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A “maldição dos games” finalmente foi quebrada! Pela trigésima vez…

As adaptações do videogame para as telonas têm se dado muito bem - mas isso é algo realmente novo?

por João Gabriel Nogueira
A “maldição dos games” finalmente foi quebrada! Pela trigésima vez…

O filme do Mario pode não ter sido um sucesso entre os críticos de cinema, mas está bombando com o público e quebrando recorde atrás de recorde na bilheteria. A produção fez sua estreia pouco depois do sucesso imenso da série de The Last of Us na HBO, o que ajuda a criar um clima de que as adaptações de games para o cinema e para a TV vivem um grande momento.

É aí que vemos muito conteúdo aparecendo na internet comemorando o fim da “maldição dos games” –  um jeito meio meme de se referir à dificuldade de se adaptar os jogos para filmes e séries, e a quantidade de obras terríveis que se originaram das tentativas.

Mas será que essa tal de maldição foi quebrada mesmo? Ou melhor, ela realmente existia, pra começo de conversa? No artigo da vez quero analisar mais cuidadosamente a verdade por trás do meme e, quem sabe, ajudar a gerenciar as expectativas para o futuro.

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A origem da “maldição”

Se você é uma pessoa supersticiosa e acredita que realmente existiam forças sobrenaturais atrapalhando o desenvolvimento de decentes adaptações de videogames para o cinema ou para a TV, o primeiro filme do Mario pode servir como um ótimo argumento para a origem da maldição.

Super Mario Bros., de 1993, é infame pela sua tosquice, sendo considerado não apenas um péssimo filme baseado em jogo, mas um dos piores filmes mainstream já feitos em qualquer categoria. E esse foi o primeiro longa metragem live action baseado num videogame, então certamente entramos na área com o pé errado.

O filme original do Mario é, acima de tudo, muito esquisito. Acredito que os leitores que chegaram a assistir vão concordar comigo que a principal emoção que essa obra causa é a de confusão. Olhamos para a tela perplexos durante toda a duração da história com apenas uma pergunta na cabeça: “por que?”.

Por que o Mario é um gangster do Brooklyn? Por que os Super Mario BROS não são irmãos? Espera, ele se chama Mario Mario? Por que o Toad é um músico de rua com topete? Por quê!?

É fácil apontar a falta de fidelidade com o material de origem como um dos problemas para este filme, mas a verdade é que esse é apenas um dos muitos ingredientes na receita deste desastre. E talvez nem seja o ingrediente principal. O filme de 1993 dos Super Mario Bros. teve uma produção terrivelmente conturbada, com diretores inexperientes e brigas constantes no set de filmagem. Bob Hoskins, o saudoso ator que viveu o Mario, não escondeu sua opinião sobre a experiência:

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A pior coisa que já fiz? Super Mario Brothers. Foi a p* dum pesadelo. Toda a experiência foi um pesadelo”, declarou Hoskins para o The Guardian em 2007. “O filme tinha um time de marido e mulher dirigindo, cuja arrogância foi confundida com talento. Depois de tantas semanas, o próprio agente deles os mandou embora do set! P* de pesadelo. Idiotas f*.

A história deste filme daria todo um artigo, talvez até maior que este. Mas eu não poderia deixar de citar a primeira super produção live action já feita baseada num videogame, e o fiasco que foi. Atualmente o filme tem lá seus fãs – mesmo com todos os seus defeitos, é uma obra bem original nas veias do sci-fi/fantasia que populava as telas pelos idos dos anos 90. Se você nunca viu, vale a pena conhecer, nem que seja pra xingar também.

Alguns exemplos notáveis

O primeiro filme do Mario não foi apenas um fiasco de público e crítica, mas também de bilheteria – que é a métrica que realmente importa para as produtoras. Mesmo assim, isso não foi suficiente para que as grandes empresas parassem o trem das adaptações para o cinema.

O que fez com que produtoras não desistissem de tentar levar videogames para o cinema mesmo depois da primeira tentativa ser tão desastrosa? A resposta é simples. Os jogos oferecem as duas coisas que os executivos por trás dos filmes mais amam: marca reconhecida e público cativo.

Trata-se do mesmo motivo que leva todo livro best-seller ou quadrinhos imensamente famosos a se tornarem filmes — também com resultados muito variados. São mídias que já contam com um público garantido de consumidores, além de se tornarem marcas famosas até para quem não consome. Em 1993 você poderia nunca ter encostado num videogame, mas provavelmente já teria ouvido falar do Mario.

