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A Realidade Virtual (VR) tem chances de se tornar mainstream?

Quais os planos da Sony para a tecnologia com o lançamento do PSVR 2?

por João Gabriel Nogueira
A Realidade Virtual (VR) tem chances de se tornar mainstream?

A realidade virtual (VR) lentamente está se tornando uma tecnologia viável para o mercado de jogos. A Sony recentemente reiterou seu investimento considerável na área com o lançamento do PSVR 2, segunda geração de seu headset para a realidade virtual.

Quais são os planos do PlayStation e outras fabricantes para o futuro da realidade virtual? Será que esse jeito de jogar tem chances de se tornar mainstream ou para sempre será considerado um nicho? Vamos debater essas e outras questões no artigo da vez.

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VR não é nenhuma novidade

O uso da realidade virtual nos jogos está vivendo seu momento mais aquecido nos últimos anos, com diferentes empresas oferecendo as mais diversas soluções, o que impulsiona o número de jogos compatíveis com o recurso.

Além do PSVR, que fez sua estreia em 2016 no PS4, temos várias alternativas de headsets para VR, como o HTC Vive – que é feito numa parceria entre HTC e Valve – e o Oculus Quest, que no passado foi Oculus Rift e pode ser considerado um dos grandes precursores do “embalo” atual da indústria VR.

Apesar da popularidade atual da tecnologia, não é nenhum segredo que ela é antiga e muitas tentativas foram feitas ao longo dos anos. A ideia de se colocar dentro do espaço virtual de um game é tão antiga quanto os jogos em si, mas o conceito de uma realidade virtual já apareceu muito antes dos primeiros games. Muito antes mesmo.

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A Sociedade de Realidade Virtual (VRS) do Reino Unido considera que o desenvolvimento da tecnologia começou no século XIX, com o conceito da visão estereoscópica estudado por Charles Wheatstone, em 1838.

Foi a pesquisa de Wheatstone que demonstrou que é possível “enganar” o cérebro usando duas imagens bidimensionais. Usando um estereoscópio para observar uma imagem com cada olho, o objeto resultante na nossa percepção assume um formato de três dimensões. Esse conhecimento quase bicentenário é a base da realidade virtual até hoje.

Vou saltar alguns anos para trazer o foco do artigo de volta aos games, indo direto para os anos 90, quando todo o conceito de realidade virtual estava muitíssimo em alta no mercado. A tecnologia era amplamente retratada no cinema e outras obras de ficção científica, e começavam a surgir empresas como a Virtuality Group.

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A Virtuality renderia todo um artigo à parte, dado o tamanho de sua importância no desenvolvimento das tecnologias de realidade virtual para o consumidor comum. Mas vamos manter nosso foco nos produtos voltados para consoles e uso doméstico, a fim de evitar um texto quilométrico.

Foi em 1991 que a Sega começou a trabalhar num óculos de realidade virtual para o Mega Drive. Exatamente, os tão modernos headsets VR para jogar videogame em casa começaram suas primeiras tentativas ainda na geração de 16bits. Os anos 90 foram uma época em que todo o conceito de realidade virtual estava em alta na mídia,

O Sega VR, no entanto, nunca chegou às prateleiras. A empresa já tinha investido bastante nos produtos, mas grupos de testes indicavam que usuários, principalmente crianças, ficavam enjoadas demais usando o produto, tendo inclusive tontura e dores de cabeça. Em 1993, depois de dois anos desenvolvendo seus óculos de realidade virtual, a companhia decidiu que seria melhor cancelar o Sega VR do que ter mais prejuízo ainda enfrentando processos e reclamações com um produto que fazia mal à saúde.

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Baixas resoluções e oscilações na taxa de frames por segundo são os grandes motivos para causar náuseas quando se tenta jogar em VR até hoje. É de se imaginar que as limitações de hardware do Mega Drive na época foram as causadoras do problema com o Sega VR.

E claro que não posso deixar de citar o Virtual Boy neste artigo. Para não ficar para trás da Sega e também surfar na onda do VR nos anos 90, a Nintendo preparou sua própria solução com a tecnologia na forma de um dos maiores fiascos da história da companhia, o Virtual Boy, lançado em 1995.

