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Como o streaming de jogos vai transformar o PlayStation

Nome se refere cada vez mais a uma marca do que a um console

por João Gabriel Nogueira
Como o streaming de jogos vai transformar o PlayStation

A possibilidade de jogar diretamente pela internet, ao usar tecnologias modernas de streaming, tem sido não apenas um dos principais assuntos do mundo gamer nos últimos anos, mas também uma tendência clara de investimento para muitas companhias – incluindo a Sony.

O que podemos esperar do futuro da tecnologia do streaming de jogos? Será que realmente esse vai se tornar a principal maneira das pessoas jogarem? Se for o caso, o que vai acontecer com o PlayStation em um mundo dominado pelo streaming? Vamos debater essas questões e tentar chegar a algumas respostas no artigo da vez!

Streaming de jogos: definição e exemplos

A definição da jogatina por streaming pode parecer uma obviedade para muitos leitores, mas é interessante começar o artigo explicando alguns pontos principais da tecnologia, até para podermos retomá-los ao longo do texto.

O streaming virou algo comum na vida das pessoas hoje em dia, então é fácil imaginar como ele se aplica no caso dos jogos. Você acessa o game de uma biblioteca e joga na hora, diretamente pela internet, sem precisar fazer o seu download. É um funcionamento bem parecido com a maneira que o pessoal assiste à Netflix e outros serviços de filmes e séries hoje em dia.

Mas, diferente de filmes, a principal vantagem do streaming de jogos não está, necessariamente, no seu imediatismo. O grande diferencial quando falamos de jogos é que, para jogar, você precisa de uma máquina capaz de rodar o jogo, o que pode ser um obstáculo às vezes. O streaming tem potencial de transformar qualquer tela com acesso à internet em algo capaz de rodar qualquer jogo.

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Isso acontece porque, no caso da jogatina por streaming, o game não está sendo renderizado pelo dispositivo onde você joga, mas diretamente no servidor que você acessa. Falando de um jeito bem resumido, o dispositivo que você usa recebe os comandos do controle e manda pro servidor – um computador muito mais poderoso do que qualquer coisa que possamos ter em casa. É esse servidor que roda o jogo diretamente e executa suas ações nele, para depois enviar a imagem para sua tela. Claro que, para uma jogatina decente, tudo isso deve acontecer numa velocidade incrível, sem atrasos perceptíveis, resultando na sensação de jogar como se o game estivesse rodando ali mesmo na sua tela.

Isso quer dizer que o dispositivo na sua casa precisa ter apenas uma tela e ser capaz de se conectar à internet e a um controle para, teoricamente, rodar qualquer game por streaming.

Alguns dos serviços mais famosos de jogos por streaming incluem exemplos como o GeForce Now, da Nvidia, o xCloud do Xbox e o antigo PlayStation Now, da Sony, que agora foi incluído como parte dos novos planos da PlayStation Plus – mas que não está disponível em todos os países.

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Um outro exemplo notável de streaming de jogos não pode deixar de ser citado, o Stadia, da Google. Recentemente o serviço foi oficialmente encerrado, o que é uma ótima deixa para avançarmos para o próximo trecho deste artigo.

Os problemas com o streaming de jogos

Essa vai ser a parte preferida do artigo para muitos leitores. Por algum motivo, além dos céticos e pessimistas, que apenas acham que a tecnologia nunca vai dar certo, existem aqueles que ativamente torcem para que nunca funcione mesmo. Independentemente de torcidas e opiniões, jogar por streaming certamente tem seus problemas e precisamos falar deles.

Para nós, brasileiros, é normal pensar na internet falhando, o que deixa muitos com o pé atrás quando falamos da possibilidade de jogar um game inteiro por streaming. De fato, sem uma conexão incrivelmente estável e confiável, há grandes chances de sua experiência com o jogo ser terrível.

Não apenas a sua internet, mas também a tecnologia de transmissão do jogo é igualmente importante. Existe uma quantidade tão grande de dados e sua transferência deve ser tão instantânea que, atualmente, são testadas diferentes tecnologias de compressão para o envio e recebimento de informações. Os resultados são variados dependendo do serviço que o usuário assina.

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É interessante ressaltar que alguns provedores de streaming de jogos são bem agressivos em sua disponibilidade, enquanto o PlayStation é um tanto conservador. O PlayStation Now estava disponível há anos em somente alguns países e, agora que passou a fazer parte do PlayStation Plus, continua sem previsão de vir ao Brasil. Foi criado até um nível diferente de assinatura, o PS Plus Deluxe, para diferenciar do padrão PS Plus Premium que oferece alguns dos títulos por streaming nos mercados onde está disponível.

Mas mesmo nos países onde se espera uma performance melhor e mais estável da internet, o streaming de jogos pode enfrentar problemas que acabam com sua credibilidade. Foi assim que o Stadia foi de berço logo no início deste ano.