É com essa lógica que as adaptações de games para o cinema nunca pararam de vir. Várias igualmente odiadas pelo público e pela crítica, mas muitas bem melhor sucedidas no quesito “fazer dinheiro”. Cabe aqui ressaltar alguns desses nomes.

Street Fighter saiu logo no ano seguinte ao filme do Mario, chegando em 1994 quase em cima do natal. Foi uma produção também bastante conturbada, quase que igualmente criticada por público e profissionais da área, mas se deu bem na bilheteria. Apesar de um certo fiasco na estreia, sua arrecadação mundial superou o custo de produção e foi suficiente pra deixar a Capcom feliz em seu projeto de extrair mais conteúdo de suas franquias (foi comentado neste artigo).

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Mais um ano depois e tivemos Mortal Kombat, que continuou caminhando a passos lentos no sentido de conseguir mais sucesso como uma adaptação de videogame. Essa obra chegou também um ano depois, em 1995, e já foi menos criticada no geral, sendo a primeira a romper a barreira dos US$ 100 milhões na arrecadação mundial de bilheteria.

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Mantendo o foco no cinema live action (o trecho sobre animações vem depois), tivemos Lara Croft: Tomb Raider em 2001. O filme teve um investimento e um retorno bem maiores, passando bem dos US$ 250 milhões na arrecadação mundial, além de ser uma das principais produções para lançar Angelina Jolie à sua fama atual.

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E assim continuaram as adaptações de games ao longo de anos até hoje. Várias são criticadas pelo público, mais ainda por profissionais da área, mas muitas conseguem oferecer retorno financeiro, o que faz as produtoras continuarem tentando.

Quando falamos sobre uma possível “maldição” das adaptações de games para o cinema ou TV, então, estamos nos referindo à qualidade das obras e o tanto de críticas que recebem. Com certeza tivemos muitos fiascos financeiros, mas só a quantidade de tentativas desde o famigerado filme do Mario mostra que as produtoras consideram esse um bom investimento.

A principal conclusão é que, se essa tal maldição existe ou existiu, ela é referente ao número de pessoas chamando uma adaptação dos games de “boa” – e é aqui que entra o assunto animações. Só que antes de me aprofundar nessa parte, eu preciso reservar um pequeno trecho pra falar de uma figura bizarra do mundo das adaptações de videogame: Uwe Boll.

Uwe Boll quer resolver no soco

Eu não posso escrever todo um artigo sobre adaptações de games para o mundo dos filmes sem comentar sobre um dos cineastas mais controversos que já agraciou (ou desgraçou) nossas telas com produções baseadas em jogos: Uwe Boll.

Boll é um diretor e produtor alemão que trabalha com filmes desde 1990, somando um grande portfólio de obras – muitas delas vindo dos videogames. Vale a pena conferir a lista, acompanhada de suas notas no IMDb:

  • House of the Dead (2003): 2,1
  • Alone in the Dark (2005): 2,4
  • Bloodrayne (2005): 2,9
  • Bloodrayne 2 (2007): 2,7
  • Postal (Salve-Se Quem Puder!) (2007): 4,4
  • Far Cry (2008): 3,2
  • Alone in the Dark 2 (2008): 2,6
  • Bloodrayne 3 (2011): 3,0

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É difícil entender porque Boll dirigiu e produziu tantos filmes inspirados em jogos quando todos eles foram fiascos de crítica, público e renda. Fica até mais difícil quando levamos em conta que ele se sai bem melhor em produções distantes dos games, com algumas inclusive sendo elogiadas e ganhando prêmios, como Darfur (2009).

O único motivo que vem à mente seria que ele realmente ama os games e quer conseguir fazer pelo menos um grande filme inspirado por eles, mas algumas das declarações do diretor fazem essa teoria parecer improvável.

Pra começar, Boll gosta de se distanciar bastante do material original para suas adaptações e já fez comentários criticando tanto as produtoras dos games como os jogadores, tentando defender que seus filmes são bons e que as empresas que não ajudam a divulgar e as pessoas que não entendem.

