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Os jogos exclusivos do PlayStation ainda têm poder?

Até onde vai o impacto da exclusividade no PS5 em um mundo com tantas opções?

por João Gabriel Nogueira
Os jogos exclusivos do PlayStation ainda têm poder?

Os jogos exclusivos ainda são uma das principais propagandas do PlayStation. Títulos como God of War, Spider-Man e Ghost of Tsushima são argumentos de orgulho para a plataforma, mas o conceito de exclusividade já não é mais o mesmo que um dia foi.

A marca PlayStation agora atua como uma distribuidora, que leva alguns de seus títulos para o PC, depois do lançamento no console. Unindo-se a isso, temos a expansão de ofertas de serviços e recursos no PS5, que acabam sendo um atrativo diferencial além dos games propriamente ditos.

No ambiente atual, então, será que os jogos exclusivos ainda têm o mesmo impacto na hora do comprador escolher seu console? O que podemos esperar do futuro do formato? Vamos debater esses temas no artigo da vez.

Exclusivos de PS4

O início da exclusividade

O conceito de um jogo exclusivo é algo um tanto óbvio, mas chegou a sofrer algumas mudanças ao longo dos anos. Dizer que um game era exclusivo significava dizer que ele poderia ser jogado em uma única plataforma: God of War era exclusivo no PlayStation, Halo no Xbox, Mario no Nintendo.

É interessante voltar no tempo e observar como o uso do termo foi sendo alterado ao longo dos anos, para continuar servindo ao marketing mesmo quando seu significado começou a fazer menos sentido.

Pelas voltas dos anos 80 não se falava em termos de exclusividade. A Atari dominava quase que completamente o mercado de consoles domésticos e a imensa maioria de seus jogos eram first party. Foram anos até aparecer a primeira desenvolvedora third party, a Activision.

O estúdio foi formado por ex-funcionários descontentes com a Atari, que saíram para criar sua própria empresa e usar sua experiência para fazer jogos para o Atari. O videogame era basicamente hegemônico nas casas das pessoas.

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Era difícil de imaginar que uma companhia gigante assim poderia falhar, mas falhou. A falência da Atari causou um crash em toda a indústria de games no final dos anos 80, algo que comentei num artigo anterior. Mas, como você está lendo este artigo num site chamado MeuPlayStation, você sabe que os videogames ainda existem e estão bem.

O vácuo deixado pela Atari apresentou um momento de oportunidade para o mercado japonês, que a Nintendo soube aproveitar perfeitamente com seu Famicom – o Nintendinho 8bits.

O crescimento da Nintendo significou o aumento do número de desenvolvedoras externas, mas a geração do NES foi mais uma dominada por um único videogame. Foi só na geração seguinte que tivemos o início das famigeradas “console wars”.

Em outubro de 1988 a Sega chegava para competir com a Nintendo, oferecendo um console mais poderoso que o NES, o Mega Drive. Mas a casa do Mario também já se preparava para entrar numa nova geração de 16bits, e logo em 1990 já lançava seu Super Nintendo.

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E foi exatamente neste período da história do videogame que o termo “exclusivo” se tornou algo usado pelo marketing. Enquanto Nintendo e Sega brigavam diretamente para vender mais seus consoles, um dos grandes argumentos para escolher um ou outro eram os jogos exclusivos em cada um.

Quer jogar Mario? Só tem no Super Nintendo. Prefere Sonic? Tem que comprar um Mega Drive. Esses são apenas os exemplos mais icônicos, mas é enorme a lista de games que só estavam em uma plataforma e não na outra. Não só isso, mas os títulos que saíam nos dois consoles tinham diferenças consideráveis entre si, que sempre geravam discussões de “qual é a melhor versão”.

Novas plataformas, novas práticas

Assim foi a política de desenvolvimento de jogos por vários anos e gerações seguintes. Sony e Microsoft entraram no mercado, a Sega parou de fazer consoles e, enquanto isso, se proliferaram os estúdios third party. Para garantir um catálogo considerável de jogos exclusivos, as fabricantes de consoles investem na criação de jogos em seus próprios estúdios e contratando externos também.

Na época do PS2, especialmente, um novo tipo de contrato de licenciamento de exclusivos começou a ficar bastante popular – os casos em que a empresa não paga pela produção completa do jogo, mas investe o suficiente na criação do título para que ele seja exclusivo em sua plataforma. Era o caso da série Yakuza, no PlayStation 2, por exemplo.

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Saltamos alguns anos no tempo e tivemos a primeira alteração na palavra “exclusivo”. Entre as gerações do PS3 e PS4, principalmente, começamos a ter um bom número de jogos sendo chamados de “exclusivos” no console apenas. Ou seja, é exclusivo porque só sai em um videogame, não nos outros, mas é lançado no PC ainda.