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O console não oferecia uma realidade virtual propriamente dita, era mais um óculos estereoscópico que usava luzes de LED vermelhas para criar imagens em 3D. Ou seja, o usuário podia apenas enxergar tudo em vermelho e preto, além de ser obrigado a usar os óculos presos à uma base em cima de alguma superfície. Tudo isso pela bagatela de US$ 180 (na época). Hoje em dia é fácil enxergar porque o produto foi um fracasso em vendas, sendo encerrado apenas um ano depois de seu lançamento original.

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O Virtual Boy marcou o fim de uma era para a realidade virtual nos anos 90. O desenvolvimento da tecnologia não conseguia acompanhar as ambições de seus entusiastas e investidores, até que as pessoas começaram a desistir. A ideia de levar VR aos games jamais morreria, mas ficou adormecida por uns bons anos. Mais ou menos até 2012.

A renascença do VR

Palmer Luckey, Brendan Iribe, Michael Antonov e Nate Mitchell começaram juntos um projeto no Kickstarter em 2012. Eles queriam usar a plataforma de crowdfunding para arrecadar US$ 250 mil e criar um novo headset de realidade virtual para jogar no PC, o Oculus Rift. Nascia a empresa Oculus.

Dizer que a empreitada foi um sucesso seria correto, mas impreciso. Luckey e seus sócios arrecadaram quase dez vezes o valor pretendido, conquistando US$ 2,4 milhões para a continuidade de seu projeto. Números assim não passariam despercebidos pelas gigantes da tecnologia.

Apenas dois anos depois, em 2014, o Facebook adquiriu a Oculus por um investimento de US$ 2,3 bilhões, consolidando de vez o interesse de nomes maiores da indústria em revisitar a tecnologia para os games. É discutível o nível de influência que o Facebook tem hoje em dia, mas na época a rede social certamente era um titã na indústria e esse tipo de investimento aqueceria qualquer mercado.

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Não muito tempo depois apareciam as primeiras informações sobre o Vive, o headset de realidade virtual que surgiu de uma parceria entre a Valve e HTC. Neste momento já tínhamos algumas versões de headsets da Oculus e, contando outras tentativas de marcas menos conhecidas, o PC contava com um bom número de opções e de jogos para experimentar o VR.

Some mais dois anos e chegamos a 2016, ano de lançamento do PlayStation VR – o PSVR – em outubro. Com a entrada de uma das três grandes dos consoles no mercado, estava consolidada sua renascença, independentemente do interesse da maioria dos jogadores. O investimento da dona do PlayStation ajudou também na criação e promoção de ainda mais jogos, alguns com exclusividade temporária no videogame e outras práticas do tipo, comuns para a Sony.

Grande parte do que possibilitou o reacendimento do interesse em soluções domésticas para headsets VR foi o desenvolvimento de tecnologias voltadas para o celular, na verdade. A criação de soluções cada vez menores e mais baratas para câmeras e sensores de movimento, de gravidade, de posição, etc. possibilitou criação de headsets com uma imersão muito mais realista na realidade virtual de um jogo. Isso sem contar os displays com mais resolução e o hardware capaz de rodar os games com menos engasgos – evitando enjoos e mal estar na maioria dos casos.

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Isso não quer dizer que os headsets para VR ficaram baratinhos, de maneira alguma. O PSVR foi lançado por US$ 399 e o seu sucessor, o PSVR 2, acaba de chegar pelo preço sugerido de US$ 550. É mais caro do que o próprio PS5, em seu lançamento.

O que a evolução da tecnologia mudou, principalmente, é o benefício que os jogadores sentem pelos seus investimentos. Headsets VR atuais são capazes de detectar a posição exata da sua cabeça, para onde você está olhando e, pareados com controles, rastreiam a posição de suas mãos e seus comandos. É uma experiência que você pode ter em casa que só era possível em locais especialmente dedicados a isso nos anos 90, com máquinas enormes.

