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Fim da Monolith enterra história de estúdio que merecia muito mais

Estúdio fechado pela WB Games deixou legado que deve ser lembrado por muitos anos

por André Custodio
Fim da Monolith enterra história de estúdio que merecia muito mais

Em 25 de fevereiro, a WB Games anunciou o fechamento da Monolith Productions, em uma decisão que apagou as luzes de um dos estúdios mais criativos da empresa. A notícia pegou os fãs de surpresa e gerou novas discussões da comunidade, que tentou especular os reais motivos por trás da despedida.

Junto com o fim do estúdio, veio o cancelamento do aguardado jogo da Mulher-Maravilha, projeto que prometia explorar o universo de Diana Prince com a mesma ambição que marcou os trabalhos anteriores da equipe. A notícia, revelada inicialmente por Jason Schreier, da Bloomberg, encerra uma trajetória de quase três décadas que deixou marcas profundas no mercado.

A Monolith, responsável por franquias icônicas e pela criação do revolucionário Nemesis System, sai de cena em um momento de reestruturação drástica da Warner, mas sua história clama por um reconhecimento que o destino, ao que parece, resolveu negar.

O fechamento e as razões por trás da decisão

A Warner justificou o fechamento da Monolith como parte de uma estratégia para “estruturar os estúdios de desenvolvimento e investimentos em torno da construção dos melhores jogos possíveis com nossas principais franquias”, conforme declarou em comunicado ao Kotaku.

O foco agora será em Harry Potter, Mortal Kombat, DC e Game of Thrones, áreas que a empresa enxerga como mais lucrativas e estáveis. A Monolith, ao lado da Player First Games, de MultiVersus, e da WB San Diego, caiu na guilhotina dessa reformulação, mesmo com o game da Mulher-Maravilha já estando há anos em desenvolvimento e ter custado cerca de US$ 100 milhões.

Por trás da decisão, pesa o desempenho financeiro recente da editora. Títulos como MultiVersus, Esquadrão Suicida: Mate a Liga da Justiça e Harry Potter: Campeões do Quadribol não alcançaram as expectativas, resultando em perdas estimadas em US$ 300 milhões de dólares no último ano, segundo Schreier.

mulher maravilha
Fonte: Monolith

Gotham Knights e até Mortal Kombat 1, apesar de seus sucessos relativos, também ficaram aquém do que a empresa esperava. Nesse cenário, a Monolith, que não lançava um jogo desde Terra-Média: Sombras da Guerra em 2017, tornou-se um alvo prioritário. E a produção conturbada de Mulher-Maravilha, com reinícios, trocas de diretores e falta de progresso visível, foi a pá de cal.

A Warner optou por concentrar recursos em apostas mais seguras, sacrificando um estúdio que, ironicamente, já provou ser capaz de entregar inovação e qualidade em um passado não muito distante.

Polêmicas que mancharam a reputação

Nos últimos anos, a Monolith não escapou de controvérsias que, embora não tenham destruído seu legado, lançaram dúvidas sobre sua operação. O maior escândalo veio com o lançamento de Terra-Média: Sombras da Guerra.

Sequência de Sombras de Mordor, amplamente elogiado por sua jogabilidade e pelo impressionante Nemesis System, enfrentou críticas por incluir microtransações agressivas. Caixas de loot, que ofereciam vantagens em progressão e recrutamento de inimigos, frustraram por bastante tempo, sendo apontadas como uma interferência direta na experiência de jogo.

Na época, a reação foi tão negativa que a editora decidiu remover o mercado in-game meses após o lançamento, mas o dano à imagem já estava feito.

Terra-Média: Sombras da Guerra
Fonte: Monolith

Outra polêmica surgiu em 2021, quando a Warner conseguiu patentear o Nemesis System. O movimento também gerou revolta entre desenvolvedores independentes e veteranos da indústria, pois a patente, válida até 2036, limitou o uso de ideias interessantes de jogabilidade por outros estúdios.

Profissionais como Cat Manning, da Riot Games, classificaram a ação como “nojenta”, argumentando que ela aprisionava uma inovação que poderia evoluir em outras mãos. A Monolith, que apenas desenvolveu o sistema, acabou associada ao desgaste dessa decisão corporativa, o que reforçou a percepção de que a Warner priorizava lucros sobre a criatividade de um dos seus principais setores.

Além disso, o silêncio prolongado do estúdio após Sombras da Guerra alimentou especulações e desconfianças. Rumores apontavam para projetos ambiciosos, como uma nova IP de ficção científica ou adaptações de Blade Runner e Duna, mas nada se concretizou.

A saída de diretores importantes, como Kevin Stephens, para a Electronic Arts em 2021, sugeriu instabilidades internas. Esses episódios, somados à fusão da WarnerMedia com a Discovery, pintaram um quadro de um estúdio talentoso preso em um limbo corporativo e totalmente incapaz de retomar à sua era de ouro.

