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GTA V: o incrível fenômeno da Rockstar

Tentando entender o sucesso do segundo jogo mais vendido do mundo

por João Gabriel Nogueira
GTA V: o incrível fenômeno da Rockstar

No meio do mês escrevi um artigo para o Meu PlayStation em que falava sobre a espera aparentemente cada vez maior por novos lançamentos do segmento triplo A de jogos. Como parte do texto citei o sucesso de GTA V e como isso pode impactar na espera pelo GTA 6.

Esse pequeno trecho do texto chamou muito a atenção por causa dos números completamente fora da curva e até mesmo “absurdos” nas vendas de Grand Theft Auto V. Então vale a pena fazer este novo artigo, completamente dedicado a entender um pouco mais sobre o segundo game mais vendido da história.

Aqui vamos recapitular a história de GTA V, falar de seus diversos ports, sobre o sucesso de seu componente online e tentar fazer algumas previsões, quem sabe, para o futuro da série.

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Os números

Se vou ficar falando do sucesso de GTA V neste artigo, é importante começar colocando em dados concretos o que toda essa popularidade significa. Então vamos a alguns dados, começando por um que já trouxe em outro artigo:

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GTA V conquistou em fevereiro deste ano o total de 175 milhões de unidades distribuídas, ao longo de seus quase 10 anos de história. Isso faz o game ser o segundo mais vendido do mundo, ficando atrás apenas de Minecraft, que vendeu 238 milhões.

Mas apenas o número de unidades vendidas não é suficiente para pintar a história de sucesso de um jogo. Também vale mencionar que o game mantém uma média de 92 no site OpenCritic e de 97 no Metacritic para o PS3, onde foi originalmente lançado. E suas boas reviews se refletiram em prêmios.

GTA V foi indicado em nove categorias do BAFTA 2014, das quais venceu três, incluindo melhor jogo britânico. O game também levou três prêmios no Golden Joystick Awards e mais dois na GDC. O “falecido” Spike Video Game Awards também concedeu três honrarias ao jogo, o que inclui o famoso GOTY. 

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E o sucesso do título também tem sido constante entre os streamers e criadores de conteúdo. De acordo com a Forbes, em 2022, com nove anos de idade, GTA V ainda foi o game com mais horas assistidas em plataformas de streaming ao redor do mundo:

  1. Grand Theft Auto V (1,82 bilhões)
  2. League of Legends (1,77 bilhões)
  3. Valorant (1,3 bilhões)
  4. Apex Legends (845,3 milhões)
  5. Minecraft (795,4 milhões)
  6. Counter-Strike: Global Offensive (768,5 milhões)
  7. Fortnite (738,5 milhões)
  8. Dota 2 (653,5 milhões)
  9. Mobile Legends: Bang Bang (572,8 milhões)
  10. Call of Duty: Warzone (559,3 milhões)

A título de curiosidade: no exato momento em que estou escrevendo este artigo, GTA V é o terceiro jogo sendo mais assistido no YouTube, na frente de Minecraft e atrás somente de novidades: Overwatch 2 e Star Wars Jedi: Survivor. Na Steam, o game é o sétimo entre os mais jogados.

A história do GTA V

GTA V nunca foi um “azarão” – um game inesperado que conquista o coração do público de surpresa. Na verdade, tratava-se de um novo lançamento em uma das franquias mais rentáveis do mundo, que já contava com mais de dez títulos lançados antes dele. A Rockstar apostou pesado no sucesso do game que seria lançado em 2013. E quando digo “pesado”, quero dizer pesado mesmo.

Estima-se que GTA V foi o game mais caro já feito na época de seu lançamento. Infelizmente não temos números oficiais, mas as especulações de profissionais da área chegaram a uma estimativa de aproximadamente US$ 265 milhões para o desenvolvimento e marketing do jogo.

Em comparação, o segundo jogo mais caro até aquele momento foi Star Wars: The Old Republic, com um investimento de US$ 200 milhões. GTA 4, em comparação, teria custado US$ 100 milhões.