O Xbox foi em grande parte responsável pela “flexibilização” do termo. Para a Microsoft faz muito sentido isso, afinal, a empresa é dona do Xbox e do Windows, sistema operacional da maioria dos computadores domésticos do mundo. Se estiver fora do PlayStation e do Nintendo, o game é exclusivo para o ecossistema Microsoft.

Essa mudança também é reflexo dos contratos de exclusividade, que ficam mais baratos de firmar com as desenvolvedoras se você não vetar o PC também. Aliás, falando nesses contratos, outro acordo que ficou bem comum foi o de “exclusividade temporária”.

Os jogadores conhecem bem, essa prática é popular até hoje. O game é lançado somente em uma plataforma, mas com um tempo já determinado para depois sair em outras. Foi o caso de Final Fantasy VII Remake, por exemplo. E também temos conteúdo exclusivo às vezes, como uma skin ou um personagem jogável – o caso do Homem-Aranha que apareceu no jogo dos Vingadores somente no PlayStation.

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Mas, na época de transição entre o PS4 e o PS5, a Sony decidiu abraçar o computador também, levando alguns de seus jogos para a plataforma para conseguir mais vendas em um título já lançado. Seguindo a mesma lógica da concorrente, a empresa ainda chama os títulos de “exclusivos”, porque são exclusivos no PlayStation entre os consoles.

Bem diferente da Microsoft, no entanto, são apenas alguns títulos selecionados do PlayStation que saem no PC, e anos depois de seu lançamento no console em todos os casos. De todo modo não é bem o significado literal da palavra “exclusivo”.

Atualmente, podemos dizer que apenas a Nintendo continua com o modelo de exclusividade exatamente igual ao que tinha na época do Super Nintendo.

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Antes de encerrar este segmento do artigo, quero ressaltar também um outro tipo de contrato de “exclusividade” que, para mim, é o melhor exemplo de “exclusivo de mentirinha”. Os fãs mais briguentos das produtoras adoram acusar jogos que saem no PC também de não serem verdadeiros exclusivos, mas muitas vezes são ignorados os contratos de “divulgação exclusiva” – e esses sim não são verdadeiros exclusivos.

Especialmente na época do PS4 foram firmados muitos acordos em que toda a divulgação e marketing de determinado jogo de uma produtora só poderiam ser feitos em um console, dando a impressão ao público leigo que ele não sairia em outro. Não tem nada de exclusividade real, é só uma tentativa de passar essa impressão.

As vantagens de ser exclusivo

Muito se fala das vantagens de se fazer ou se ter um jogo exclusivo. Os jogadores podem passar horas em discussões e conjecturas, então vou tentar focar na parte mais objetiva do assunto primeiro.

Criar um jogo para uma única plataforma, antes de mais nada, significa um trabalho muito mais focado para os desenvolvedores. Sem a necessidade de fazer outras versões que devem ser testadas e otimizadas para outros sistemas e, às vezes, arquiteturas completamente diferentes, os criadores podem dedicar muito mais de seu tempo e trabalho a tornar uma única versão do game a melhor possível.

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Como tudo na vida, nada é garantido. Um jogo ser exclusivo não é garantia absoluta de uma melhor performance técnica (vide Forspoken), mas aumenta muito as chances de termos um título melhor otimizado, e certamente temos bem mais exemplos positivos do que negativos. Jogos como God of War Ragnarok e Horizon Forbidden West conseguem extrair até a última gota de performance do hardware para entregar gráficos acima da média sem comprometer a experiência.

E quanto mais uma geração avança, mais vemos a diferença. Voltando um pouco no tempo, não foi nada menos do que impressionante o que a Naughty Dog conseguiu entregar com The Last of Us no fim do ciclo do PS3.

Outra coisa comum entre os jogos exclusivos, mas que certamente não é regra, é um controle de qualidade mais exigente. Um exclusivo de um console vai além de suas vendas individuais ou de ser um system seller. Eles formam juntos uma biblioteca que impacta muito na imagem da marca por trás do videogame. O selo “Only on PlayStation” tem uma certa fama entre os jogadores.

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Reitero, não é uma regra e temos muitos jogos exclusivos decepcionantes para citar como exemplos negativos. Mas, em termos gerais, há um cuidado maior com esses games que garantem resultados melhores em muitos dos casos.

E claro que tem aquele pessoal que considera uma vantagem poder dizer “eu tenho, você não teee-em”. É o tipo de grupo de pessoas que parece maior do que realmente é, porque faz barulho demais na internet. Essa galera também é a mais inconformada de ver o PlayStation levando alguns de seus jogos ao PC.

