Quanto custa desenvolver um jogo?
Aumento significativo nos custos de jogos vem revelando tendência quase irreversível no mercado
A indústria dos videogames, que movimenta bilhões de dólares anualmente, está em um momento de inflexão.
Os custos de desenvolvimento de jogos, especialmente os títulos AAA — produções de alto orçamento comparáveis a blockbusters de Hollywood —, atingiram patamares astronômicos, enquanto o mercado enfrenta demissões em massa, aumento nos preços dos games e uma crescente dependência de tecnologias como a inteligência artificial.
De um lado, temos casos como Assassin’s Creed Shadows, com especulações de custos na casa dos 400 milhões de dólares, e o fracasso comercial de Concord, que teria consumido uma fortuna similar. Do outro, a ascensão de jogos indie e o uso de IA prometem revolucionar o processo produtivo.
Mas afinal, quanto custa desenvolver um jogo hoje? E por que esses valores estão gerando tanta controvérsia?
A escalada dos custos nos jogos AAA
Nos últimos 20 anos, os orçamentos dos jogos AAA explodiram. Em 2005, Grand Theft Auto IV foi considerado um marco com seus 100 milhões de dólares de custo. Hoje, esse valor parece modesto.
Um relatório da Autoridade de Concorrência e Mercados (CMA) do Reino Unido, publicado em 2023, revelou que os orçamentos de títulos AAA variam entre 200 e 300 milhões de dólares, com exceções ultrapassando 1 bilhão quando incluídos os custos de marketing.
O caso de Assassin’s Creed Shadows exemplifica essa tendência. Rumores apontam que o jogo envolveu mais de 3 mil profissionais em 16 estúdios globais, resultando em créditos com mais de duas horas de duração.

Estimativas não oficiais, amplamente discutidas em fóruns online, sugerem que o custo do jogo pode ter chegado a 250-350 milhões de dólares sem marketing, ou até US$ 400 milhões com ele. Para se pagar, um jogo desse porte precisaria vender cerca de 7 milhões de cópias a 70 dólares cada, um desafio em um mercado cada vez mais saturado.
Outro exemplo é Concord, shooter da Firewalk Studios lançado em 2024. Apesar de especulações apontarem um orçamento de 400 milhões de dólares — número não confirmado oficialmente —, o jogo foi um fiasco comercial, encerrado apenas duas semanas após o lançamento. A Sony, dona do estúdio, não divulgou cifras exatas, mas o caso reacendeu o debate sobre a sustentabilidade do modelo.
Quanto custa desenvolver um jogo?
Desenvolver um jogo AAA é um processo complexo que pode levar de 4 a 7 anos e envolve centenas — às vezes milhares — de profissionais. Entenda as principais etapas e seus custos aproximados:
Pré-produção (5-10% do orçamento)
Aqui, o conceito do jogo é criado: roteiro, design de personagens, protótipos e planejamento. Para um AAA, isso pode custar de 10 a 30 milhões de dólares, dependendo da escala. Horizon Forbidden West, por exemplo, gastou anos nesta fase antes de entrar em produção plena, com um custo total de US$ 212 milhões.
Produção (60-70% do orçamento)
A maior fatia vai para o desenvolvimento: programação, arte, animação, captura de movimento, dublagem e testes. Salários são o principal gasto. Em Los Angeles, um desenvolvedor ganha, em média, 15 a 20 mil dólares por mês, segundo Jason Schreier, do Bloomberg.
Um estúdio com 300 pessoas, como os da Ubisoft, pode gastar 72 milhões de dólares por ano só em folha de pagamento. Para Marvel’s Spider-Man 2, da Insomniac Games, o custo total foi de US$ 315 milhões, com grande parte destinada a essa etapa.
Marketing e distribuição (20-30% do orçamento)
Campanhas globais, trailers cinematográficos e parcerias consomem milhões. Red Dead Redemption 2 teria investido até US$ 300 milhões em marketing, elevando seu custo total para cerca de US$ 540 milhões.

Pós-lançamento
Atualizações, correções de bugs e conteúdo adicional também demandam recursos. Cyberpunk 2077, que custou US$ 174 milhões em desenvolvimento e 142 milhões de dólares em marketing, gastou mais dezenas de milhões pós-lançamento para reparar sua reputação.
Somando tudo, um AAA médio hoje custa entre 200 e 300 milhões de dólares, mas os gigantes da indústria frequentemente extrapolam essa marca. A pressão por gráficos fotorrealistas, mundos abertos imensos e narrativas cinematográficas impulsiona esses números, mas também aumenta o risco de fracasso.
Jogos indies como uma alternativa viável
Enquanto os jogos AAA dominam os holofotes, os games indies seguem o caminho contrário. Produções menores, com equipes de 1 a 50 pessoas, têm custos drasticamente inferiores, variando de 10 mil a 5 milhões de dólares.
Stardew Valley, criado sozinho por Eric Barone, custou menos de 50 mil dólares e já vendeu mais de 41 milhões de cópias. Hollow Knight, desenvolvido por uma equipe de três pessoas com cerca de 40 mil dólares (via financiamento coletivo), arrecadou milhões e se tornou um clássico.

