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Games como indústria: quanto dinheiro realmente movimenta o nosso hobby?

Alcançando o mundo todo e de crescimento contínuo, a indústria dos games é uma força econômica global

por João Gabriel Nogueira
Games como indústria: quanto dinheiro realmente movimenta o nosso hobby?

Entre jogos de milhões de dólares e aquisições de estúdios bilionárias, a indústria dos games tem movimentado enxurradas impressionantes de dinheiro constantemente. Já parou para pensar em quantas notas com a cara do Ben Franklin realmente rodam o mundo todo para aproveitarmos o nosso hobby?

No artigo da vez vou buscar trazer informações e contextualizar os principais movimentos financeiros do mundo do videogame, além de trazer algumas das principais projeções dos economistas para o seu futuro. 

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Os números da atualidade da indústria dos games

Vamos começar pelo que mais interessa: quanto vale a indústria dos games atualmente. Dados do Statista estimam que o mercado dos jogos e consoles soma o valor total de US$ 347 bilhões no mundo todo. Isso é o equivalente a quase R$ 1,7 trilhão na cotação do dólar no momento em que este artigo está sendo escrito.

Colocando os games na categoria de “software de entretenimento”, o segmento aparece na 15ª posição do ranking de indústrias de maior rendimento em todo o mundo.

Entre as milhares de empresas que trabalham no setor ao redor do globo, temos três que lideram o setor em presença de mercado, conhecidas como “As 3 Grandes” – ou, como eu gosto de chamar, a “Gamíssima Trindade”. Evidente que estou falando de Sony, Microsoft e Nintendo.

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Não por coincidência, são as companhias que fazem os consoles de videogame atualmente disponíveis no mercado. A Sony lidera, com uma fatia de 13% do total (dado de 2022). A Microsoft tem 8% e a Nintendo 7%. Somando esses valores e suas casas decimais, temos 29% do mercado total de jogos no mundo todo sendo dominado pelas três grandes.

Segundo dados dos relatórios fiscais das próprias companhias, compilados pelo pessoal do TweakTown, para o ano fiscal terminado em março de 2023, a Sony conquistou mais de US$ 26 bilhões em receitas. A Microsoft conseguiu um pouco mais de US$ 15 bilhões e a Nintendo ficou com US$ 12 bilhões. Mesmo os menores valores ainda são números consideráveis para qualquer indústria.

Mas é evidente que não são apenas as três maiores acumulando bilhões de dólares em renda anual. Quando falamos de renda anual, aliás, as posições no ranking da Gamíssima Trindade mudam um pouco. Os gráficos abaixo são referentes à renda anual das 10 maiores empresas de jogos no mundo, entre os anos de 2020 e 2021:

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No gráfico acima podemos ver que a Tencent está muito na frente. Trata-se de uma empresa que atua em várias frentes diferentes de produtos, mas os valores do gráfico são apenas para seus rendimentos na área de games. E pra quem não conhece, a Sea Limited é dona da Garena, que faz o FreeFire.

Neste trecho de resumo dos dados financeiros atuais para o mundo do videogame, é conveniente citar também os ganhos de algumas das franquias de jogos mais rentáveis no mundo. O problema é que as companhias nem sempre são completamente transparentes nesse quesito, preferindo falar apenas em números de vendas e não muito sobre quanto dinheiro efetivamente está sendo feito.

Mas temos pelo menos uma informação que é aceita como verdadeira atualmente – a propriedade intelectual de entretenimento com a maior renda no mundo veio de um game: Pokémon. Estima-se que os monstrinhos da Nintendo já conquistaram mais de US$ 90 bilhões para a marca desde que foram introduzidos em 1996. É evidente que este valor leva em conta não apenas os jogos, e sim todos os produtos da marca Pokémon atualmente comercializados, mas é de se ressaltar que tudo partiu de um pequeno jogo no Game Boy.

A título de curiosidade, é interessante conferir os maiores mercados de games no mundo por país. O Brasil aparece na lanterninha do Top 10 organizado pela Newzoo:

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Uma coisa interessante a se observar é como o número de jogadores não tem sempre um impacto direto no dinheiro que o mercado movimenta em cada país. A Newzoo estima que os videogames geram uma renda de US$ 2,6 bilhões no Brasil, o menor número do ranking. Enquanto isso, nosso país fica em terceiro lugar em número de jogadores, com 102,6 milhões. 

Também é importante ressaltar que dados estatísticos representam sempre uma estimativa da realidade, não sua tradução absoluta. Não é incomum empresas diferentes usarem metodologias diferentes e chegarem a resultados diferentes. É o que acontece neste caso: o pessoal do Statista tem um ranking com números e posições um tanto discrepantes da Newzoo:

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Crescimento contínuo e a pandemia

Uma das principais características que podemos observar nos gráficos mais recentes a respeito dos videogames no mundo das finanças é o fato de que o mercado não para de crescer para o segmento.