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Para se ter uma noção melhor ainda do absurdo desse número, o primeiro Avatar chamou demais a atenção pelo seu imenso custo de produção, sendo que precisou de US$ 237 milhões para ser feito. Hoje, 10 anos depois, o único game que bate GTA V com números oficiais é Cyberpunk 2077, que custou um total de US$ 316 milhões em sua produção.

Vale enfatizar que o custo de desenvolvimento de GTA V é uma estimativa, não é oficial. Mas, mesmo considerando uma margem de erro, ainda estaríamos falando de um valor recordista de investimento, principalmente em marketing, o que demonstra o retorno esperado pela produtora do game.

A história nos mostra que muito investimento ajuda a vender, com certeza. É possível contratar diversos desenvolvedores e trabalhar profundamente na apresentação do jogo, além da quantidade de marketing que sempre resulta em mais vendas. Mas nem todo dinheiro do mundo faria um jogo objetivamente ruim se tornar o fenômeno que GTA V se tornou. O imenso valor dedicado ao game deve ser gasto com sabedoria, e é aí que entra a larga experiência da Rockstar e seu time.

Andy Semple, um dos diretores da Rockstar North, e Leslie Benzies, presidente da companhia, acompanharam o pessoal da MCV UK em um tour pelo estúdio na época do lançamento do game, e falaram bastante sobre o processo de desenvolvimento. Algumas de suas declarações nos ajudam a entender a cultura da produtora que provavelmente ajudou a transformar GTA V numa realidade.

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Os executivos falam da quantidade de pessoas trabalhando no jogo – reflexo de seu enorme investimento – e da preferência da Rockstar em fazer sua equipe trabalhar em todos os jogos que saem pela produtora. Assim, o know-how está em constante evolução, passando de um título para o próximo:

É assim que a gente trabalha – todo mundo trabalha no GTA, ou Red Dead, e por aí vai, e depois nos movemos para a próxima coisa”, disse Benzies. “Agora que são necessárias mil pessoas para fazer um jogo, isso é um requisito. Mas nós não queremos mil pessoas num lugar só.

Neste momento, o entrevistador interrompe e pergunta: “São mil pessoas fazendo GTA V?” ao que Benzies responde: “São provavelmente mais, muito mais”.

A experiência dos funcionários trabalhando em diferentes jogos também se refletiu na maneira que a Rockstar conseguiu extrair muito mais dos consoles da época para o GTA V. A produtora fez sua estreia no PS3 com GTA 4, e a continuação ficou bem mais avançada em sua técnica e gráficos do que o jogo anterior. Isso foi comentado numa entrevista ao BuzzFeed News:

“Grand Theft Auto 4 foi nosso primeiro grande salto nos consoles da geração atual (de 2013). Nós tínhamos muito a aprender em todos os aspectos, não apenas tecnicamente, mas artisticamente e até em termos de produção (…) Esse primeiro salto foi muito difícil. Desde então, no entanto, nós tivemos muito mais experiência. Estamos confortáveis em construir assets neste nível de detalhe e nossos criadores de códigos estão confortáveis com as máquinas. Nós os levamos bem, bem mais longe do que antes”, disse Aaron Garbut, diretor de arte para a Rockstar North na época.

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Através de tanto investimento e talento, o sucesso de GTA V era uma aposta fácil em seu lançamento. Mas ainda falta entendermos porque o jogo seguiu vendendo tanto ano após ano, até se aproximando de seu décimo aniversário.

De port em port

A Rockstar se mostrou imensamente estratégica em sua política de ports para GTA V, a começar pela chegada “entre gerações” do game.

Grand Theft Auto V foi lançado em setembro de 2013, e o PS4 chegou meses depois, em novembro do mesmo ano. Você pode apostar todas as suas economias que a produtora não só tinha dev-kits do novo console em mãos, como também deveria já estar trabalhando no port do game para a nova geração antes mesmo do seu lançamento no PS3.