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Além disso, temos um excelente “insight” para a mente de Boll: um trecho de um e-mail que ele enviou para Edward Carnby, que estava trabalhando no script para Alone in the Dark. Carnby deu uma entrevista ao site Something Awful e lhes mostrou um dos e-mails que recebeu do diretor. Vou fazer o que posso para traduzir abaixo, porque inglês não é o primeiro idioma de Boll e ele não faz a menor questão de tentar escrever corretamente:

Edward (o protagonista) não é misterioso e faz as coisas de maneira comum – o que destrói todo seu heroísmo – toda sua reputação construída pelo jogo seria DESTRUÍDA por este filme. Edward tem que ser misterioso como no CORVO ou BLADE, ele tem que ter habilidades especiais e armas e não ter uma HISTÓRIA normal.

Você não tem experiência com roteiro grande e depois da minha experiência ruim com House of Dead (sic) eu preciso de um Top Script agora. Seu primeiro script não era isso. Eu quero ficar assustado, inteligente, não tédio, recheado e surpreendente no fim.

Carnby acrescenta que Boll também queria “grandes batalhas de armas de fogo” e “perseguições de carro” no filme de Alone in the Dark. Não consigo imaginar um verdadeiro fã dos jogos da série Alone in the Dark acreditando que esse seria o melhor caminho para um filme.

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O diretor e produtor alemão também é famoso pela maneira estourada e sem filtro que responde aos seus críticos, abusando de palavrões e linguagem capacitista. Ele chegou ao cúmulo de desafiar os profissionais que mais xingaram seus filmes para partidas de boxe – e o pior, alguns aceitaram.

O negócio acabou virando um grande evento de publicidade, patrocinado pelo site de apostas Golden Palace e com o nome Raging Boll, fazendo alusão ao filme Touro Indomável (Raging Bull), de Martin Scorsese. E o diretor conseguiu derrotar os cinco críticos que aceitaram lutar com ele, indicando que talvez ele deveria ter escolhido outra carreira em algum momento de sua vida.

Por bem ou por mal, Uwe Boll se tornou tão conhecido no quesito filmes de jogos que até alguns dos nomes mais famosos o conhecem e já falaram dele. Paul Sams, da Blizzard, foi contatado pelo diretor a respeito do filme de Warcraft e respondeu da seguinte maneira, segundo o próprio Boll:

Nós não venderemos os direitos do filme para você… Especificamente não para você.

Até o grande Hideo Kojima já falou sobre o prolífico diretor alemão de filmes de jogos. Pelas voltas de 2006, quando muito se falava de um possível filme de Metal Gear, começaram a rolar rumores sobre Boll dirigir o filme. Kojima finalmente foi perguntado sobre o assunto e respondeu:

De jeito nenhum! Eu não sei nem porque o Uwe Boll está falando sobre esse tipo de coisa. Nunca falamos com ele. É impossível que um dia faríamos um filme com ele.

O preconceito com animações

“Animação é uma mídia, não um gênero” – foi essa uma das primeiras frases que Guillermo del Toro disse depois de receber o Oscar por Pinóquio na categoria de Melhor Animação deste ano. O premiado diretor mexicano não foi o criador dessa fala, que muitas vezes é usada para combater o tão dominante preconceito com esse estilo de contar histórias.

Não são poucos os exemplos de animações de altíssimo conceito, que contam todo tipo de história para diversas faixas etárias. A mídia é respeitada e reconhecida, mas ainda encontra resistência não só no público, mas também em críticos e outros profissionais audiovisuais que ainda enxergam, teimosamente, as animações como algo menor que produções live action.

Essa percepção preconceituosa é algo que ajudou muito na construção de um mito de uma “maldição” das adaptações de games, porque esse papo muitas vezes ignora as excelentes animações baseadas em jogos que já tivemos ao longo dos anos.

O primeiro longa metragem do Pokémon saiu em 1998, foi aclamado pelos seus fãs e teve um sucesso estrondoso de bilheteria – marcando um lucro considerável comparado com outros filmes por ter exigido muito menos investimento para ser feito. Até por isso ele foi seguido de dezenas de outros filmes dos monstrinhos, que nunca alcançaram o mesmo sucesso.

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Saltando uns anos devemos mencionar o filme dos Angry Birds, chegando em 2016. Certamente não foi tão elogiado como a estreia de Pokémon no cinema – na verdade, muito pelo contrário, é uma produção extremamente criticada. Mas os produtores enxugam suas lágrimas em dólares, porque é absurdo o lucro conquistado por este longa.

