Quando os games fogem do clichê
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Quando os games fogem do clichê

Qual foi o último game diferentão que você jogou?

por Dan Schettini

Qual foi o último jogo que você terminou e pensou “Eu nunca vi nada parecido com isso antes”?

Difícil, né?

Como tudo na vida, a busca pela sensação de primeira vez se replica também nos videogames. Quando jogamos um game que nos impacta, em alguma camada, sentimos que ele nos marcou e a vontade de rejogá-lo ou buscar aquela mesma sensação, quase que incessantemente, em outros títulos, acaba sendo inevitável.

E é aqui que mora o “problema” dos clichês: quando somos impactados por uma obra específica, esse impacto não se restringe aos jogadores apenas. O “dano” vai direto na indústria, que acaba fazendo o mesmo que nosso inconsciente, indo em busca de experiências que se aproximem dos sucessos anteriores. É deste sentimento que surgem as tendências e o que antes era uma experiência única, agora é uma constante, que nem sempre funciona da mesma forma que o original – quase nunca, na verdade.

E daí o “isso é muito Dark Souls” ou “inspirado por Breath of The Wild” acaba sendo encontrado a cada esquina que viramos (ou a cada review que lemos).

Não tem para onde correr, meu chapa.

Mas em meio aos atalhos formulaicos da indústria esbarramos, por vezes, em algumas obras capazes de sair do caminho fácil. Obras estas que vem de estúdios que conseguem observar através do prisma, compreendendo o que é feito a sua volta e aprendendo a reinventar o óbvio, mixando mecânicas, ideias e sendo capazes de por seu DNA, para que o resultado seja algo genuíno.

E quando isso acontece a gente bate palma – não bate? Essa sensação deveria ser comum, mas nem todo jogador procura a inovação, simplesmente por não saber onde ou como procurar. Há momentos em que precisamos que o novo bata à nossa porta. E é aí que clicamos a ideia de que jogar o mesmo Assassin ‘s Creed de 6 anos atrás, mas com uma skin diferente, pode ser que canse (e cansa). Mas a batida na porta vem. Pode confiar.

Este ano tive algumas surpresas que posso considerar uma “batida de porta”. Na primeira metade enfrentei a escuridão e o desconhecido de Returnal. O game da Housemarque, exclusivo do PlayStation 5, que abusa e usa do poderio gráfico do console e trás em sua bandeja uma gama de possibilidades surpreendentes. O título parece um eco do sucesso de Hades, game indie que roubou a cena nas premiações do ano passado. Isso porque, tal como Hades, Returnal trás o looping de vida ou morte do gênero Roguelike.

“E o que isso tem de novo?”, você me pergunta.

Returnal foi o primeiro game AAA (jogos de alto orçamento) a utilizar as mecânicas roguelike de forma ampla. O estilo, que sempre marcou presença no cenário independente, com jogos como Dead Cells, Spelunky e Darkest Dungeon, mas nunca teve uma entrada tão forte em um título do tamanho de um exclusivo do PlayStation. E, utilizando a ideia da vida ou morte, a Housemarque expandiu a dinâmica do looping, mesclando-a a narrativa e criando um ciclo vicioso de tentativas agonizantes, em um universo assombroso (com fortes inspirações de Alien e Metroid Prime), repleto de partículas e inimigos indomáveis, que a cada run estarão prontos para te jogar do começo e te tirar do sério. E o “jogar do começo” não é penoso, visto que o elemento procedural (mecânica em que, a cada reinício pós-morte, as fases se embaralham, com inimigos, itens e áreas diferentes), uma das características marcantes que ajuda a classificar um game como roguelike, só reforça o desejo de sempre ir adiante e tentar de novo, sem saber ao certo o que o caminho nos reserva.

Darkest Dungeon
Darkest Dungeon (2016)

Apesar do mérito em se arriscar, Returnal não agradou a todo mundo e nem explodiu em popularidade. Muito se deve a dificuldade de se ter um PS5 em plena crise de semicondutores, além de vivermos um colapso financeiro, desencadeado pela pandemia da COVID-19, que afeta o mundo – e o Brasil, principalmente, país com alto nível de desigualdade social e com uma moeda que passa por momentos de grande desvalorização e instabilidade. Outro fator pode-se colocar na conta do marketing do jogo, que passou longe de ser bombardeado pela Sony, como já vimos em outros títulos Triple-A mais badalados. Mas, não muito distante da realidade, também podemos associar um pouco da “culpa” ao simples fato de Returnal ser, simplesmente, diferentão.

Pois é. Nem sempre quem bate à porta é quem vai nos seduzir de primeira. Mas, do ponto de vista de quem olha para uma indústria que precisa estar em movimento, é fácil afirmar que um título como Returnal é necessário. A coragem é necessária.

Já na segunda metade de 2021, fazendo aqui uma permissiva viagem temporal, pude mergulhar em outro game que reforça o pressentimento de que nem tudo está fadado a mesmice: Deathloop.

Prometido como um game que traria novos tons a experiência multiplayer, o título da Arkane é exótico. Bebe da fórmula dos immersive sim, tal qual Dishonored e Prey (ambos expoentes do gênero e feitos pelo mesmo estúdio de Deathloop), e cria uma pegada de gameplay inusitada, onde o jogador entra na pele de um desmemoriado personagem em uma ilha misteriosa.

Nesta ilha o tempo passa de forma diferente. É como um looping (olha ele aqui de novo), onde tudo recomeça do mesmo lugar após o passar de um período pré-estabelecido (tal qual o filme “O Feitiço do Tempo” ou o game “The Legend of Zelda: Majora’s Mask”). E sempre que o seu personagem morre… ele volta do primeiro dia do ciclo.

Então temos aqui mais um exemplo de clichê? É outro roguelike?

Não. Deathloop não é um roguelike. Mas se assemelha, flerta e atrai os previamente interessados pelo estilo.

A real é que o game da Bethesda é muito mais um sandbox, aos moldes de Hitman, com fases prontas que se repetem (sem os conceitos procedurais aqui) e que te perturba com as idas e vindas, no conceito instável de repetição de tempo e o ciclo vicioso de vida e morte. Tudo mesclado a um roteiro fantástico e um level design para ninguém botar defeito, onde cada caminho tomado, adversário eliminado e decisão tomada parecem ser de total controle do jogador. Confuso (eu sei). Mas totalmente imersivo, particular, louco e… diferente.

Deathloop PlayStation
Deathloop (2021)

É animador olhar em retrospecto para 2021 e ver que em meio a tantos e tantos jogos podemos separar alguns títulos muito particulares. Dos diálogos exóticos e vívidos de Psychonauts 2 ao inusitado, envolvente e desafiador Loop Hero. E também, os já citados, Deathloop e Returnal.

E não me entenda mal… eu também gosto de passar o meu tempo fazendo gols no quase-padronizado FIFA e até mesmo experimentando o ctrl c + ctrl v dos Assassin ‘s Creed e Call of Duty. Sempre existe espaço para o cômodo e para o familiar, que agrada a tantos de nós. Videogame também é isso. Mas sem os sopros de criatividade que nos afastam dos padrões, vivemos um eterno déjà vu de ideias.

Mesmo que para você a busca pelo sentimento de primeira vez e a sensação do novo não seja uma necessidade, certamente hoje o aconchego do seu jogo favorito só existe porque, no passado, outros ousaram para que ele fosse o que é.

E em 2021 temos alguns bons exemplos que parecem ter um potencial de dar o tom no futuro. Os games que não tem medo de bater à porta.

Ainda bem.

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