O site Visual Capitalist organizou um gráfico bem interessante para observar o crescimento do mercado de games ao longo dos anos, desde 1972 quando Pong se tornou o primeiro game para arcades considerado um sucesso comercial. A imagem abaixo traz uma versão reduzida do gráfico, que você pode conferir na resolução original clicando aqui.

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Na imagem podemos visualizar claramente o rápido “boom” que os games tiveram desde sua criação até o início dos anos 80. Pelas voltas de 1983 temos o famoso “crash” da indústria dos games, simbolizado pelo infame lançamento de E.T. the Extra-Terrestrial, no Atari. Dá para notar um considerável encolhimento no mercado, que volta a crescer poucos anos depois, especialmente com o lançamento do Famicom em 1985, o famoso Nintendinho 8bits.

Quando o mercado de games, como um todo, voltou a crescer e não parou mais. Cada segmento tem suas histórias – o arcade, por exemplo, está minguando até quase sumir, enquanto os jogos nos dispositivos móveis surgiram arrebatando todo o mercado, rapidamente se tornando o segmento mais rentável. Mas enquanto uns encolhem e outros crescem, o total não pára de aumentar.

Outro momento de crescimento notável foi de 2001 em diante, quando começaram a surgir os jogos online de imenso sucesso, o que foi refletido num investimento para levar a jogatina pela internet também para os consoles. Com os primeiros smartphones aparecendo poucos anos depois, em 2007, foi um pé no acelerador considerável para o mercado de games.

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Falando em acelerar, não podemos ignorar o impacto que a pandemia do COVID-19 teve no mundo dos jogos. Seria de se imaginar que a necessidade de manter tantas pessoas em casa acelerou a economia de produtos para uso doméstico, e foi exatamente o que aconteceu.

O instituto Nielsen de pesquisas e estatística informa que 82% dos consumidores globais jogaram videogames e assistiram a conteúdo baseado em jogos durante os lockdowns da pandemia. Analistas do instituto estimam que o crescimento foi estimulado não apenas pela busca por um passatempo, mas por um escapismo mesmo, num momento tão difícil para todo o mundo.

Essa ideia é corroborada por alguns dos jogos que mais fizeram sucesso durante o período. Títulos bem humorados e coloridos como Animal Crossing: New Horizons e Fall Guys foram imensamente populares, como aponta o Statista. Fortnite e Roblox também se saíram muito bem no período, mas são jogos que fazem sucesso o tempo todo, então fica mais difícil atribuir o impacto da pandemia nesses casos.

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A crise de 83: a história pode se repetir?

Como mencionado no trecho anterior, o gráfico de crescimento do mercado de videogames nem sempre foi uma ascendente descontrolada. Em 1983, este segmento da indústria passou por uma crise (ou “crash”) que entrou para a história.

Os primeiros arcades surgiram nos anos 70 e foram ganhando popularidade rapidamente. Logo em 72 já existia o primeiro videogame doméstico, o Odyssey, mas foi em 1976 que as realmente aceleraram com a chegada do Atari. O mercado crescia a passos largos e todo mundo queria uma fatia, inclusive diversas empresas e pessoas que não tinham lá muita vocação para a área.

Isso causou uma saturação do mercado com jogos com muito investimento e pouca qualidade (soa familiar?). As produtoras estavam enchendo as prateleiras de jogos ruins e caros, diminuindo muito o número de compradores e aumentando bastante os prejuízos. Um game que se tornou símbolo deste período e da crise resultante dele foi o E.T. the Extra-Terrestrial para o Atari.

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O jogo do E.T. é considerado por muitos o “pior jogo já feito”, e até acusado de ter “causado” o crash de 83 pelos menos sabidos. Essas declarações são exageros, mas o lançamento de E.T. representa bem o estado do mercado de games do início dos anos 80 e resultou na derrubada da Atari, que por tantos anos foi a líder absoluta do mercado de jogos.

Foi em 1985 que a Nintendo entrou no mercado de jogos, com o lançamento do Famicom (Family Computer), lançado para os nossos lados com o nome de NES (Nintendo Entertainment System). Aqui no Brasil, o console também é conhecido pelo nome carinhoso de “Nintendinho 8bits”.

A produtora japonesa do Mario se tornou uma força poderosa para “resgatar” o mercado de games da crise. A empresa promovia os jogos de seu novo console com um selo de “qualidade comprovada”, realmente aprovando apenas games que ela considerava adequados para o videogame.