Chegando agora em 2023 temos o filme mais recente do Mario, uma animação com números que falam por si só. Além de esmagar DE LONGE todos os ganhos já alcançados por adaptações de games, os mais de US$ 700 milhões conquistados pelo filme o colocam acima de outras mega produções fora do mundo dos games também, como Jogos Vorazes e O Espetacular Homem-Aranha 2. Em termos de recepção, a crítica não curtiu muito, mas o público parece adorar o filme.

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Saindo da área das telonas e indo para as telinhas, temos ainda mais adaptações de games que foram bastante elogiadas no mundo da animação. O pessoal das antigas vai se lembrar de Fly e de Street Fighter V passando no SBT, por exemplo.

Fly é o nome brasileiro do Dai, personagem principal de Dai no Daibouken, um mangá feito em cima de Dragon Quest. Em 1992 ele virou um anime, que mudou de nome quando foi localizado para passar na TV brasileira. O anime ganhou um remake adaptando a história completa em 2020, mantendo o nome original do Dai.

Fly (ou Dai) é um excelente exemplo de uma adaptação que captura perfeitamente o universo do game onde se inspira, ao mesmo tempo que conta uma história original que combina com o formato de episódios de televisão.

Street Fighter 2 V – o V é de Victory – segue numa linha parecida. Ele traz personagens do game com visuais alterados de leve para contar uma história original. A base do jogo está toda ali, mas são feitas mudanças para contar uma história coerente num formato episódio de animação, e o resultado deu muito certo para a maioria dos fãs do jogo e do desenho.

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E para não falarmos só de clássicos, Castlevania também ganhou uma adaptação animada muitíssimo bem recebida na Netflix em 2017.

Todos esses exemplos são bons motivos para não ignorarmos as animações quando falamos de adaptações de qualidade do mundo dos games, mas também servem para a conclusão deste artigo.

Simples na teoria, complicado na prática

Existe, afinal, alguma fórmula secreta para fazer uma boa adaptação do mundo do videogame para as telas? A maioria dos jogadores que reclama na internet é rápida para apontar que os problemas das obras que dão errado é uma suposta falta de fidelidade com os games que lhes dão origem.

Certamente esse pode ser um fator. Não são poucos os exemplos que se perdem enquanto se distanciam muito do material original. Mas, ao mesmo tempo, também temos adaptações que se deram mal tentando ser iguaizinhas aos jogos e outras que se saíram muito bem enquanto não tiveram medo de se distanciar um pouco da fonte. Até The Last of Us, por mais fiel que tenha sido, teve algumas mudanças consideráveis e a série foi muito elogiada em algumas dessas alterações.

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Depois de todo um artigo explorando os maiores erros e acertos do mundo das adaptações de games para o cinema e para a TV, me reservo o direito de fazer minha própria especulação.

No meu entendimento, o verdadeiro “segredo” para acertar numa adaptação não é segredo algum. A parte mais importante que um filme ou série deve saber emular do jogo que adapta não é tanto os visuais ou roteiro, mas sim o sentimento que temos ao jogar.

É a apreensão e o suspense, envoltos por um drama extremamente humano de The Last of Us. É o senso de aventura, diversão e nostalgia do mundo de Super Mario. É a empolgação dos combates de vida ou morte, impactantes pela violência e divertidos por não se levar tão a sério de Mortal Kombat.

O filme ou série deve causar na pessoa assistindo sensações parecidas com aquelas sentidas quando estamos jogando – independentemente da pessoa ter jogado o game que deu origem ou não.

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E é por isso que temos tantos erros. Não acho que a maior parte dos produtores e profissionais da área não entendam esse conceito, acredito apenas que é difícil demais entender e emular um sentimento, uma emoção. Ainda mais quando as pessoas envolvidas no planejamento do projeto não jogaram o game original e não sentiram essa emoção na pele. Simples na teoria, complicado na prática.

Conforme os games ganham uma presença cada vez maior no mercado e mais pessoas se tornam jogadores, naturalmente vemos um número maior de adaptações de games sendo elogiadas pelo público. Acredito que a tendência é continuar melhorando e espero que vocês aproveitem bastante. Pessoalmente, prefiro passar o tempo em que estaria assistindo a um filme de jogo apenas jogando mesmo.