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The Witcher ou Cyberpunk: quem é a verdadeira CD Projekt?

A empresa polonesa alcançou o estrelato com The Witcher 3, mas teve a reputação manchada com Cyberpunk 2077. O que o futuro reserva?

por Pedro Sciarotta
The Witcher ou Cyberpunk: quem é a verdadeira CD Projekt?

De ilustre desconhecida a queridinha dos jogadores. A CD Projekt ascendeu ao panteão dos grandes estúdios de videogame com o lançamento de The Witcher 3: Wild Hunt em 2015, mas a confiança do público foi abalada por conta do lançamento conturbado de Cyberpunk 2077 ao final de 2020. A empresa viveu altos e baixos, mas qual CD Projekt podemos esperar para o futuro: aquela que nos entregou a obra-prima TW3 e suas excelentes expansões ou a do fiasco de CP2077?

Desde sua criação, em 1994, a CD Projekt possui um histórico diferenciado. Marcin Iwiński, co-fundador ao lado de Michał Kiciński, vendia jogos pirateados durante o colegial, por exemplo. O DNA subversivo esteve presente desde o começo da empresa, que até hoje auto-intitula seus funcionários de “rebeldes”.

O começo da CD Projekt em 1994
O começo da CD Projekt em 1994

Naquela época, a Polônia era dominada pelo mercado informal e a pirataria foi justamente um dos primeiros obstáculos da CD Projekt – superado por meio da localização de jogos para o polonês. Baldur’s Gate foi o caso de maior sucesso.

Em 2002, a empresa criou um estúdio – a CD Projekt Red – e começou a se aventurar no desenvolvimento de jogos, mesmo sem ter ideia de como fazer isso. O plano inicial foi adaptar uma série de contos e romances de autor Andrzej Sapkowski chamada Wiedźmin – que mais tarde ganhou o nome internacional The Witcher. Os livros, escritos sobretudo na década de 1990, eram bastante populares na Polônia.

Em 2002, nasceu o estúdio para a produção de jogos, a CD Projekt Red
Em 2002, nasceu o estúdio para a produção de jogos, a CD Projekt Red

O primeiro The Witcher levou cinco anos para ficar pronto, estourou o orçamento e o estúdio cresceu de 15 para cerca de 100 pessoas. Uma versão para consoles até começou a ser desenvolvida (PS3 e Xbox 360), mas nunca foi lançada por problemas envolvendo a empresa que faria o trabalho. O resultado de vendas no PC, no entanto, foi suficiente para se trabalhar em mais jogos da série.

ASCENSÃO

Nos anos seguintes, a CD Projekt começou a desenvolver The Witcher 2 e já pensava em The Witcher 3. Algo importante para esses projetos foi a criação da Red Engine, primeira versão da game engine proprietária da empresa que facilitaria levar os jogos para os consoles.

The Witcher 2: Assassin’s of Kings saiu em 2011. O jogo foi bem recebido por público e crítica, teve um bom número de vendas e até ganhou uma versão para Xbox 360 em 2012. A empresa polonesa, no entanto, já pensava em The Witcher 3 e mirava na oitava geração de consoles, que chegaria em 2013 com o PlayStation 4 e o Xbox One.

É preciso destacar como The Witcher é uma forte representação cultural polonesa. Se isso já vinha dos livros, intensificou-se ainda mais com a popularidade dos jogos. Um caso icônico aconteceu quando Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, visitou a Polônia em 2011 e recebeu de presente a edição de colecionador de The Witcher 2, diretamente das mãos de Donald Tusk, primeiro-ministro polonês. Quando voltou à Polônia em 2014, Obama destacou The Witcher como símbolo da posição do país na economia global.

A ambição da CD Projekt não parava por aí. A ideia era fazer com que o jogo seguinte fosse um enorme mundo-aberto que não perdesse a qualidade narrativa dos títulos anteriores – no que seria mais uma história original no mundo de The Witcher e concluiria a jornada de Geralt de Rívia.

Após alguns adiamentos, The Witcher 3: Wild Hunt foi lançado em 19 de maio de 2015 para PS4, Xbox One e PC. E foi um sucesso estrondoso. O RPG de ação impressionava com as escolhas e consequências da narrativa, as missões secundárias que adicionavam contexto e a profundidade da construção do mundo. Vale dizer que o projeto também sofreu acusações de crunch (condições exaustivas para os desenvolvedores).

O jogo foi localizado para 15 línguas e contou com cerca de 500 dubladores para quase 1000 personagens com falas. Para nós brasileiros, foi impressionante ver um jogo daquele tamanho ser não apenas legendado em PT-BR, mas contar com uma excelente dublagem. Um símbolo do esforço da localização foi a arrepiante música da trovadora Priscilla, que canta de forma metafórica sobre a relação do bruxo Geralt e da feiticeira Yennefer. O impacto certamente não seria o mesmo se canção não estivesse em nossa língua.

