Os jogos atuais são inferiores aos antigos ou é apenas nostalgia?
Atual geração de consoles e tendências para o futuro vêm gerando discussões entre a comunidade gamer
Por décadas, os videogames têm sido uma força cultural, tecnológica e emocional, moldando gerações e criando memórias duradouras. No entanto, uma discussão recorrente entre jogadores é se os títulos modernos, com gráficos hiper-realistas e mundos abertos gigantescos, são realmente inferiores aos clássicos de antigamente, cheios de nostalgia.
Este artigo mergulha nessa questão, explorando evidências científicas, tendências da indústria e críticas às gerações recentes de consoles, além de refletir sobre o impacto de microtransações, liberdade criativa, a dependência de atualizações e internet, e o papel crescente da inteligência artificial.
A era de ouro dos jogos: quando jogar era o foco
Houve uma época, entre os anos 1980 e o início dos 2000, em que os videogames pareciam dominar o imaginário coletivo. Consoles como o NES, Sega Genesis e PlayStation original chegavam às casas com jogos completos, prontos para serem explorados sem a necessidade de conexões online ou atualizações.
Era um tempo em que a experiência de jogar era direta: inserir o cartucho ou disco e mergulhar em uma aventura. Essa simplicidade criava uma conexão emocional mais forte com os jogos, já que o foco estava na imersão e na narrativa, não em elementos externos como servidores ou compras adicionais.
Os jogos daquela era também eram produtos de restrições tecnológicas que, paradoxalmente, estimulavam a criatividade. Desenvolvedores como Shigeru Miyamoto e Hideo Kojima precisavam contornar limitações de hardware, resultando no surgimento de mecânicas inovadoras e histórias memoráveis.
Super Metroid (1994), por exemplo, é até hoje celebrado por seu design de níveis intuitivo e pela sensação de descoberta, algo que muitos títulos modernos, com mapas lotados de ícones, parecem ter perdido.
Nostalgia: o filtro dourado da memória
Mas será que esses jogos eram realmente superiores, ou estamos vendo o passado através de lentes cor-de-rosa? A nostalgia, segundo o neurocientista John Aggleton, da Universidade de Cardiff, é um mecanismo cerebral que associa memórias antigas a emoções positivas, amplificando nossa percepção de prazer ao relembrá-las.
Um estudo de 2015 publicado no Journal of Personality and Social Psychology demonstrou que pessoas tendem a idealizar experiências de sua juventude, ignorando falhas ou frustrações – como os gráficos rudimentares ou os controles imprecisos de muitos clássicos.
Assim, quando um jogador dos anos 90 revisita Crash Bandicoot, ele pode não estar julgando apenas o jogo, mas recriando a sensação de maravilha de sua infância.
Essa distorção nostálgica é amplificada pelo contexto social: antigamente, os videogames eram uma novidade cultural, um ponto de encontro para amigos em uma era pré-internet. Hoje, com a saturação de entretenimento digital, eles competem com redes sociais, streaming e outras distrações, diluindo seu impacto único.
Críticas aos consoles modernos: tecnologia de ponta, mas poucos jogos?
As gerações mais recentes de consoles, como o PlayStation 5 e o Xbox Series X, lançados em 2020, prometeram revoluções tecnológicas – tempos de carregamento quase inexistentes, ray tracing e mundos mais realistas. No entanto, cinco anos após seu lançamento, em março de 2025, muitos jogadores criticam a escassez de títulos exclusivos que justifiquem o investimento.
Um levantamento da GameSpot em 2024 mostrou que, enquanto o PS4 teve 15 exclusivos de peso em seus primeiros quatro anos, o PS5 mal ultrapassou a marca de oito até agora, com muitos sendo remakes ou continuações seguras como God of War: Ragnarök.
Analistas apontam que o custo crescente de desenvolvimento – um AAA moderno pode custar mais de 200 milhões de dólares, segundo a Kotaku – faz as empresas priorizarem projetos de baixo risco, sufocando a experimentação. Compare isso com os anos 90, quando jogos como Resident Evil ou Oddworld nasciam de ideias ousadas e equipes menores.
A liberdade criativa do passado parece ter dado lugar a fórmulas testadas, com foco em gráficos impressionantes, mas narrativas muitas vezes genéricas.
Preço e custo-benefício permanecem discutíveis
Outro aspecto que gera críticas é o custo-benefício dos jogos atuais. Em 2025, o preço médio de um lançamento AAA nos EUA é de US$ 70, com edições especiais frequentemente ultrapassando US$ 100, sem contar microtransações ou passes de temporada.
A comunidade reclama que esses valores não refletem a qualidade entregue, especialmente quando jogos chegam incompletos ou repletos de monetização adicional. Mas como isso se compara ao passado?
Nos anos 90, jogos como Super Mario World custavam cerca de US$ 50 no lançamento. Ajustando pela inflação até 2025, isso equivale a aproximadamente US$ 100 hoje, sugerindo que os jogos atuais são, nominalmente, mais baratos.
No entanto, o poder de compra mudou. Nos EUA, o salário mínimo em 1995 era de US$ 4,25 por hora; US$ 50 representavam cerca de 12 horas de trabalho. Em 2025, com o salário mínimo federal em US$ 7,25 (inalterado desde 2009), US$ 70 equivalem a quase 10 horas – menos tempo relativo.
