P.T, Silent Hills e a história da demissão de Hideo Kojima da Konami
O verdadeiro F*** Konami.
P.T, ou o “Playable Teaser” de Silent Hills, virou lenda. Não só porque não pode mais ser baixado da PSN, mas porque a criação de Hideo Kojima é considerada por muita gente um dos maiores jogos de terror da geração. O título marcou tanto a era do PS4 que a Internet até recordou os cinco anos de lançamento da demo no último dia 12 de agosto.
O projeto era a tentativa de Kojima de trazer a série Silent Hill de volta. A demonstração trazia um puzzle com uma lógica muito difícil de desvendar, um monte de referências e uma ambientação incrível para o terror. Ah, claro, como se o nome de Hideo Kojima não fosse o suficiente, o game contava com parcerias como o diretor Guillermo Del Toro e o ator Norman Reedus. Não tinha como dar errado, né?
Mas deu. Silent Hills nunca saiu do papel e vai ser lembrado para sempre como o jogo que todo mundo queria, mas nunca teve. O Playable Teaser descansa em paz somente nos HDs dos PS4 daqueles que mantiveram a demo instalada.
O resto da história muita gente já conhece. A parceria de quase 30 anos entre a Konami e Kojima ruiu. Silent Hills foi cancelado, Metal Gear Solid V: The Phantom Pain foi lançado incompleto e Guillermo Del Toro publicou um F*** Konami no Twitter (com todas as letras). Durante a ruptura, outras informações bizarras surgiram, como funcionários da Konami sendo assediados e perseguidos, ou Kojima ter ficado preso em um contrato abusivo que impediu até que ele recebesse um prêmio no The Game Awards.
O que pouca gente imagina é que Kojima já sabia que o caldo tinha desandado muito antes de P.T ser lançado na PSN. Ou que Silent Hills pode ter sido anunciado sem a Konami fazer ideia dos planos de Kojima. Ou, ainda, que o projeto nada mais é do que um grande dedo do meio do desenvolvedor para sua antiga empresa. E o Meu PS4 conta esse “causo” aqui.
A verdadeira história?
Provavelmente, ninguém nunca vai saber o que realmente aconteceu entre a Konami e Hideo Kojima, mas um mini documentário do canal TheGrateDebate investiga essa história a fundo. Levanta datas e reúne fontes para tentar montar uma espécie de teoria.
O autor junta as peças que explicam porque a Konami quis se livrar de Kojima – e como ele não deixou isso barato. Infelizmente, o vídeo só tem legendas em inglês, mas vale muito a pena conferir para entender toda essa história.
A treta
O problema entre Kojima e Konami tem vários nomes: dinheiro. Money. Bufunfa. Diñero. Quem acompanha o desenvolvedor sabe que os projetos dele costumam levar anos para ficarem prontos. Isso aconteceu com uma das empreitadas da Kojima Productions: a FOX Engine.
A Konami teria gastado cerca de U$100 milhões para desenvolver o motor gráfico ao longo de cinco anos. O investimento inicial fazia sentido, porque a empresa usaria a FOX Engine não só em Metal Gear, mas em PES e em vários outros projetos.
O retorno não viria só com esses jogos, mas porque a intenção era vender a engine para outros estúdios, como uma concorrente da Unreal. A ideia não deu certo: a FOX Engine acabou sendo supercomplexa, difícil de usar. O projeto era demorado, caro e o retorno não viria tão cedo, pois MGSV ainda estava longe de ser lançado.
Mas sabe o que sai barato e dá muito retorno? Jogos mobile. A Konami descobriu isso graças a Dragon Collection, um título simples, desenvolvido rapidamente, com baixo investimento e cheio de microtransações. O projeto era de Hideki Hayakawa, que viria a se tornar uma verdadeira pedra no sapato de Kojima.
O rival
Enquanto Kojima gastava em projetos imensos e sem perspectiva de retorno, Hayakawa chegou a gerar 1 milhão de dólares por dia para a Konami com microtransações. O sucesso de Dragon Collection fez com que ele tivesse uma carreira absurda dentro da empresa. Rapidamente, se tornou executivo e passou a participar de decisões estratégicas.
Em três anos, foi de produtor de um jogo para Vice Presidente da Konami do Japão. Isso aconteceu em 2014 – e quem ocupava o cargo de VP era ninguém menos que Kojima. A substituição não aconteceu ao mesmo tempo. Na verdade, o criador de Metal Gear havia sido “rebaixado” do cargo de VP em outubro de 2013.
O contrato entre Kojima e a Konami havia sido renegociado nessa época. Segundo um ex-funcionário da empresa, em depoimento ao livro “P.T: A Video Game Ghost Story”, ele tinha dois anos para entregar MGS V, cair fora e não dar um pio sobre isso.
No entanto, em 2014, outro evento importante acontece: Kojima anuncia Silent Hills e a demo P.T. fica disponível na PSN. Vamos falar mais dessa questão adiante. Por enquanto, segue o fio.
Em abril de 2015, Hideki Hayakawa se tornou o presidente da Konami. Foi nessa época em que a empresa começou a assumir algumas posturas muito diferentes, como focar pesado em mobile e máquinas de caça níquel.
A ascensão de Hayakawa à presidência coincide com a cruzada contra Kojima. Silent Hills foi cancelado, P.T foi removido da PSN e o nome do produtor foi removido dos materiais de Metal Gear Solid V. Em outubro desse mesmo ano, ele foi oficialmente demitido.