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Nem o investimento de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo conseguiu manter o Stadia. E olha que a Google não apostou pouco no serviço, encomendando a criação de jogos, formando um estúdio especialmente para isso e até criando um controle totalmente dedicado à plataforma. No fim, nem todo dinheiro do mundo conseguiu atrair jogadores para a plataforma:

“Enquanto a abordagem do Stadia de fazer streaming de jogos para consumidores foi construída numa fundação tecnológica poderosa, o serviço não conseguiu a tração com usuários que esperávamos, então tomamos a difícil decisão de começar a desligar nosso serviço de streaming do Stadia.” – declarou Phil Harrison, vice-presidente e gerente geral do Stadia para a Google.

Pela fala oficial da Google sobre o encerramento do Stadia podemos inferir que a empresa estava contente com sua tecnologia, mas que não conseguiu atrair jogadores. Certamente tivemos uma boa dose de problemas nas tentativas de jogar com o Stadia sendo compartilhadas na internet, mas há um grande número de jogadores que estavam contentes com o serviço – um jogador com 6 mil horas de Red Dead Redemption 2 na plataforma com certeza estava jogando por streaming com certa tranquilidade.

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Se levarmos em conta que o PlayStation, Xbox e Nvidia ainda tentam oferecer jogos por streaming de diferentes formas e a gigantesca Google desistiu, arrisco fazer uma avaliação do motivo para o Stadia ter falhado e um importante elemento para o futuro de jogar um game inteiro via internet: credibilidade.

A imagem do streaming de jogos

A jogatina via streaming é um serviço que uma empresa de games pode ter e, como qualquer outro serviço oferecido por uma companhia, trata-se de um produto. Para fazer sucesso, não basta que um produto seja bom – ele precisa convencer seus potenciais clientes de que é bom. Para muitas empresas a segunda parte é até mais importante que a primeira, mas não vamos fugir do assunto.

O streaming de jogos ainda tem um longo caminho pela frente antes que possa ser considerado diretamente comparável com o modelo tradicional de jogatina, e isso atrapalha na percepção de sua imagem também. Para cada cem pessoas jogando sem problemas, um único vídeo de alguém enfrentando um lag absurdo vai causar muito mais estrago.

Nomes como PlayStation e Xbox ajudam a oferecer muito mais credibilidade a esse tipo de serviço, e as empresas estão sendo bem mais conservadoras em sua oferta do que o Google foi. Em sua ambição de “sair na frente”, a empresa enfiou os pés pelas mãos e não conseguiu convencer os jogadores que o serviço era bom o suficiente para investir.

O PlayStation tem mostrado menos agressividade que o Xbox na oferta da jogatina por streaming, mas as duas empresas estão indo bem mais devagar do que a Google tentou e ambas oferecem esse jeito de jogar de maneira controlada. Isso ajuda a dar uma imagem de “fase de testes” para a tecnologia que deixa seus problemas mais compreensíveis quando aparecem.

Mas não podemos ignorar o aspecto emocional dos jogos na luta do streaming para melhorar sua imagem. Jogadores gostam de escrever suas opiniões de maneira bem racional e pragmática, mas geralmente esses posicionamentos ainda vêm de um lugar bastante emotivo. E não é pra menos: jogamos por prazer, não por necessidade. Existe um valor afetivo atrelado ao console e vê-lo ameaçado por um futuro onde o aparelho poderia simplesmente deixar de existir causa uma reação um tanto inflamada em algumas pessoas. É normal isso.

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Um número considerável de jogadores vai continuar resistindo aos avanços do streaming não por uma desconfiança com a tecnologia, mas por um amor ao modo tradicional de jogar. Artigos com títulos como “o streaming vai matar o PlayStation” são feitos justamente para caçar cliques de quem se altera ao ler algo assim. Mas a tecnologia realmente vai acabar com os consoles? Cabe uma reflexão.

O streaming vai mesmo matar seu videogame?

“Matar os consoles” pode ser uma previsão exagerada e alarmista, mas o streaming de jogos certamente vai transformar o videogame como atualmente o conhecemos. Melhor dizendo, não só “vai” – já está transformando.

O investimento de empresas em serviços de assinatura para uma biblioteca de jogos mostra uma nítida preparação para um futuro em que esses catálogos serão acessados para, principalmente, jogar diretamente online, sem instalar os games. Mencionamos antes que tanto PlayStation Plus como Xbox Game Pass oferecem a possibilidade de jogar por streaming em determinadas situações, e isso prova como as companhias se preparam para essa tendência.

Ainda não está convencido? Um outro indício marcante está em algo que jogadores do PlayStation das antigas jamais imaginariam ser possível: God of War no PC. Não só GOW, obviamente, mas a nova política da Sony de levar seus exclusivos para o PC um tempo depois de lançados pode ser colocado na conta da empresa preparar o terreno para um futuro em que o console PlayStation pode não ser necessário para jogar os games PlayStation.

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E é exatamente por isso que vemos tanto o Play como Xbox investindo em transformar esses nomes em marcas, mais do que nunca. Obviamente sempre foram marcas, mas atualmente é visível o esforço para que a palavra PlayStation seja mais associada à marca do que ao console propriamente dito. Não é à toa que a Sony criou o nome PlayStation Studios para melhor identificar os games desenvolvidos com seu “selo de qualidade”.