No Brasil, o contraste é mais gritante: em 1995, com um salário mínimo de R$ 100, um jogo importado a R$ 150 (preço comum) exigia 1,5x o salário; hoje, com o mínimo em R$ 1.518 e jogos a R$ 350, são “apenas” 23% do salário. Em termos relativos, jogos estão mais acessíveis.
Ainda assim, as críticas persistem: os US$ 50 de antigamente compravam um jogo completo, enquanto os US$ 70 de hoje muitas vezes entregam uma experiência fragmentada, dependente de gastos extras.
Relatos estimam que o custo real de um título moderno, incluindo DLCs, pode chegar a US$ 120, anulando qualquer percepção de “barateamento” e alimentando a insatisfação com o custo-benefício.
O preço dos jogos está relacionado à nostalgia de maneira indireta, mas significativa, pois influencia a percepção de valor que os jogadores associam às experiências do passado versus as do presente. Essa conexão emerge de fatores econômicos, emocionais e culturais que moldam como os jogadores avaliam os jogos antigos e modernos.
Microtransações e a fragmentação da experiência
Outro ponto de atrito é o modelo de negócios dos jogos atuais. Microtransações, loot boxes e passes de temporada transformaram muitos títulos em plataformas de lucro contínuo.
Um estudo da Universidade de York em 2023 revelou que 68% dos jogadores sentem que esses elementos quebram a imersão e criam uma sensação de exploração financeira, algo inexistente nos jogos antigos, que entregavam conteúdo completo por um preço fixo.
FIFA (agora EA Sports FC) e Call of Duty são exemplos frequentes, onde o sucesso muitas vezes depende de gastos extras, não de habilidade.
Além disso, diferente dos cartuchos e CDs autossuficientes do passado, os jogos modernos frequentemente chegam inacabados, dependendo de patches no “dia um” para funcionar. Cyberpunk 2077 é um caso emblemático: lançado com bugs graves, só se tornou jogável após meses de atualizações.
A necessidade de conexão constante à internet – mesmo em jogos single-player, como Assassin’s Creed Mirage – frustra jogadores em regiões com infraestrutura limitada. Isso contrasta com a robustez dos clássicos, que rodavam sem depender de servidores ou suporte contínuo.
O impacto da IA: revolução ou repetição?
A ascensão da inteligência artificial trouxe uma nova camada à discussão. Nos últimos anos, a IA tem sido usada tanto no desenvolvimento quanto na jogabilidade. Ferramentas como a Unreal Engine integrada a modelos de IA generativa permitem criar assets visuais e animações em tempo recorde, reduzindo custos e acelerando lançamentos.
Jogos como The Last of Us Part II Remastered já utilizam essas ferramentas para melhorar expressões faciais de NPCs, enquanto experimentos indie, como AI Dungeon, exploram narrativas dinâmicas geradas em tempo real.
Por outro lado, críticos argumentam que a IA pode homogeneizar os jogos. Um relatório da Gamasutra de 2015 sugere que o uso excessivo de algoritmos para otimizar mecânicas ou prever preferências dos jogadores resulta em títulos previsíveis, carecendo da “alma” dos clássicos feitos à mão.
Além disso, a IA nos jogos multiplica o potencial das microtransações: sistemas adaptativos analisam padrões de gasto dos jogadores, ajustando preços ou recompensas para maximizar lucros, como visto em Genshin Impact. Isso levanta preocupações éticas sobre manipulação, algo ausente na era pré-IA.
Experimentalmente, a tecnologia também divide opiniões. Testes compararam NPCs controlados por scripts tradicionais (Skyrim) com os de IA avançada (Starfield). Enquanto os últimos reagiam de forma mais realista, muitos jogadores acharam as interações “frias” ou artificiais, preferindo a imprevisibilidade caótica dos roteiros humanos mais simples.
Testes recentes ajudam a esclarecer a questão. Em 2024, a revista Games & Culture publicou um estudo em que 200 participantes jogaram títulos antigos (Sonic 2, Chrono Trigger) e modernos (Elden Ring, Starfield) por uma semana.
Os resultados mostraram que os jogos antigos foram mais elogiados por seu fator replay e simplicidade, enquanto os modernos se destacaram em imersão visual e complexidade.
Curiosamente, os participantes com mais de 30 anos tenderam a favorecer os clássicos, sugerindo que a nostalgia influencia, mas não explica tudo – há méritos objetivos em ambos os lados.
Equilíbrio é tudo?
Os jogos atuais não são intrinsecamente inferiores aos antigos, mas carregam falhas distintas. A tecnologia de ponta e a IA impressionam, mas a falta de títulos inovadores, a dependência de atualizações, o peso das microtransações e a possível perda de identidade criativa corroem a experiência para muitos.
Por outro lado, os clássicos tinham limitações que a nostalgia mascara, como controles arcaicos ou narrativas simples. Talvez o verdadeiro problema esteja na expectativa: os jogadores de hoje, inundados de opções, buscam a magia irrepetível de uma era mais inocente, enquanto a indústria prioriza lucro sobre arte.
Em última análise, a questão não é sobre superioridade absoluta, mas sobre o que valorizamos nos jogos – seja a liberdade criativa do passado, o potencial ilimitado do presente ou o equilíbrio que a IA ainda promete, mas nem sempre entrega.
Nostalgia pode turvar nossa visão, mas também nos lembra do que os videogames já foram capazes de ser: portais para mundos onde o único objetivo era jogar.
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