Uma jogada interessante da Rockstar neste caso é a decisão de segurar a versão do game no PC para a nova geração também. Com o nível técnico que os devs conseguiram alcançar nos consoles da época, certamente o jogo rodaria com tranquilidade no computador, mas a empresa deliberadamente decidiu esperar.

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Assim, a produtora pôde focar toda sua força de trabalho nos dois consoles do momento para depois trabalhar com calma e aproveitar toda a potência da geração do PS4 para criar uma versão de qualidade parecida também no computador. Mas, ainda assim, os consoles foram prioridade para a Rockstar. GTA V chegou ao novo videogame da Sony em novembro de 2014 e foi parar no PC apenas em abril de 2015.

Uma jogada correta da empresa foi garantir que a cada nova versão do GTA V eram entregues mais recursos e mais qualidade – não apenas gráficos visivelmente melhores. Na nova geração de consoles ficou possível jogar em primeira pessoa, enquanto no PC os jogadores poderiam levar as configurações gráficas ao limite, como de costume na plataforma.

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O que podemos especular aqui, entretanto, é que talvez levar GTA V para ainda mais uma geração, no PS5, provavelmente não estava nos planos iniciais da Rockstar. O sucesso e longevidade do game podem ter surpreendido até seus criadores, que quiseram aproveitar pra espremer um pouquinho mais de frutos dessa árvore de dinheiro.

Só que essa “esticada extra” já não foi tão bem recebida pelos jogadores. Justamente o que mais deu certo entre os ports – entregar saltos visíveis de qualidade e novidades no game – parece não ter sido igual à mudança de geração anterior e insuficiente para agradar os jogadores numa segunda transição de gerações. E isso somado ao fato de que a maioria dos fãs mais apaixonados pela série a essa altura querem muito um GTA 6, não um novo port.

Mas, por mais que tenham sido muitas as reclamações na internet, o sucesso de GTA V mais uma vez superou a lógica e o game ainda vendeu muito bem em sua vida extra na geração atual.

De port em port, a Rockstar garantiu ainda mais um motivo para a incrível longevidade do título mais vendido de seu portfólio. E muitas dessas vendas não foram para novos jogadores, com muitas pessoas comprando o game de novo e de novo a cada versão mais recente. É por isso que vamos analisar uma grande razão para os fãs continuarem jogando no próximo trecho do artigo.

GTA Online e o GTA RPG

Não é segredo pra ninguém que a grande longevidade de GTA V pode ser atribuída, principalmente, ao GTA Online. O componente multiplayer do game marcou a primeira vez que um jogo da série ofereceu um universo expansivo, com novo conteúdo chegando mês após mês – o famoso formato do jogo como serviço (GaaS).

E aqui existe outro ponto de mérito muito importante para a Rockstar. Como mostra o artigo linkado acima, emplacar um jogo como serviço de sucesso é algo que todas as produtoras querem, mas raramente conseguem. Temos muito mais histórias de fracasso do que grandes conquistas e é muito interessante que GTA tenha se saído tão bem logo de cara.

É claro que poucos jogos chegam perto do nível de investimento que GTA V teve em seu desenvolvimento, e a longa expectativa de fãs da série por um multiplayer propriamente dito no universo também ajudou demais em seu sucesso. Ainda assim, o sucesso conquistado pelo GTA Online é digno de elogios.

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A chegada quase constante de novo conteúdo, que inclui não apenas itens cosméticos, veículos e armas, mas também até modos completos de jogo, seria suficiente para manter os jogadores voltando a GTA Online por uns bons anos, mas existe outro componente de popularidade que está muito envolvido nos games modernos: os criadores de conteúdo e o famoso gameplay online.

É criada uma espécie de ciclo vantajoso quando um jogo emplaca sucesso entre os streamers. O jogo é famoso, o que incentiva a criação de conteúdo, e os novos vídeos postados online ajudam a manter o jogo em alta.

