A situação dos jogos AAA em 2023
Grandes lançamentos têm chegado em condições técnicas terríveis - até onde isso vai?
Lançamentos no badalado mundo dos jogos AAA em 2023 têm levantado duras críticas de jogadores e fãs, descontentes com o estado técnico em que eles chegam às lojas.
Enquanto o jogo ser bom ou não é uma questão de opinião, bugs e problemas técnicos são um aspecto bastante objetivo. Por isso trago este artigo para debater algumas questões – entre elas: o que faz jogos com tanto investimento serem lançados em péssimo estado? É verdade que isso tem se tornado mais frequente? E quais são as nossas esperanças para o futuro? Vamos ver quantas respostas consigo encontrar no texto da vez.
Os jogos AAA em 2023 com bugs
Estamos chegando à metade do ano de 2023, que parece estar consolidando uma fama de “ano dos jogos quebrados”. Foram vários os grandes lançamentos dos últimos meses que chegaram problemáticos, alguns até impedindo a possibilidade de jogar. Como de costume, em muitos desses casos os devs divulgaram cartas pedindo desculpas e prometendo melhorar. A tal “tendência” é bem resumida pelo tweet abaixo:
2023 Gaming:
– Release broken game
– Wait about a day or two
– Make an apology statement
– Release statement and promise patches and fixes pic.twitter.com/AtC4F40eDl— DomTheBomb (@DomTheBombYT) May 26, 2023
Retomando os exemplos citados no tweet e adicionando alguns outros, parece que cada mês teve pelo menos um jogo triplo A ou duplo A decepcionando alguém. Logo em janeiro o ano já começou as bordoadas com a chegada do controverso Forspoken.
O título da Square Enix mostrava problemas de desempenho no PS5 e no PC, com quedas consideráveis na taxa de quadros por segundo e problemas gerais na renderização da resolução. O pessoal do Digital Foundry, como sempre, é o grande algoz dos jogos mal otimizados:
Em fevereiro tivemos um jogo possivelmente menos divulgado, mas que também irritou muitos de seus jogadores: Wild Hearts. O “Monster Hunter da EA”, em parceria com a Omega Force, tinha problemas visuais e lag na performance no PC, além de bugs que atrapalham a experiência do multiplayer – principalmente durante seu período de acesso antecipado.
Março de 2023 nos trouxe Wo Long: Fallen Dynasty, soulslike da Team Ninja que foi amplamente elogiado nos consoles, mas que levou um belo dum “review bombing” na Steam. Isso porque, como tanto acontece, o port do game para o computador não estava dos melhores, com jogadores reclamando não apenas de problemas de performance, mas também de configurações ruins para o gameplay no teclado e mouse.
Foi no fim do mesmo mês, no entanto, que um jogo causou bem mais falatório – o aguardado port de The Last of Us Part 1 para o PC. Depois de anos esperando para jogar um dos títulos mais aclamados da história do videogame, jogadores da Steam foram agraciados com alguns dos bugs mais feios (e engraçados) já vistos. O game segue com avaliações “neutras” na plataforma da Valve até agora, mesmo depois de corrigir mutios de seus problemas.
O quarto mês do ano marcou a chegada de outro título bastante criticado pelos seus problemas de desempenho, o Star Wars Jedi: Survivor. Tanto no PC como no PS5 o game sofreu com quedas drásticas na taxa de quadros ou, o contrário, na sua resolução para tentar manter o framerate durante a jogatina. Sendo um título bem mais divulgado do que Wild Hearts ou Wo Long, seus problemas também deram muito mais o que falar.
E chegamos a maio, momento em que escrevo este artigo. Logo no início do mês tivemos a chegada de RedFall no lado verde da força, amplamente criticado também pelos seus bugs e quedas de desempenho no Xbox e no PC. Só que antes do mês acabar, chegou também The Lord of the Rings: Gollum – um título bem menor do que os outros citados na lista deste texto, mas que veio tão ruim que ajudou a acrescentar pontos negativos à péssima reputação dos jogos AAA em 2023.