Em um painel da GDC (Game Developers Conference) em 2016, Marcin Iwiński, co-criador da CD Projekt, citou três pilares que fizeram The Witcher 3 ser um sucesso: a qualidade do jogo, a proposta de valor centrada no jogador e a comunicação com os fãs.

A atenção da empresa com os jogadores certamente foi um diferencial para o sucesso. A qualidade de TW3 foi combinada com uma comunicação transparente que ouvia e entendia o jogador. Alguns exemplos são os 16 DLCs gratuitos após o lançamento, as expansões de alta qualidade por um preço razoável e a edição física com brindes. 

Em uma época em que a caixinha raramente vem com alguma coisa além do disco de jogo, The Witcher 3 trouxe manual, compêndio sobre o universo, disco de trilha sonora, mapa, adesivos e uma cartinha de agradecimento, o que mostrava que a empresa se posicionava de uma forma diferente das outras e valorizava seus jogadores.

Toda a história prévia da CD Projekt culmina para The Witcher 3: Wild Hunt, que conquistou o coração dos jogadores e elevou a empresa  ao panteão dos grandes estúdios de games. Hoje o jogo possui mais de 30 milhões de cópias vendidas, o que o coloca entre os 20 jogos mais vendidos da história.

A caixinha de The Witcher 3 veio com muito conteúdo além do jogo
A caixinha de The Witcher 3 veio com muito conteúdo além do jogo

QUEDA

O sucesso de The Witcher 3 impulsionou o interesse para Cyberpunk 2077, o projeto seguinte dos poloneses. O jogo já havia recebido um teaser em 2012 e a produção entrou nos trilhos após TW3, sempre acompanhada de hype gerado pela produtora e potencializado pela mídia. 

A CD Projekt estava em alta, e chegou inclusive a alcançar o posto de empresa mais valiosa da Europa, ultrapassando a Ubisoft. No entanto, o valor das ações da empresa despencou alguns meses depois…

Tudo parecia bem até o lançamento no dia 10 de dezembro de 2020, quando os problemas de Cyberpunk 2077 começaram a ficar evidentes. O jogo trouxe inúmeras promessas não cumpridas, falhas de design e muitos bugs.

O pior de tudo, no entanto, era a performance. Especialmente no PS4 e no Xbox One, a parte técnica era deplorável e os crashs eram recorrentes. Até no PS5, era comum o jogo travar a cada par de horas. Mesmo sendo um dos jogos mais caros da história e tendo sido adiado três vezes, o jogo precisava de mais tempo de desenvolvimento antes de ser lançado – o que foi informado pelos desenvolvedores e ignorado pela direção.

A comunicação transparente da época de The Witcher 3 deu lugar a táticas sórdidas. Pouco antes do lançamento, em uma reunião com acionistas, a CD Projekt deu falsas declarações de que Cyberpunk 2077 estava rodando bem no PlayStation 4 e no Xbox One – o que o levou a ser processada posteriormente.

Outro ponto foram os reviews. O jogo foi enviado para análise somente alguns dias antes do lançamento – o que é pouco tempo para um jogo do tamanho de Cyberpunk 2077 – e somente na versão de PC. Esse fato começava a indicar problemas. As análises feitas pela imprensa especializada e por produtores de conteúdo servem para que o público saiba o que esperar de um jogo. Um título disponibilizado com bastante antecedência geralmente significa confiança das empresas envolvidas.

A CD Projekt se defende dizendo que tentava melhorar a estabilidade do jogo até o último minuto, mas disponibilizar apenas a versão de PC há poucos dias do lançamento pareceu uma tentativa de mitigar reviews negativos. E deu certo: as análises, apesar de relatarem bugs, foram majoritariamente positivas, já que a performance técnica no PC não era um grande problema.

A confiança construída com o jogador de forma tão sólida nos anos anteriores foi quebrada. Mas, até esse momento, os números pareciam favoráveis. Segundo a própria CD Projekt, o jogo tinha batido a marca de 8 milhões de cópias na pré-venda – o que já era suficiente para cobrir os gastos de desenvolvimento. 

No entanto, não demorou para a maré começar a mudar. Com a crescente reclamação dos fãs, a empresa precisou criar uma força-tarefa para facilitar os pedidos de reembolso: qualquer um que tivesse comprado o jogo poderia ter o dinheiro de volta. Apenas oito dias após o lançamento, a situação era inédita. Cyberpunk 2077 – com todo seu orçamento e visibilidade –  foi retirado da PS Store por não prover condições técnicas para uma experiência razoável no PlayStation.

