The Chant: vale a pena?
Obrigatório para fãs de survival horror, The Chant é tudo (e um pouco mais) que a indústria precisava
Com os futuros retornos de Alan Wake, Silent Hill, Dead Space, Alone in the Dark e Resident Evil, é possível afirmar: o survival horror está muito bem representado. Porém, nós sabemos que em coração de fã sempre tem espaço para mais um, especialmente se for competente e cumprir com a proposta do gênero. E esse título pode ser The Chant.
Desenvolvido pela Prime Matter, o game é uma experiência de ação e terror em terceira pessoa baseada nas tramas de seitas. Inspirado em conceitos de Lovecraft e nas técnicas cinematográficas de Gaspar Noé, o título se destaca pela personalidade e por conceitos originais — tudo sem deixar de ser bastante familiar para a comunidade.
A história do cântico
A trama de The Chant intercala entre duas épocas distintas: a década de 1970 e os tempos atuais. No passado, um líder de culto criou o conceito de Ciência Prismática para idolatrar uma entidade que supostamente seria capaz de extrair os sentimentos negativos das pessoas. Na tentativa de ressuscitar o conceito conhecido como “Penumbra”, algo deu errado.
Por décadas, o ritual de invocação permaneceu adormecido, mas a seita continuava em atividade em uma floresta remota dos EUA. Quando Jess Briars decidiu viajar à Glory Island para superar um trauma de sua infância, tudo indicava que ela era a peça restante para a conclusão de um evento desejado pela mente-guia, Tyler Anton.
Durante a execução do cântico, todos os membros se reuniram em um círculo e iniciaram o ritual. Porém, em um momento de desespero, Kim Mallari, amiga de Jess, sofre com alucinações. Ao fugir da tenda e interromper o evento, ela causa uma união entre o mundo real e o cosmos, abrindo portais para outra realidade e infestando a ilha com pesadelos.
Inspirado no horror cósmico, The Chant traz referências de filmes como “O Culto” (2017) e “A Seita” (2015) para apresentar sua principal proposta. Além de ser mostrado em uma estética chamativa e com elementos transcendentais, o game chama a atenção por seus efeitos psicotrópicos, simbologia das cores e deformidade física constante.
Cada personagem tem sua história e motivações. E apesar de haver algumas cenas fundamentadas em clichês, as atuações não devem ser desconsideradas. Traumas, rancores, arrependimentos e problemas comuns para a sociedade são extraídos de forma fiel e convincente, especialmente quando há situações de desespero onde é preciso seguir em frente.
Gameplay reciclado, mas funcional
The Chant possui um excelente plano de fundo e uma história atraente e instigante, mas é no gameplay que fica seu grande destaque. Fãs de The Evil Within e Shadows of the Damned ficarão deslumbrados com a movimentação precisa, com os comandos funcionais e com o nível de dificuldade acessível, tanto durante a exploração quanto no combate.
O game oferece rodas de ferramentas, criação de recursos, ações livres de esquiva e corrida por meio de ativação. Além disso, saltos, aberturas de portas, viagem rápida (muito interessante, aliás) e mecânicas alternativas ocorrem através do botão “X” e se limitam a áreas restritas, como casas, janelas abertas, troncos caídos e aberturas.
A experiência da Prime Matter não introduz uma personagem frágil e, devido a seu contexto, nada soa como antirrealista. Durante a campanha, Jess é afetada pela Penumbra e desenvolve dons espirituais. Essa mecânica traz variação para o combate e deve ser utilizada de forma estratégica, pois cada ativação consome o medidor de Espírito.
Diferentemente de seus “primos”, digamos assim, The Chant tem o combate melee por essência. Ferramentas de exorcismo podem ser fabricadas após a coleta de recursos específicos, mas sem haver exagero nesses itens. Isso quer dizer que os fãs não precisam se preocupar em acumular muitas informações.
Por fim, Jess também consegue criar “gadgets” que se provam super úteis nas batalhas: sal, explosivo e ácido. Essas funções têm utilização dupla no game e podem ser deixadas no chão como armadilhas táticas ou arremessadas em criaturas para atrasar seus movimentos ou investidas. E, realmente, é tudo muito intuitivo.
Quanto trama e mecânicas se relacionam
Em The Chant, o gameplay está diretamente relacionado com a história. Após entrar na seita, Jess desenvolve habilidades de Corpo, Mente e Espírito e pode fortalecê-las não apenas por meio de uma árvore de atributos, mas também em ações.
Escapar de zonas ocupadas pela Penumbra, derrotar inimigos em combate e escolher diálogos específicos durante a interação com os NPCs favorece as melhorias da protagonista no aspecto desejado pelo jogador. Além disso, o game oferece uma mecânica interessante de Meditação, onde é possível sacrificar o medidor de Espírito para fortalecer a Mente.