Essa tendência é de agora mesmo?
Jogadores veteranos com boa memória vão se lembrar que grandes lançamentos chegando em estados terríveis de otimização não é nenhuma novidade.
A título de exemplo, 2023 marca o aniversário de 10 anos de Battlefield 4, que chegou num estado terrível de bugs e problemas no multiplayer lá em 2013. Em 2014 tivemos Assassin’s Creed Unity, em 2015 Batman: Arkham Knight e a lista continua ano após ano, culminando em 2020 com o lançamento de Cyberpunk 2077 e todo o imbróglio que estamos cansados de saber.
É interessante notar que The Witcher 3, o aclamadíssimo e premiadíssimo jogo da CD Projekt Red que antecedeu CP 2077, também foi lançado com uma boa quantidade de bugs e problemas de performance. Os shows do Carpeado no game viraram até meme.
É válido inclusive lembrar que Nioh, o primeiro soulslike da mesma Team Ninja por trás de Wo Long, também chegou com vários problemas no PC e foi especialmente criticado por não suportar teclado e mouse de maneira adequada.
Tudo isso para dizer que jogos imensos e hypados saindo mal otimizados, bugados e/ou mal feitos não são algo novo no mundo dos games, mas é de se observar que 2023 realmente parece ter atingido um novo patamar. Os títulos com problemas saíram em datas muito próximas, e a maneira de agir das desenvolvedoras – com cartinhas de desculpas e promessas de melhorar – é muito parecida.
Para adicionar insulto à injúria, um bom número desses games sob escrutínio não tem sido considerado lá essas coisas, mesmo quando ignorados os problemas de performance. Jedi: Survivor e Wo Long foram amplamente elogiados apesar de suas dificuldades técnicas, mas títulos como Forspoken, RedFall e Gollum falharam em agradar a maioria dos jogadores, algo que acrescenta a uma sensação geral de uma queda de qualidade no processo de desenvolvimento dos games.
É evidente que nenhuma produtora vai falar abertamente em caráter oficial sobre as más decisões que resultam num game considerado ruim por ser mal feito. Acaba se tornando um exercício especulativo tentar investigar os motivos que levam isso a acontecer, para buscar descobrir se isso virou mesmo uma tendência cada vez pior ou não. Então vamos especular.
Por que um jogo milionário sai bugado?
Volto a enfatizar para quem gosta de ler artigos pulando trechos: esta parte do texto é especulação, apenas um achismo informado com base em mais de 10 anos de jornalismo de games e 30 como jogador.
O meu entendimento é que, sim, estamos vendo uma tendência em aumentar a frequência de grandes produções que decepcionam – seja no aspecto técnico, qualidade geral do jogo ou nos dois. E minha aposta como motivo para isso estar acontecendo tem um nome simples: a famigerada pré-venda.
Imagino que diversos dos leitores estão cansados de ver críticas contra a pré-venda, e muitos devem continuar usando a prática mesmo depois de verem seus criadores de conteúdo preferidos se posicionarem contra ela. Infelizmente, a realidade não se dobra aos nossos caprichos, e a única explicação coerente que consigo observar para o estado atual da autoproclamada indústria triplo A de jogos vem da busca incansável dos números de pré-venda.
A começar pelo crescente investimento no marketing, que tem inflado os custos de produção dos jogos e impactado em seu valor final para o jogador. Enquanto empresas reclamam que está cada vez mais caro “fazer” os games, a verdade é que, em diversos casos, quase metade desses investimentos vão em propaganda, algo que não melhora em nada a qualidade de um jogo.
As informações abaixo vêm do Kotaku, com base em testemunhos que produtoras de jogos informaram para a CMA, em referência à aquisição bilionária da Activision que a Microsoft ainda tenta concluir.