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O sucesso da estratégia fez outras empresas adotarem o mesmo rumo, incluindo a Sega, que se tornaria a principal rival da Nintendo até o início dos anos 90. Todo esse movimento reaqueceu o mercado de jogos, que voltou a crescer na época e não parou mais até hoje.

A história é cíclica. Quarenta anos depois da crise de 83, será que caminhamos para um novo estouro da bolha no mercado de videogames?

Jogos do segmento triplo A têm ficado cada vez mais caros – tanto no custo de produção como no preço final para os jogadores. A qualidade, no entanto, nem sempre acompanha esses investimentos crescentes, resultando em diversos flops aparecendo no patamar dos games que se auto intitulam “premium”.

Enquanto isso, o crescimento constante do mercado continua a atrair cada vez mais pessoas e empresas interessados em conquistar suas fatias do popular mundo dos jogos. É uma situação um tanto semelhante ao período que culminou no lançamento de E.T. the Extra-Terrestrial.

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Mas as semelhanças param por aí. O crescimento exponencial do mercado de games criou uma situação bem diferente na atualidade do que tínhamos nos anos 80. Os valores são muito maiores, a base instalada de jogadores é muito maior, o número de produtoras também é muito maior. E, o mais importante, o portfólio de produções é imensamente mais diversificado.

No início dos anos 80 o mercado de games se dividia, basicamente, em PC, consoles e arcades. Hoje em dia, ainda temos esses três (apesar dos arcades estarem morrendo), e acrescentamos os portateis, jogos em VR, o recém-começado streaming e jogatina pela nuvem e, claro, o esmagador segmento dos jogos para celular. E vale mencionar que jogo de baixa qualidade pro celular é o que mais tem, então isso por si só não será um problema tão cedo nesses dispositivos.

Isso não quer dizer que seja impossível ver um “estouro da bolha” em algum sentido, especialmente para o segmento triplo A que parece ser o mais afetado. Uma crise nas grandes produtoras dos maiores jogos do mundo certamente resultaria em ondas que afetariam todos os segmentos da indústria, mas é pouco provável que seria um crash generalizado para um mercado tão imenso.

Tendências e projeções

“Nunca se sabe o dia de amanhã”, diz o conhecimento popular. Mas isso não impede economistas e tarólogos de tentar adivinhar, então vamos ver um pouco do que dizem para o futuro do mercado de games. Os economistas, no caso, não os tarólogos.

O site Statista tem um dos gráficos mais atualizados da área, apontando para uma renda total de quase US$ 385 bilhões para a indústria dos games quando terminar este ano. Em 2024, o segmento já deve romper a marca dos US$ 400 bilhões, e depois dos US$ 500 bilhões em 2026.

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As projeções mostram crescimento em todas as áreas, apesar de algumas bem mais tímidas que outras. Dispositivos móveis, como esperado, apresentam o crescimento mais expressivo, mas analisando proporcionalmente a jogatina em nuvem também deve ter um crescimento considerável – de acordo com as previsões dos economistas.

Também é interessante observar o crescimento na base instalada de usuários, que não é diretamente proporcional ao rendimento de cada segmento. O Statista aponta crescimento contínuo para celulares e jogatina na nuvem, como já ficou esperado, mas neste gráfico chama especialmente a atenção a linha de streaming de jogos, marcada em cinza.

As famosas lives de gameplay tiveram uma guinada de 2020 pra cá, e os analistas esperam que a tendência continue para os próximos anos, deixando a linha cinza com um crescimento consideravelmente acentuado. É bem curioso notar como vai crescer um mercado no mundo dos games que ninguém imaginou que existiria na década de 80.

O crescimento do número de jogadores interessados em fazer streaming de suas jogatinas não tem sido ignorado pelas produtoras, e já pode ser observado na prática. Não apenas no “boom” de clones de Five Nights at Freddy’s e outros jogos de susto para as pessoas se gravarem gritando, mas também até nas configurações dos games, com opções específicas para a transmissão de gameplay se tornando cada vez mais comuns.

Essa grande diversidade de segmentos no mercado de games, simplesmente inconcebível na época da crise de 83, serve não apenas para ajudar a proteger a indústria contra um crash generalizado, mas também para instigar nossa imaginação sobre o futuro. 

Na época do Atari ninguém acreditaria em um mundo em que todo mundo andaria com um dispositivo capaz de rodar jogos no bolso – até jogos bem pesados em regiões onde é possível o streaming. Mais difícil ainda seria imaginar as pessoas movimentando tanto dinheiro apenas mostrando suas jogatinas para os outros assistirem.

Quais segmentos ainda podem surgir na indústria dos games? Será que viveremos para viver outra invenção tão arrebatadora como foi a introdução dos jogos mobile no mercado? Essa futurologia me parece mais interessante de exercitar do que tentar adivinhar números.