Basicamente, como funcionam esses três segmentos? Mente controla a sanidade de Jess. Quanto mais tempo ela passa na Penumbra ou é afetada por invasões cerebrais dos inimigos, mais é reduzido do medidor de Mente. Caso o contador chegue a zero, ela entra em estado de insanidade e medo e deve fugir dos perigos, a fim de restabelecer sua coragem.
Corpo é o mais óbvio: esse atributo é que define os pontos de saúde de Jess. Enquanto isso, o Espírito permite o uso de habilidades especiais por meio dos primas, incluindo Stasis para deixar o tempo mais devagar, criação de espinhos de trevas e invocação de Sectários para infestar e danificar os monstros.
Além disso, é possível encontrar mais informações sobre o culto da Ciência Prismática por meio de arquivos, imagens e registros de vídeo espalhados por Glory Island. Dezenas de conteúdos oferecem entrevistas com o líder anterior da seita, bestiários com informações sobre as criaturas, textos com dicas de progressão em puzzles, chaves de inventário e mais.
Tudo isso contribui para que o gameplay valha a pena e não seja apenas conteúdo para “encher linguiça”. Quanto mais se descobre sobre a trama por meio de sistemas de jogo e da progressão, mais se compreende sobre as motivações e propósito de todo aquele horror.
Apresentação de cinema
The Chant é, de fato, uma experiência cinematográfica. O título chama a atenção por seus diversos aspectos narrativos, que felizmente são bem contados por meio de linhas de diálogo pontuais, sincronização labial e expressões faciais. Além disso, os meios técnicos, como trilha sonora, fotografia e iluminação são de encher os olhos.
O game é uma obra nativa de terror e parte tanto para o psicológico quanto para a tensão de jumpscares. Durante a campanha, jogadores mais receosos devem levar bons sustos, especialmente após atravessarem momentos raros de uma leve calmaria. As batalhas também se destacam pela brutalidade e animações, com hitbox satisfatórias e sensação de peso.
Todo o contexto de The Chant é pontual, e claramente há como perceber que foi um projeto fabricado por entendedores do ramo audiovisual. No game, não há excessos: quebra-cabeças, mesmo inteligentes, não demandam muito tempo, enquanto o sistema de ir e vir da exploração é favorecido pelo level design objetivo e colaborativo do mapa.
Fãs de terror e survival horror podem aguardar bons momentos. Mesmo com o final anticlimático, o título oferece uma história redonda e sem pontas soltas — caso os arquivos sejam recuperados. Há, de fato, um roteiro comprometido com o raciocínio do espectador e uma jornada cheia de reviravoltas.
Um game que faz demais, mas ama pouco
Essa frase pode soar estranha, mas The Chant não amou o tanto quanto devia amar. Isso porque o game é, definitivamente, uma carta de amor aos fãs do gênero e das histórias de culto, mas sua limitação geracional é muito, mas muito mal justificada.
Tecnicamente falando, as paisagens e efeitos de partícula no game são primorosos; prepare-se para ficar horas somente apreciando os cenários montanhosos e desolados. Porém, uma falta de polimento no design dos personagens e o travamento do jogo a 30 FPS — sem grandes quedas reparadas — passa a impressão de algo aquém do seu tempo.
Podemos afirmar ser impossível alguém experimentar o título e não imaginá-lo no PS4, por exemplo. The Chant não faz o “estilo” da nova geração de consoles em relação à resolução e performance.
Outra questão é o fator replay praticamente zero. Após terminar o primeiro gameplay, a única coisa que resta é tentar novamente em uma dificuldade alternativa e padrão — apenas fácil, médio e difícil. Não há conteúdos desbloqueados após o fim da campanha, modos desafiadores para speedrunners, galerias de informações no menu… Nada.
The Chant: vale a pena?
The Chant é um dos melhores jogos de terror do ano e tem um grande potencial para se tornar franquia. É um projeto super recomendado para fãs do gênero que buscam uma campanha desafiadora e visualmente satisfatória. E caso você esteja procurando um projeto com preço mais acessível, o título custa apenas R$ 199 na PS Store.
O título da Prime Matter é obrigatório para quem busca alternativas no survival horror “over-the-shoulder” e se destaca pelas suas inúmeras mecânicas originais. Imperdível, o game sabe explorar temas desafiadores com primor e impacta o coração dos mais sensíveis, apesar de suas limitações gráficas.
Veredito
Vantagens
- Mecânicas de jogo muito funcionais
- Gameplay sem excesso de informações
- Dificuldade adaptativa com várias possibilidades de abordagem
- Personagens muito interessantes em uma história coesa
- Survival horror despretensioso e com muito potencial
- Design artístico original e muito bem produzido
Desvantagens
- Gráficos não são de nova geração
- Final anticlimático
- Ausência de conteúdos e de fator replay