Mesmo diante dos problemas, o jogo chegou à marca de 13.7 milhões de cópias vendidas em 2020, tendo sido lançado no último mês do ano. No entanto, o impacto dos reembolsos e do lançamento caótico só foi conhecido agora em junho de 2021, quando a empresa divulgou seu relatório financeiro do primeiro trimestre.

A receita da CD Projekt ficou bem abaixo do esperado e Cyberpunk 2077 contribuiu bastante para isso. Se o jogo havia pagado os custos de produção com as pré-vendas, a situação está um pouco diferente agora: os custos de produção continuam avançando já que quase metade da equipe ainda trabalha em atualizações para melhorar a performance do jogo – e no prometido upgrade de próxima geração. Por outro lado, as vendas não parecem estar em ritmo forte. Os números, antes alarmados pela empresa, não foram atualizados, mas há indícios de que o jogo vendeu menos de um milhão de cópias no primeiro trimestre de 2021.

Ter ficado seis meses fora da PlayStation Store foi um fator importante para as vendas baixas, mas agora as coisas podem mudar um pouco de figura. CP2077 voltou à loja digital da Sony em 21 de junho e, em apenas nove dias, foi o jogo mais vendido do mês. Certamente havia uma demanda reprimida e será interessante acompanhar os números dos próximos meses. Ainda assim, parece improvável que CP2077 tenha fôlego para alcançar as 27 milhões de cópias que a CD Projekt esperava vender no primeiro ano.

FUTURO

De The Witcher 3 para Cyberpunk 2077, a CD Projekt foi do céu ao inferno. É como diz o ditado: quanto maior a altura, maior a queda. CP2077 feriu a reputação da empresa, que tenta se recuperar do lançamento trágico e retomar a confiança dos jogadores.

Há esperanças. Em julho de 2021, os poloneses organizaram a primeira WitcherCon, um evento digital para celebrar o universo de The Witcher. A transmissão contou com apresentações musicais emocionantes e painéis com os desenvolvedores contando histórias sobre a criação dos jogos e a evolução da empresa.

A primeira WitcherCon veio para celebrar o universo de The Witcher
A primeira WitcherCon veio para celebrar o universo de The Witcher

Mais do que novidades sobre a segunda temporada da série de The Witcher na Netflix, o evento serviu para renovar o sentimento em relação à CD Projekt e nos lembrar o motivo de a empresa ser colocada em um pedestal em primeiro lugar. É empolgante ver o caminho que a empresa percorreu, estando em um país que não era um centro da indústria dos videogames e hoje sendo uma das maiores empresas do mercado.

E agora, quais os próximos passos que a CD Projekt pretende dar? A prioridade segue sendo consertar Cyberpunk 2077, o que adiou todos os planos para o jogo. Há DLCs gratuitos prometidos e a companhia já havia manifestado a intenção de criar expansões pagas, nos moldes de Hearts of Stone e Blood and Wine para The Witcher 3.

O multiplayer de CP2077, que seria um jogo standalone, pode nem existir. Já havia indícios que o título não chegaria antes de 2023, e agora a empresa está reconsiderando arriscar-se nessa experiência, afirmando que quer manter o seu DNA nos jogos single-player e que dará passos cuidadosos para o mundo online.

Ainda para 2021 está previsto o update de The Witcher 3: Wild Hunt para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC. Vale destacar que se trata de uma atualização gratuita de um jogo lançado em 2015, enquanto a tendência da indústria tem sido cobrar por upgrades para a nova geração. 

Em algum lugar, a “velha” CD Projekt ainda existe. Não é possível esquecer os graves erros da direção em CP2077, mas a criatividade e a paixão dos desenvolvedores ainda existe. Basta aprumar a direção e seguir em frente. E um caminho lógico seria voltar ao universo que os desenvolvedores conhecem como ninguém.

Apostar em outro jogo no universo de Cyberpunk seria arriscado demais neste momento. Acreditar em uma nova franquia deixaria muitos jogadores com o pé atrás. Então, voltar para The Witcher parece ser o melhor caminho. A ideia em The Witcher 3 e suas expansões era aposentar Geralt, mas o bruxo precisa limpar suas espadas e encarar novas batalhas. Ou, por que não, ser o mentor de uma Ciri protagonista. 

Assim como o mundo criado por Andrzej Sapkowski, a CD Projekt não precisa de um herói neste momento, precisa de profissionais. O universo de The Witcher é cheio de personagens, criaturas e rixas políticas – e ainda há muitas histórias a serem contadas.

"O mundo não precisa de um herói, precisa de um profissional", uma das frases usadas para divulgar The Witcher 3
“O mundo não precisa de um herói, precisa de um profissional”, uma das frases usadas para divulgar The Witcher 3

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