Afinal, para que servem as notas de games?
As maiores controvérsias das reviews partem mais dos números do que dos textos
Digimon Survive foi lançado em julho deste ano, depois de um período bem conturbado de desenvolvimento. O game recebeu notas variadas em suas reviews em diferentes sites especializados, o que resultou numa média entre 7,0 e 8,0 – dependendo do agregador que você utilizar. Quando olhamos para o Metacritic, sua nota de 69 foi bem próxima do 70 que o game recebeu aqui no MeuPlayStation.
O caso deste jogo é um exemplo bastante emblemático para o que será discutido neste artigo: até onde, afinal, a nota da review de um jogo é capaz de definir se ele vale ou não a pena ser jogado? E o que buscam os leitores acessando uma review – uma fonte de informação ou de validação? Então vamos falar mais das notas de games em si antes de retomarmos o exemplo de Digimon Survive.
A nota de um jogo, muitos vão concordar, serve como o jeito mais resumido possível de tentar medir a qualidade do produto, e pode ser usada também para ajudar no processo de comparar diferentes produtos. Games demandam tempo e dinheiro, dois recursos que podem ser bastante escassos na vida da maioria das pessoas, então muitos jogadores escolhem seu próximo título em detrimento a outro. Numa grande dúvida entre duas opções, não são poucos os jogadores que vão recorrer às notas para um desempate.
Pela sua própria natureza de “jeito mais resumido possível”, no entanto, uma nota pouco fala sobre as qualidades e defeitos de um game. Os 70 pontos de Digimon Survive lhe dizem que é um game mediano na opinião de quem escreveu sua review, mas não dizem o que, efetivamente, o jogo tem de bom pra não ficar abaixo da média, nem o que tem de ruim para não merecer mais pontos. E essas informações deveriam ser mais importantes para qualquer tomada de decisão do que apenas um número abstrato.
Ainda assim, é sobre esse número abstrato que vemos muito mais as pessoas comentando na internet. É no barulho das redes sociais que as notas de games se transformam em algo diferente, que pouco tem a ver com o processo de tomada de decisão na compra de um produto. Elas viram munição para guerras inócuas e lenha para fogueiras de vaidades.
A proposta de uma review, em sua concepção, é expor as ideias e opiniões de um autor que jogou. Como bem sabemos, existe um grande número de pessoas online que busca opiniões de outras não para um debate de ideias ou para um aprofundamento de suas noções, mas sim para reforçar e validar seus próprios pensamentos.
Ao se deparar com opiniões que contradizem seus conceitos previamente estabelecidos, a pessoa pode tentar entender os pontos e avaliar se concorda ou discorda deles, ou pode escolher negar as ideias expostas e criar uma barreira mal-humorada e briguenta contra o que não lhe convém. E fica especialmente difícil avaliar as opiniões de um autor quando a pessoa só olha a nota de um jogo, então a segunda opção fica bem comum na categoria de quem não lê as reviews, mas ainda debate as pontuações.
É aqui que eu retomo o exemplo de Digimon Survive. O game foi anunciado originalmente em 2018, com lançamento inicial previsto para 2019. A pandemia do COVID-19 e diversas outras complicações levaram a adiamentos do jogo, e sua estreia só foi acontecer neste ano, em 2022.
Durante o período de anúncio, adiamentos e divulgações, um grande número de jogadores interessados já foi construindo suas expectativas sobre o jogo. Depois do lançamento, muitas dessas pessoas correram para as reviews não para ter um insight de como é Digimon Survive, mas sim para confirmar que estavam certas. E tem muita gente que não sabe lidar com não ter suas expectativas atendidas.
Escolhi Digimon Survive como exemplo porque é um game menor, mas sua história é a mesma que muitos outros, de diferentes tamanhos de investimento. A trajetória de Cyberpunk 2077 também foi essa, mas com um marketing assustadoramente maior, que resultou em muito mais barulho, obviamente.