Mas isso é suficiente para o VR se naturalizar como mais uma forma de jogar vídeo game ou estamos olhando para uma nova bolha, assim como aconteceu nos anos 90?

Um nicho lucrativo?

Oferecendo uma forma completamente diferente de jogar com valores bem proibitivos, é fácil dizer que VR é um nicho nos games. No momento é complicado avaliar se a tecnologia vai seguir adiante ou se passa por mais um momento de “modinha”, mas certamente tem uma presença relevante na atualidade.

A aquisição da Oculus pelo Facebook, por exemplo, é parte de um grande plano da companhia para o metaverso, que seu CEO e fundador Mark Zuckerberg enxerga como sendo o próximo grande passo para a indústria da tecnologia. Podemos afirmar com tranquilidade que a companhia ainda vai investir muito em VR pelos próximos anos.

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A HTC, enquanto isso, continua expandindo sua linha Vive, com cada vez mais opções de headsets e outros acessórios relacionados ao mundo da realidade virtual, não ficando somente nos games. No início deste ano mesmo a empresa anunciou o Vive XR Elite, um modelo ainda mais caro e avançado de seu headset para VR.

O PSVR, enquanto isso, “superou as expectativas” da Sony, segundo seu CEO Jim Ryan. Em 2019 ele comentou que uma em cada 20 pessoas que compravam o PS4 adquiriam também um PSVR, jogos e acessórios. “Eu me sinto feliz com isso”, declarou o executivo. No ano seguinte, em 2020, a Sony anunciou que tinha superado a marca de 5 milhões de unidades vendidas para o PSVR e este é o último dado oficial que temos.

Apesar da “empolgação” da Sony com VR, parece que a segunda geração do headset de realidade virtual para o PlayStation não começou tão bem quanto a empresa gostaria. Informações não oficiais deste ano indicam que a empresa reduziu pela metade sua expectativa de número de vendas para o PSVR 2 depois de ver que a pré-venda não estava muito aquecida. O número teria baixado de 2 milhões para 1 milhão. A Sony negou que isso tenha acontecido.

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O PSVR 2 ainda não foi lançado, então não temos pronunciamentos ou números oficiais ainda. O que podemos ver, nitidamente, é como a empresa tem investido em ter um portfólio consideravelmente maior de títulos para a nova geração de seu dispositivo de realidade virtual logo em sua estreia. Isso é um indicativo de que, independentemente do número de unidades vendidas, a Sony ainda está apostando na tecnologia.

É assim que analistas de mercado levantam uma possibilidade interessante para o VR na atualidade. Enquanto a Meta, dona do Facebook, investe em alcançar o maior número possível de usuários, fabricantes de produtos voltados para jogadores podem escolher mirar em vender menos quantidade, com uma margem de lucro maior.

“Se você falar de número de usuários, eu acho que a Meta tem mais potencial. Mas se você falar de dólares, eu acho que é aí que pode qualquer uma sair na frente. O motivo que me faz dizer isso é porque os jogos do PSVR têm sido normalmente mais caros do que eles têm sido no Quest 2”, declarou Jitesh Ubrani, gerente sênior de pesquisa de mercado na IDC.

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É um raciocínio que faz sentido. Para jogar de maneira confortável, é necessário que o dispositivo VR tenha tecnologias avançadas de alta qualidade, o que resulta em produtos caros. Em vez de tentar contornar o problema, empresas voltadas para jogos podem simplesmente abraçar isso e mirar numa margem de lucro grande numa quantidade menor de produtos vendidos.

Se isso vai dar certo ou não, só o tempo dirá. A Sony pode decidir ser mais transparente ou não a respeito dos números do PSVR 2, mas poderemos ver com facilidade outros sinais que indicam o sucesso ou não do produto – na quantidade de games sendo produzidos diretamente pela empresa, por exemplo.

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Para concluir, deixo um questionamento que pode ser interessante. Será que, num futuro onde deixa de ser necessário comprar um console e pagar por cada game para jogar, investir num dispositivo VR e seus acessórios ficará mais atrativo para um número maior de pessoas?