Isso significa o fim do console, como muitos gostam de falar para chamar a atenção? Talvez seja o fim do dispositivo como hoje o conhecemos, mas é difícil de imaginar um mercado completamente sem consoles tão cedo.

O exercício da “futurologia” muitas vezes se mostra inútil, mas vou tentar um pouco com base nas informações e tendências citadas no artigo. Na geração atual vimos o surgimento do primeiro PlayStation sem um drive de disco – o meu PS5 inclusive é um desses – para ajudar a oferecer uma opção mais acessível para quem não faz questão das mídias físicas. É difícil imaginar em alguns anos, quando o streaming de jogos for mais confiável, um PS7 ou PS8 ainda mais barato, só para rodar seus games pela internet? Talvez limitado a mercados onde a internet é mais confiável.

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Falando na diferença de internet para diferentes mercados, também não acredito que seja absurdo imaginar um futuro em que a Sony passe a fazer o console PlayStation pensando apenas nas economias emergentes. O videogame passaria a ser oferecido principalmente em países onde o serviço de streaming não está disponível ou tem poucos assinantes por causa da baixa confiança na internet.

Este não é um cenário impossível de imaginar, porque a mudança na distribuição de consoles pode acontecer do mesmo jeito que a Netflix ajudou a matar a Blockbuster e a banda larga doméstica acabou com a maioria das lanhouses – quando surge um substituto mais interessante para um serviço, as pessoas deixam de usar, ele para de ser lucrativo e some ou muda.

Saudades das locadoras

Acredito que muitos leitores, como eu, sentem falta das locadoras de filmes. Olhar prateleiras e mais prateleiras de capas de DVDs (ou de VHS pra galera do meu tempo) e escolher algo para levar para casa, muitas vezes com base apenas na capa ou no que estava em promoção.

Todo o processo de alugar um filme para ver era gostoso. A saidinha de casa, tentar convencer os pais de comprar algumas guloseimas no caminho, a antecipação até voltar e finalmente assistir o que foi alugado. Sinto falta.

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Isso quer dizer que não gosto de escolher algo para ver sentado no conforto do meu sofá e começar a assistir imediatamente pelo streaming? Ainda por um preço mensal que daria o aluguel de apenas três ou quatro lançamentos – dependendo da sua cidade?

O streaming matou as locadoras de vídeo porque trouxe vantagens que as pessoas consideram muito maiores do que as oferecidas pelo modelo tradicional. A partir do momento que a maioria dos fãs de séries e filmes conseguiram uma internet confiável o suficiente para assistir, a migração aconteceu e as locadoras antigas se tornaram insustentáveis.

É de se imaginar algo assim acontecendo com os videogames. Um PS5, atualmente, custa bem mais de R$ 4 mil, com lançamentos triplo A saindo por valores em torno dos R$ 350. A assinatura da opção mais cara da PS Plus sai por R$ 390 ao ano. Imagine um modelo em que você não tivesse que comprar o console. Vamos dizer ainda que a assinatura passaria a ser mais cara para oferecer títulos triplo A no lançamento – vou logo dobrar o preço: R$ 780 ao ano.

Neste exercício de simulação, um PS5 sozinho já equivaleria a cinco anos de assinatura da PS Plus. Mas ao longo desses anos, quantos jogos AAA você aproveitaria logo no lançamento? A cada dois jogos e meio já daria o valor de mais um ano de assinatura.

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Cada pessoa tem suas preferências pessoais, e certamente teremos sempre aqueles que jamais vão querer abrir mão da sensação de posse do jogo e da possibilidade de jogar offline. Mas essa comparação, com a vantagem extra de poder jogar em quase qualquer lugar – até pela tela do seu celular – certamente vai se tornar atrativa para a maioria dos jogadores quando o streaming for confiável o suficiente.

É bem verdade que curtir um joguinho muitas vezes é a melhor alternativa para aqueles momentos em que justamente caiu a internet. Depender da conexão para jogar é assustador para quem não pode confiar na estabilidade da rede. Mas quero lembrar a todos que sem energia também não dá para jogar, e já houve tempos em que não dava para confiar na eletricidade.

A internet atual certamente não é confiável para o streaming de jogos em muitas localidades ainda, mas dizer que “nunca será” é ignorar os avanços da tecnologia que já presenciamos em nossas vidas. Tente lembrar como era a conexão há apenas dez anos. Tente lembrar que há apenas 16 anos os smartphones nem existiam. As coisas mudam, e mudam rapidamente.

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Comecei este trecho do artigo com a historinha das locadoras por dois motivos. O primeiro foi para dizer que eu entendo quem odeia a ideia do fim ou da transformação dos consoles. Também sentirei muita falta de ver o PlayStation em cima da minha mesa se um dia optar por jogar apenas pelo streaming. 

Mas o segundo motivo é para reiterar que a nova tecnologia não deve matar de vez o videogame tradicional. Da mesma maneira em que ainda encontramos discos de blu-ray e até de DVD para comprar filmes, acredito que o modelo antigo ainda vai coexistir de alguma forma por um bom tempo com o streaming. Só, provavelmente, deixará de ser o principal.