisfação natural na maioria das pessoas em ter aquela informação que ninguém mais sabe, ainda mais em grandes games com tanta gente interessada. É mais ou menos a mesma natureza da fofoca. Algumas pessoas não se aguentam com isso e precisam divulgar, pra mostrar que sabiam, pra ver a reação dos outros e tirarem um senso de controle e poder vindo da atitude.
Um exemplo bastante marcante disso foi um caso mais ou menos recente, com Den Allen Gaming. Foi descoberto que o criador de conteúdo era a identidade por trás de um famoso “vazador” da Ubisoft, principalmente, conhecido como “The Real Insider”.
Allen colocou toda sua carreira a perder pela “emoção” de ter milhares de pessoas esperando para saber suas informações privilegiadas, como ele mesmo explicou em um vídeo pedindo desculpas. Além das consequências para sua imagem, ele deve enfrentar também problemas legais, porque as informações que divulgava eram protegidas por contratos (conhecidos como NDA).
A verdadeira importância do vazamento
Indo além do hype por novos produtos de consumo, passando pelas vaidades de quem se sente poderoso pela posse de informações, os vazamentos ainda têm um papel extremamente importante no mundo do jornalismo.
Jogos são produtos virtuais, mas são desenvolvidos por pessoas bem reais, com vidas que são afetadas de diferentes maneiras pelas suas condições de trabalho. Se não fossem os vazamentos, jamais a Ubisoft ou Activision Blizzard viriam a público falar abertamente sobre os abusos que seus funcionários e funcionárias sofriam e sofrem enquanto apenas tentam trabalhar. E sem essa divulgação, jamais que essas empresas moveriam um dedo para melhorar ou ressarcir as pessoas que prejudicaram.
O mundo das informações não oficiais pode ser muito bacana para manter o hype lá no alto para seu próximo jogo preferido, ou até para se estressar a respeito de novidades do desenvolvimento que não lhe agradam. Mas não podemos perder de perspectiva que a maior importância desse “tráfico de informações” é conseguir saber os segredos que as empresas não querem que você saiba não porque vai impactar em estratégias de marketing, mas sim porque estão ativamente prejudicando a vida de pessoas envolvidas com a produtora.
Chamamos esses vazamentos de “denúncias”, e aqui não vejo motivos para criticar. Eu só gostaria muito de um dia ver os jogadores se revoltando mais com a descoberta de casos de pessoas reais sendo assediadas, coagidas e humilhadas do que com tacos de golfe virtuais.