Legado de grandes jogos e franquias

Apesar das turbulências, a Monolith Productions construiu um portfólio que poucos estúdios conseguem igualar. Fundada em 1994 em Kirkland, Washington, a equipe começou chamando atenção com títulos como Blood e No One Lives Forever, que misturavam narrativa e ação com irreverência.

Seu verdadeiro salto veio anos depois, com F.E.A.R. Lançado em 2005, o jogo de tiro em primeira pessoa chamou a atenção por introduzir uma inteligência artificial avançada e atmosfera de terror psicológico, tornando-se um marco da geração e influenciando até hoje o gênero de ação com suspense.

Nesse mesmo ano, Condemned: Criminal Origins marcou a estreia da Monolith Productions no Xbox 360 e consolidou sua fama por criar atmosferas densas e perturbadoras.

Condemned: Criminal Origins
Fonte: Reprodução

No jogo, o jogador assume o papel de Ethan Thomas, um agente do FBI que investiga crimes brutais em uma cidade decadente e deve enfrentar inimigos insanos com armas improvisadas em combates viscerais. Com uma mistura de terror psicológico e mecânicas de investigação, Condemned se destacou pela ambientação sombria e pela tensão constante ao melhor estilo suspense noir.

Apesar de sua sequência, Condemned 2: Bloodshot, ter dividido opiniões em 2008, o original se tornou um clássico cult subestimado que reflete o talento da Monolith para explorar o lado mais obscuro e brutal da experiência humana.

O auge, no entanto, chegou com a série Terra-Média. Em 2014, Terra Média: Sombras de Mordor surpreendeu o mundo ao trazer uma visão fresca do universo de Tolkien. O jogo combinava combate fluido, inspirado em Batman: Arkham, com uma narrativa original centrada em Talion e Celebrimbor.

Terra Média: Sombras de Mordor
Fonte: Monolith

Sombras da Guerra, de 2017, expandiu essa fórmula, aprofundando a exploração de mundo aberto e entregando batalhas épicas. Apesar das críticas às microtransações, ambos os títulos venderam milhões de cópias e conquistaram uma base fiel de fãs, provando que a Monolith sabia criar experiências memoráveis a partir de franquias consagradas.

Outros feitos incluem o desenvolvimento do motor gráfico LithTech, que deu vida a muitos de seus jogos, e colaborações em projetos como Hogwarts Legacy e Mortal Kombat 1. A Monolith não apenas entregava jogos; ela moldava tendências e mostrava como a tecnologia podia enriquecer histórias e interações.

O Nemesis System e a revolução no mercado

Nenhum feito da Monolith brilha tanto quanto o Nemesis System, introduzido em Sombras de Mordor. Essa mecânica transformou inimigos genéricos em personagens únicos, com personalidades, memórias e rivalidades que evoluíam conforme o jogador interagia com eles.

Um orc derrotado podia voltar mais forte, com cicatrizes e um discurso de vingança, enquanto outro poderia trair aliados por medo ou ambição. O resultado era um mundo vivo, imprevisível, que reagia às ações do jogador de forma orgânica.

O impacto do Nemesis System ressoou pela indústria. Desenvolvedores como Ken Levine, criador de BioShock, elogiaram sua capacidade de criar narrativas emergentes, enquanto jogadores viam nele um olhar para o futuro dos jogos de mundo aberto.

Terra Média: Sombras de Mordor
Fonte: Reprodução

A mecânica inspirou tentativas semelhantes em outros títulos, embora a patente da Warner tenha freado sua adoção em larga escala. Mesmo assim, o sistema permanece um testemunho do potencial da Monolith para inovar, elevando o padrão de como os jogos podem simular vida e profundidade.

Um fim que não faz justiça

O fechamento da Monolith Productions não reflete seu valor histórico ou criativo. Em um mercado saturado de sequências previsíveis e fórmulas recicladas, o estúdio se destacava por arriscar, por transformar ideias em sistemas que desafiavam convenções.

Seus jogos marcaram gerações — de adolescentes assustados com F.E.A.R. a adultos fascinados pela Terra-Média interativa de Sombras de Mordor. A decisão da Warner, movida por números e estratégias de reformulação, enterra uma equipe que merecia mais: mais tempo, mais liberdade, mais chances de mostrar ao mundo o que ainda podia criar.

O jogo da Mulher-Maravilha, que prometia aplicar o Nemesis System ao universo de Themyscira, poderia ter sido a redenção da Monolith e um retorno triunfal após uns bons anos de silêncio. Em vez disso, torna-se um símbolo do que foi perdido.

A desenvolvedora sai de cena, mas suas conquistas — e o vazio que deixa — garantem que seu nome ecoe por anos entre aqueles que entendem o que ela representou.

Qual sua opinião sobre o fim do estúdio? Ele fará falta? Comente!