O processo indie é mais enxuto:
Pré-produção: Feita por poucos, muitas vezes sem salário inicial, custa milhares, não milhões.
Produção: Uso de engines acessíveis como Unity ou Unreal reduz custos. Um indie médio leva 1-3 anos e pode custar de 100 mil a 1 milhão.
Marketing: Focado em redes sociais e boca a boca, raramente ultrapassa 10-20% do orçamento.
Mesmo assim, o sucesso não é garantido. Para cada Minecraft (custo inicial quase nulo, lucro de bilhões), há milhares de indies que não recuperam o investimento. Ainda assim, o modelo atrai por sua flexibilidade e menor risco financeiro.
Polêmicas e crises intermináveis — e cada vez mais frequentes
A escala de Assassin’s Creed Shadows gerou controvérsia antes mesmo de seu lançamento. Os créditos de duas horas, envolvendo 16 estúdios, foram criticados como símbolo de um modelo “insustentável”. Enquanto isso, boatos sugerem que o adiamento mais recente teria custado 20 milhões de euros adicionais.
Concord, por sua vez, é um alerta. Lançado em agosto de 2024 por 40 dólares, o jogo foi um fracasso retumbante, com pico de apenas 697 jogadores simultâneos no Steam. Seu suposto custo de US$ 400 milhões — embora não confirmado — sugere uma aposta arriscada da Sony em um mercado saturado de shooters.
O fechamento do estúdio Firewalk em outubro de 2024 e as demissões associadas reforçam a percepção de crise.
Com custos em alta, as empresas têm repassado parte do ônus aos consumidores. Desde 2020, o preço padrão de jogos AAA subiu de 60 para 70 dólares, com alguns, como NBA 2K21, justificando o aumento por “qualidade premium”.

A Capcom, em seu relatório financeiro de fevereiro de 2025, alertou que os custos continuarão subindo devido à demanda por tecnologia avançada, sugerindo novos aumentos no horizonte.
Paralelamente, a indústria enfrenta uma onda de demissões. Em 2023 e 2024, mais de 19 mil profissionais perderam seus empregos, segundo o VideoGameLayoffs.com. Só em janeiro de 2024, a Microsoft cortou 1,9 mil da Activision Blizzard, a Riot Games dispensou 530, e a Unity demitiu 1,8 mil.
O Embracer Group, após expandir agressivamente, demitiu 4,5 mil desde 2023 e vendeu ativos como a Saber Interactive. O aumento das taxas de juros e a queda no capital de risco, exceto para IA, são apontados como culpados.
Falando em IA, a tecnologia está transformando o desenvolvimento de jogos. Ferramentas como MidJourney (para arte) e ChatGPT (para roteiros) já são usadas por indies, reduzindo custos e prazos.
Um relatório da Statista prevê que a IA generativa no setor crescerá 12% ao ano até 2027, movimentando bilhões. Grandes estúdios, como a Capcom, também investem em IA para otimizar processos, como animação e testes.
Porém, ela traz dilemas. Enquanto corta custos, pode substituir empregos, especialmente em áreas como design e QA (controle de qualidade). Para indies, é uma bênção; para os jogos AAA, uma ferramenta ainda em teste.
Um mercado em mudança
A linha do tempo dos custos reflete a evolução da indústria. Nos anos 2000, jogos como Final Fantasy VII marcavam o início da escalada, com seus US$ 40 milhões a US$ 45 milhões nas cifras investidas. Na década de 2010, esses números saltaram para US$ 265 milhões, com GTA V — e hoje, alguns casos apontam a casa dos bilhões de dólares.
Hoje, o setor busca equilíbrio. Os jogos AAA precisam de sucessos garantidos ou correm o risco de colapsar sob seu próprio peso. Os games indies, com agilidade e IA, ganham espaço. Para os jogadores, o preço dos jogos sobe, mas opções baratas — ou gratuitas, com microtransações — surgem a todo vapor.
O verdadeiro custo, porém, está na incerteza: em um mercado volátil, nem todo investimento garante retorno. A indústria dos games, como nunca antes, está jogando com fogo — e o próximo grande lançamento pode ser a faísca que redefine tudo.