F*** Konami
Só que essa relação conturbada entre empresa e produtor começou a se desgastar muito antes da demissão. A pressão em cima do desenvolvedor teria começado em 2011, com o ápice do desgaste acontecendo em 2013, com seu “rebaixamento”.
Cerca de 10 meses depois de deixar de ser VP da Konami, Kojima anunciou que faria Silent Hills e lançou a demo P.T (agosto de 2014). É a partir desse espaço de tempo que começa a se desenhar a teoria de que o Playable Teaser é um verdadeiro “F*** Konami”.
Quem já jogou ou pelo menos viu cenas da demo, sabe que em um dos ciclos pelo corredor há um feto na pia do banheiro que conta a história de um cara fracassado que havia sido demitido há 10 meses.
Não só Kojima foi removido do cargo de VP 10 meses antes do lançamento de PT, como cerca de 10 meses depois do lançamento da demo, foi demitido da Konami. Não havia como ele prever essa última, mas é uma coincidência digna de nota.
E aparentemente, P.T tem alguns pontos autobiográficos e referências à treta. O mesmo acontece na missão Déjà Vu de Metal Gear Solid: Ground Zeroes. Vale a pena assistir ao vídeo para pegar todas elas (a partir de 22:00).
Mas isso não é tudo.
Segundo um ex-funcionário da Konami, Kojima havia sido proibido de anunciar Silent Hills ou lançar a demo na Gamescom 2014. Mas a briga já havia começado, e ele exibiu tudo no evento mesmo assim.
A atitude era uma resposta e as referências eram uma humilhação pública para a Konami. É provável que o desenvolvedor soubesse que a empresa não levaria Silent Hills adiante e que ele perderia as rédeas do projeto (afinal, ele não era mais um executivo). Contudo, o japonês foi adiante assim mesmo.
Ao anunciar o game como “seu”, Kojima previu o constrangimento que a empresa teria ao removê-lo da produção ou cancelasse tudo de vez. Depois daquela Gamescom, Silent Hills era o próximo A Hideo Kojima Game que todo mundo queria jogar. Só que, na real, muito antes do tweet de Del Toro acontecer, P.T era o verdadeiro F*** Konami.
Imaginar a reação da Konami não é difícil. Essa citação do vídeo deixa bem claro:
Imagine ser um executivo da Konami, já frustrado com os gastos de Kojima, recebendo a notícia de que ele não terminou a FOX Engine, não entregou MGSV e anunciou um projeto novo que vai consumir anos de desenvolvimento, com um diretor de Hollywood e um ator absurdamente popular e que vai custar rios de dinheiro.
Qualquer um ficaria, no mínimo, muito irritado.
A parceria com a Sony
Após toda essa treta, Sony e Kojima anunciaram uma nova parceria. No entanto, já havia um “relacionamento” entre eles há um certo tempo. O desenvolvedor já estaria até sendo consolado nos braços da PlayStation na época do anúncio de Silent Hills.
Kojima foi proibido de anunciar o game na Gamescom, mas mesmo assim a demo foi parar na PSN. A missão Déjà Vu, de MGSV: Ground Zeroes, cheia de “indiretas” para a Konami, era exclusiva da versão de PlayStation do game.
A própria demo P.T. já trazia pistas da parceria. A lanterna do protagonista podia emitir luzes vermelha, amarela, azul e verde, as cores originais da logo da PlayStation.
Ainda dentro da Konami e preso a um contrato de dois anos, Kojima mexeu seus pauzinhos e usou seus contatos – incluindo os hollywoodianos – para preparar o caminho da Kojima Productions independente. P.T foi só uma forma inusitada de dizer adeus.
Death Stranding e o futuro
Se alguém ainda duvida que Kojima gosta de deixar “recados” em seus trabalhos, o trailer de revelação de Death Stranding também traz uma pequena mensagem. O vídeo não fala só dos conceitos do jogo, mas fala da transição de Kojima para um caminho independente.
Quem explica essa é Ryan Paton, um ex-funcionário da Kojima Productions. Você pode conferir a declaração dele aos 2:46 do vídeo do The Grate Debate.
“Quando Hideo trabalha em um jogo, é muito autobiográfico. Claramente a experiência de se separar da Konami não foi muito agradável, e eu acho que ele cria um monte de metáforas sobre o que está acontecendo”.
“Eu consigo perceber, porque eu trabalhei lá. Você vê o Norman Reedus e ele tem algemas. Elas estão quebradas e tem um bebê, ele está nu. Aquele é Hideo, o bebê nu é Snake, representa o trabalho dele sendo tirado dele quando desaparece. Mas de repente as algemas se soltam e ele olha para o horizonte e tem aquela visão assustadora. Para mim, aquilo é completamente autobiográfico”.
E a música do Low Roar? “I’ll Keep Coming”, que basicamente quer dizer “não vou parar”? Vale lembrar que o vídeo foi revelado na E3 2016, no dia do fatídico “I’m back” de Hideo Kojima.
Talvez a gente só veja o verdadeiro final dessa história em 8 de novembro de 2019, com o lançamento de Death Stranding.
Se você quiser saber mais sobre P.T, Silent Hills ou a saída de Hideo Kojima da Konami, assista aos vídeos do The Grate Debate. Tem muita coisa legal por lá! Confira também nossas matérias sobre Death Stranding.