GTA Online conseguiu ir além nesse quesito e, tal qual Minecraft – o jogo mais vendido do mundo – conseguiu entrar no mundo do famoso RP (roleplay).

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O GTA RP, pra quem não sabe, envolve criadores de conteúdo aproveitando o modo Online do jogo não para realizar as missões e jogar de modo “tradicional”, mas sim para criar histórias. É quase como as antigas brincadeiras com bonequinhos, mas virtualmente e às vezes com temas mais maduros. Em grande parte é necessário o uso de um mod para jogar.

Esse formato de criação de conteúdo é grande parte do que permitiu o game continuar tão popular por tantos anos. 

GTA 6 vai fazer igual?

Sinceramente não sou um grande fã do exercício da futurologia, mas parece que ficaria faltando alguma coisa se eu concluísse este artigo sem falar de GTA 6. Então vamos arriscar algumas previsões sobre o próximo grande lançamento da Rockstar.

Conforme mencionado no artigo sobre a espera por novos jogos, acredito que grande parte da demora por um novo GTA tem muito a ver com a produtora aproveitando o sucesso do game atual, que ainda vende como água, mesmo com quase dez anos. Mas as coisas raramente acontecem por um único motivo, e aqui cabe especular um pouco mais sobre esse tempo de desenvolvimento do GTA 6.

Em primeiro lugar, o sucesso esmagador de GTA V deve garantir um orçamento considerável para sua continuação. Bem sabemos que dinheiro não é sinônimo de qualidade, mas a Rockstar já provou vez após vez que tem muita experiência em transformar investimentos gigantes em ótimos jogos. Não tenho motivos para acreditar que será diferente com GTA 6.

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Outro lado da popularidade incrível do GTA atual é que ela gera naturalmente um marketing poderoso para o seu sucessor. Colocando em perspectiva: se apenas 25% dos jogadores atuais de GTA comprarem o novo game em seu ano de lançamento, GTA 6 já vai vender mais do que as 40 milhões de unidades conquistadas pelo GTA V em seus primeiros doze meses.

Esses fatores sozinhos me levam a apostar muito no sucesso do lançamento de GTA 6. É fácil prever que o game deve ficar entre os mais vendidos do ano em que chegar se ele não tiver problemas ou imprevistos.

A grande questão é se o novo jogo terá o mesmo sucesso contínuo que GTA V conquistou, essa é a previsão mais complicada. É completamente fora da curva um jogo fazer tanto sucesso ao longo de tantos anos, será que a Rockstar consegue repetir a dose? Acredito que isso esteja impactando um pouco no tempo de desenvolvimento de GTA 6 também.

É interessante entender que parte do sucesso de GTA V foi possibilitado porque o game chegou num momento em que não existia nada igual. E até hoje realmente não existe um game do estilo com a mesma qualidade e ambição. O salto técnico em relação aos jogos da época e em relação ao game anterior inseriu GTA V num espaço completamente novo, ocupado somente por ele. Até quem não é tão fã do jogo ou nunca chegou a completá-lo sente a necessidade de ter o GTA V, nem que seja só pra “brincar de vez em quando”.

Quando GTA 6 chegar, no entanto, ele terá um concorrente um pouco mais próximo: GTA V.

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É de se imaginar que a Rockstar está demorando tanto não só para fazer o GTA 6, mas também para mostrar o game, porque a produtora deve estar buscando um novo salto técnico e de qualidade, que provavelmente deve ser mais difícil do que antes para conseguir. Conforme comentado no artigo sobre as gerações dos consoles, fica cada vez mais difícil conseguir essas diferenças gritantes a cada novo jogo.

Se GTA 6 não conseguir algo tão impressionante que insere o game num segmento próprio – como GTA V fez – é possível que ele não tenha o mesmo nível de sucesso e número de vendas do que o jogo anterior.

Claro que isso não quer dizer que o jogo seria um fracasso, não consigo imaginar uma realidade em que GTA 6 seria um flop, apenas talvez não chegar ao nível de “fenômeno incrível” que o seu antecessor conquistou.