Notas de games só para atender expectativas?
Entre as pessoas que buscam as notas de games apenas para terem suas expectativas atendidas, existem aquelas que nem baseiam essas expectativas no jogo em si, mas sim na possibilidade de usar o desempenho dele nas reviews em brigas por causa de console ou marca. Todo jogo exclusivo fica imediatamente na mira daqueles favoráveis à plataforma, que vão usar uma possível nota alta para enfatizarem que fizeram a melhor escolha; e daqueles contra, que torcem por notas baixas para terem mais uma maneira de difamar seus “adversários”.
Se partirmos do ponto de vista que esse seria um “mau uso” das notas, qual seria, então, a solução? O Kotaku é um dos maiores sites de games do mundo e, famosamente, dispensa as notas. O site é tão avesso às pontuações que se livrou até de seu antigo sistema de recomendação ou não nas reviews, por enxergar ali algo que também estava se tornando um jeito de dar nota.
Não são poucos os artigos disponíveis no Kotaku explicando o porquê do site dispensar as notas, e muitos deles são assinados pelo famoso Jason Schreier, dos tempos em que o jornalista ainda estava por lá. Em resumo, muitos dos argumentos se voltam ou partem de um mesmo problema: a perspectiva de que as notas de games incentivam e/ou ajudam as pessoas que falam delas a não lerem os reviews.
Observando as críticas contra as notas e suas vantagens, chegamos a uma conclusão interessante, de que o lado mais positivo e mais negativo dessas pontuações parte da mesma coisa, de dispensar o texto.
Desenvolvendo melhor a ideia, a nota pode ter um bom propósito quando serve para o jogador bater o olho e ter uma noção imediata da opinião do autor do review. “Olha só, o MeuPlaystation viu sérios problemas em Cyberpunk 2077”, pode pensar um leitor ao ver a nota 50 que o game emplacou no PS4. É uma maneira rápida de ter uma noção da análise antes de clicar, e isso tem seu lado positivo. Mas quais seriam esses problemas? Só lendo a review para saber.
A nota passaria a ser uma complicação, então, quando a pessoa não toma esse segundo passo, de ler a review que lhe originou. É observar que determinado site viu problemas num jogo e correr para se engajar nas discussões sem entender o porquê.
Esse foco no valor final da nota ignorando o texto também gera comparações descabidas. Retomando aqui a situação em que muitas vezes nos vemos, obrigados a decidir qual será o próximo título em que vamos investir nosso tempo e/ou dinheiro, não é incomum que jogos de categorias completamente diferentes comecem a ser medidos pela mesma régua.
Digimon Survive é melhor do que Cyberpunk 2077 porque obteve uma nota vinte pontos maior? São jogos de gêneros completamente diferentes, com propostas distintas. O famoso ditado fala que não se deve comparar maçãs com laranjas, mas neste caso seria como comparar maçãs com frango ou qualquer outra coisa que nem fruta é. Quando comparamos jogos totalmente diferentes, corremos o risco de julgar um peixe pela sua capacidade de subir em árvores – aliás, fica aqui um fato interessante: esse pensamento muitas vezes é atribuído a Albert Einstein, mas o famoso físico alemão nunca disse isso.
Não bastasse isso, a comparação somente das notas exclui completamente o contexto do lançamento dos jogos. No exemplo acima, ainda que os dois games fossem totalmente parecidos, olhar apenas as notas não levaria em conta os infames bugs de Cyberpunk que tanto atrapalharam o jogo em seu lançamento e que estão sendo corrigidos.
Podemos então concluir que as notas de games podem ser uma ferramenta útil, mas que perdem qualquer significado quando ignoramos o texto que lhes originou. E, depois de escrever todo um artigo falando da importância de ler uma review antes de falar de sua nota, não espere aqui nesta conclusão um resumo das ideias do texto pra você não precisar ler.