- Uma produtora diz que gastou US$ 164 milhões nos custos de desenvolvimento e US$ 55 milhões no marketing de um jogo.
- Outra diz que seus orçamentos vão de US$ 80 milhões a US$ 350 milhões para fazer um jogo, enquanto os valores de marketing chegam a US$ 310 milhões em seus maiores games.
- Outra declaração veio de uma produtora que diz que seu game mais caro custou US$ 660 milhões para fazer e o investimento no marketing foi de US$ 550 milhões.
Jogadores atentos devem ter percebido que depois que um jogo é lançado sua divulgação diminui consideravelmente. Isso porque, além dos investimentos no marketing chegarem a valores absurdos, eles são quase completamente voltados para antes do lançamento – ou seja, para a pré-venda.
É óbvio que jogos precisam vender e que o marketing é uma peça chave para se obter o número necessário de vendas para uma produtora continuar funcionando. Mas é bizarro que esses valores cheguem a mais de 80% do custo de criação do próprio jogo, e provavelmente seria muito importante que uma parte maior desse investimento fosse voltada ao controle de qualidade.
Mas não é apenas no investimento direto que a pré-venda impacta negativamente no ciclo de desenvolvimento de um game. Muitas produtoras se apressam a divulgar uma data de lançamento qualquer para começar o quanto antes a pré-venda de seu próximo game. Diversas vezes essas primeiras datas divulgadas não significam nada e logo são alteradas.
Em casos mais drásticos, no entanto, os adiamentos vão acontecendo tantas vezes que a pressão do público começa a ficar muito grande e, por consequência, a pressão nos devs para terminarem o jogo logo. Nessa situação aparecem os títulos que são lançados de uma vez, do jeito que estiverem, com a intenção de serem consertados depois.
Não arrisco especular de onde parte a decisão de lançar um game mal acabado com a nítida intenção de consertar depois através de patches e updates, mas sou capaz de apostar que os responsáveis por um jogo sabem muito bem o estado em que seu produto está antes do lançamento. Quando um game chega rodando muito mal em consoles e em PCs com diversas configurações, é de se imaginar que seus criadores já sabiam que seria assim. Quando Adam Kicinski, CEO da Projekt Red, disse que Cyberpunk 2077 rodava “muito bem” no PS4, ele sabia como o game estava.
Nem tudo vai mal, mas pode piorar
Meu otimismo nunca foi muito saudável e acabou não resistindo à pandemia. Sendo assim, neste momento não enxergo com bons olhos o futuro do segmento AAA de games.
Não que seja impossível uma perspectiva otimista. Certamente ainda temos jogos grandes chegando bem otimizados e polidos, mostrando o interesse de desenvolvedores e algumas poucas produtoras em manterem a qualidade de seus produtos. Também podemos observar que, talvez, esse momento de tantos games decepcionantes seguidos pode pressionar as empresas a entregarem coisas melhores.
Mas não consigo acreditar nisso. Vários de vocês lendo este texto agora já estão pensando “é por isso que só faço pré-venda de tal produtora” ou “este jogo específico eu vou comprar na pré-venda sim porque não tem erro”. O número de vendas antes do lançamento tende a continuar aumentando e as produtoras não verão motivos para mudar suas lógicas de desenvolvimento. Nada que uma cartinha de desculpas depois não resolva.
Um produto finalizado se auto promove não apenas pela propaganda, mas também pela sua própria qualidade, que “fala” por si. Quanto mais as empresas voltarem seus focos para o produto antes dele ficar pronto, é natural que essa qualidade final fique cada vez mais embaixo na lista de prioridades.
E novas técnicas de desenvolvimento sendo promovidas pelo advento da IA geracional vai ajudar a criar games de maneira cada vez mais barata e pasteurizada, estilo linha de montagem. A indústria dos jogos AAA se vê às portas de um admirável mundo novo, com pouca inovação e difícil de admirar.