Por que nos interessamos pelos vilões de videogame?
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Por que nos interessamos pelos vilões de videogame?

Um pouco sobre personagens marcantes e suas motivações

por Dan Schettini

Um dia desses um amigo dos tempos da escola me chamou no WhatsApp para jogar conversa fora. Naquele mix de nostalgia e alívio, por termos passado daquela fase, nos lembramos de muitas e muitas histórias. Algumas bem engraçadas e outras que, por muito tempo, me atormentaram e foram até pauta de terapia. Quem nunca, né?

Quando me lembro do ensino médio, sempre me pego pensando nos problemas que eu me preocupava naquela época e que hoje passariam totalmente despercebidos. O mais clássico deles era o colega de classe chato, aquele que me infernizava, direta ou indiretamente. Não era como um valentão (por mais que pudesse ser às vezes) mas servia mesmo como uma pulga atrás da minha orelha.

Nessa época, o “Aluno Chato” era o assunto. Principalmente porque, presos à rotina estudantil, seria dificílimo evitá-lo. Mas com o tempo – e nem tanto tempo assim, na verdade – minhas lembranças sobre esse personagem da vida real sumiram. Ficou tão para trás que só fui me lembrar nessa conversa com meu amigo pelo zap.

Esses pequenos “vilões da vida real”, que não acrescentam muito às nossas vidas, são o paralelo perfeito para falarmos sobre suas versões em grandes histórias. E também servem como parâmetro, porque para que vivamos experiências inesquecíveis precisamos de fatos, personagens e motivações que, mesmo quando se tornam parte do passado, seguem reverberando em nossas mentes – e aqui eu espero que você, querido leitor, não tenha um eco deste tipo em sua memória, já que vilões grandes também existem de verdade.

Deixemos isso para os games.

Se na vida real não temos mais tempo para pensar nesses “vilões” de outrora, nos games o caminho é sempre inverso: não existe fã de videogame que não guarde uma boa lembrança sobre um super chefão. Nem que seja o momento em que finalmente o derrotou.

Mas vamos do começo.

Sephiroth - Final Fantasy VII Remake
Sephiroth (Final Fantasy VII Remake)

Nem todo bom jogo precisa de um grande vilão. Mas é fato que um game que opta pela vilania, em sua narrativa, precisa trazer um antagonista memorável para que a história se torne marcante. Poucos sabores são tão amargos quanto o de consumir uma mídia em que, no fim das contas, você conclui “É… mas esse vilão nem era isso tudo”.

No entanto, existem diferentes tipos de inimigos, que funcionam de maneiras distintas. Desde o malévolo, e ligeiramente genérico, que quer simplesmente dominar/destruir o mundo, como o Diablo, até os com motivações mais banais, como capturar a princesa do mundo dos cogumelos. Este tipo de vilão não é ruim ou vazio, pelo contrário na verdade, visto que Bowser, por exemplo, é um dos mais importantes e carismáticos antagonistas da história dos videogames. Mas aqui, neste artigo, eu quero focar naqueles que fazem da história um percurso particularmente moldado por eles e por seus objetivos. Os que de fato fazem o contraponto e nos envolvem.

Para que um vilão seja um personagem tão sedutor (ou mais) quanto o protagonista é fácil listar alguns elementos que o diferem dos demais:

  1. Um forte laço com o herói
  2. Uma motivação enorme e que coloca o protagonista como obstáculo
  3. Ser poderoso o bastante para o considerarmos diferente dos demais desafios

Não é todo vilão que precisa dos três pilares, mas quando podemos identificá-los, tudo faz mais sentido e a trama nos marca – e além disso, o vilão ganha o nosso coração, mesmo sendo a já citada “pulga atrás da orelha”. Se misturarmos tudo isso e colocarmos uma pitada de carisma, dificilmente teremos um personagem que passará despercebido.

Um bom exemplo de vilão que nos envolve é o clássico Sephiroth, de Final Fantasy VII. Mas, por que?

Tratado como o mais poderoso Soldier que já existiu no universo do jogo (o que já seria motivo suficiente para reservarmos um grande temor), Sephiroth é visualmente diferente dos demais NPCs. Ele é imponente e traz uma motivação que, para ser realizada, afeta os heróis e suas trajetórias – e principalmente uma personagem que nós todos sabemos bem. A cereja do bolo é o laço que o liga a Cloud, o protagonista da trama. O passado que se conecta e as memórias adormecidas, que se chacoalham na cabeça do herói a cada encontro com seu rival. E tudo isso resulta não apenas na construção de um vilão capaz de acabar com o nosso protagonista mas também em um obstáculo com o poder de engrandecer o personagem principal. Tudo isso é um coquetel perfeito para que o todo poderoso inimigo possa ser tratado como inesquecível.

E ele é.

São muitas as formas de nos entregar vilões de videogames marcantes. A série Far Cry costumava fazer isso muito bem, com apresentações dignas de nota e brincando com a capacidade de impor medo ao jogador, com lunáticos, vívidos e que sempre estavam em uma posição de privilégio para acabar com a nossa paz. E em meio ao caos, o game nos fazia capazes de acreditar naqueles personagens e nas suas convicções, que por muitas vezes pareciam absolutamente reais. Mas Far Cry é um bom exemplo de que nem sempre um bom vilão é o suficiente para sustentar uma boa história – ou mesmo garantir uma boa gameplay, contra o tal inimigo ou não. O vínculo precisa existir (ou ser criado) e ir além de uma boa cutscene – e a Ubisoft, por muitas vezes, deixou isso de lado do terceiro game da franquia em diante, infelizmente.

O interesse por um vilão só se mantém aceso quando a trama nos abraça, o protagonista cresce através dos acontecimentos e a presença vil do antagonista se faz necessária no desenrolar da caminhada. Seja para vingarmos nossa família, salvarmos nossa esposa de uma casa macabra, quebrarmos um looping temporal em uma ilha exótica ou sobrevivermos a uma longa noite em Arkham City. O vilão precisa estar ali, não apenas em tela, mas também sempre na nossa cabeça.

Jack Baker Resident Evil 7
Jack Baker (Resident Evil 7)

Subverter expectativas e envolver o personagem (e, por consequência, o jogador) é o que nos faz criar apego a esses personagens incríveis, que deveriam ser odiosos mas, no fim das contas, são o ponto de interesse e o combustível para irmos até o fim. Ir até o fim se faz necessário porque um bom vilão nos puxa até lá – e se prova um alicerce de uma boa campanha, a cada encontro que temos com ele. Queremos enfrentá-lo. Queremos nos provar. Queremos agarrar tudo o que a jornada, imposta pelo antagonista ou não, nos propõe. É aí que se cria o vínculo e as memórias que guardamos com cuidado.

E, olhando para trás, é fácil lembrarmos das tramas que nos tocaram por conta desses personagens – inclusive aquelas histórias que nos colocam no papel que eles deveriam cumprir, como acontece, por exemplo, em The Last of Us Part II. Mas isso é papo para um outro texto – ou uma conversa do zap.