Chegou agora o momento que não podemos mais adiar. Se eu quiser ao menos tentar responder a pergunta que fiz no título deste artigo, vamos precisar falar sobre números.

Os números dos jogos exclusivos

Medir o sucesso de jogos exclusivos é algo bem complicado de se fazer, porque temos poucos números realmente oficiais e, com os dados que temos, também não é possível fazer uma comparação direta com jogos multiplataforma em termos de lucratividade para suas produtoras. Mas vamos observar alguns números.

Para tornar algo minimamente possível o comparativo dessas informações, vou focar apenas nos jogos first-party da Sony para este trecho do artigo. Exclusivos temporários e games desenvolvidos por terceiros tornariam a análise muito complexa – Yakuza, por exemplo, foi exclusivo no PlayStation por anos, enquanto hoje em dia a série parece estar muito mais próxima do Xbox.

O site TweakTown colheu dados em “posts de blogs, atualizações de desenvolvedores e relatórios de rendimento” para gerar os gráficos da imagem abaixo. Nela, aparecem o que seria o total de vendas das diferentes franquias first-party do PlayStation:

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Como explicado no parágrafo anterior, esses não são números oficiais, então uma dose de ceticismo é saudável ao observá-los. Dá para perceber que a longevidade de uma franquia impacta muito nas suas vendas, como seria de se esperar. Assim, Gran Turismo é disparada a série de jogos do PlayStation que mais vendeu, tendo mais que o dobro do número da franquia que aparece em segundo lugar, Uncharted.

Para colocar esses números em perspectiva, o TweakTown organizou um outro gráfico de barras, comparando os dados de jogos PlayStation com outras franquias de sucesso:

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Os first-party da Sony ficam na lanterninha dos gráficos, com apenas Uncharted e Gran Turismo conseguindo superar alguns dos jogos de outras produtoras. Mas a imagem não prova que exclusivos não dão certo, pelo contrário. Os jogos mais vendidos que aparecem são exclusivos da Nintendo – com Mario disparado na primeira colocação e Pokémon aparecendo no terceiro lugar.

Quer dizer então que exclusivos funcionam muito bem com a Nintendo, mas não dão muito certo para o PlayStation? É aí que começam a aparecer as especulações e conjecturas no debate.

Certamente a Sony acredita em jogos exclusivos, afinal a produtora ainda investe neles. Mas também não podemos ignorar que a empresa espera receber mais retorno de seus investimentos, e por isso os jogos começaram a sair no PC.

É interessante ressaltar que jogos first-party podem vender menos, mas têm uma margem de lucro maior para suas produtoras. Além disso, como mencionado anteriormente, existe toda uma questão publicitária de imagem da marca envolvendo a produção de games exclusivos.

Os jogos exclusivos sempre aparecem entre os motivos listados pelos jogadores que optam pelo PlayStation, mesmo entre aqueles que acabam nunca comprando mais de um exclusivo para o console ou até nenhum. A percepção de que a plataforma tem games de qualidade que só podem ser jogados nela impacta muito em seu poder de marketing.

O futuro da exclusividade

É nítido que a Sony tem investido numa quantidade menor de jogos first-party, tentando apostar mais em games que possam fazer sucesso do que expandir sua biblioteca com títulos inusitados (saudades Gravity Rush).

Ao associar essa redução com o fato de que a empresa tem levado vários de seus games ao PC, muitos jogadores alarmistas correm para sepultar a existência dos exclusivos, o que é uma análise precipitada.

De fato, a Sony mudou bastante sua postura com os exclusivos ao longo dos anos, mas vários de seus lançamentos conquistam um sucesso considerável, e dá para ver que a companhia continua investindo. Eles podem não figurar no top 10 mais vendidos em número absoluto de unidades distribuídas, mas até as 20 milhões de unidades de Horizon trazem ganhos consideráveis à empresa.

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Como mencionado anteriormente, as produtoras têm se preparado aos poucos para um futuro em que o streaming de jogos vai se tornar comum nas casas das pessoas, mas esse dia está um tanto distante ainda. O que hoje é exclusivo nos consoles PlayStation, vai passar a ser exclusivo no serviço de streaming PlayStation.

Então, respondendo à pergunta do título do artigo – sim, os jogos exclusivos do PlayStation sempre terão poder. Dificilmente vão figurar entre os títulos mais vendidos do mundo, mas são um dos pilares que sustentam a força da marca para seus fãs, algo que tem uma importância indispensável e a Sony sabe disso.