Death Stranding: vale a pena?
Com conceitos visionários, novo jogo de Hideo Kojima pode não agradar a todo mundo.
Death Stranding é um dos jogos mais aguardados do ano, talvez da geração. Desde o seu misterioso anuncio em 2016, não há quem acompanhe o mundo dos games e não tenha, pelo menos, ficado curioso com o título. E, nos últimos dias, o Meu PS4 teve a oportunidade de jogá-lo por horas e horas (e horas!) para trazer essa análise e confirmar: o jogo marca o retorno triunfal de Hideo Kojima.
Com seu projeto independente com apoio da PlayStation, depois de deixar a Konami e a saga Metal Gear Solid para trás, o japonês tem uma base inegável de fãs. É visto como uma lenda mesmo, e Death Stranding tem a sua cara. Não precisava do “A Hideo Kojima Game” em lugar algum, porque a marca do desenvolvedor já está em todos os cantos da aventura de Sam Porter Bridges. Algo muito característico dele, e que traz consigo algumas particularidades.
Como um artigo já havia adiantado aqui, Death Stranding não é mesmo para todo mundo. Não é como se fosse algo com um significado super secreto e rebuscado, tipo aquelas obras de arte que ninguém entende no museu. O game não tem esse status arrogante, só um estilo muito próprio e novo. Ele tenta emplacar um novo gênero (strand, que vai ser abordado mais adiante), mas é uma receita muito peculiar com um misto de elementos inéditos com coisas que só os fãs mais ferrenhos de Hideo Kojima aprenderam a amar ao longo da carreira dele.
Como Death Stranding traz uma série de conceitos novos em termos de narrativa e de gameplay, essa análise será bem extensa. O propósito aqui não é só dar uma nota ou elaborar uma opinião sobre o novo jogo de Hideo Kojima, mas literalmente analisar boa parte desses aspectos novos – e não são poucos.
Mas o que é Death Stranding, afinal?
Essa é a pergunta de um milhão de reais! Apesar de o jogo ter recebido uma divulgação mais pesada no período próximo ao lançamento, muita gente ainda não entende o que é Death Stranding.
Não dá para culpar exatamente a estratégia promocional, mas talvez tudo seja consequência da própria natureza do game. Como Kojima havia prometido, Death Stranding traz uma ideia nova em termos de gameplay, multiplayer e também de narrativa. É naturalmente difícil compreender como funciona algo novo, especialmente em uma era em que o entretenimento é inundado com tanta coisa parecida, reciclada, remakes e remasters.
A sinopse é simples mesmo como a anunciada, mas a narrativa é bastante complexa. Em um mundo devastado por um evento cataclísmico chamado Death Stranding, você é Sam Porter Bridges, um cara aparentemente normal que é muito bom no que faz: entrega qualquer coisa nos lugares mais impossíveis. O cenário é um país devastado após a catástrofe, uma nação fragmentada que precisa voltar a se conectar – a palavra chave desse game.
Mesmo com conceitos um tanto sobrenaturais inseridos no contexto do evento do Death Strading, tudo gira em torno desse conceito: conectar lugares, pessoas, o país inteiro. Ao viajar para os lugares mais remotos, Sam une quem ele encontra pelo caminho em uma rede quiral, que permite a troca de informações e recursos.
Apesar desse aspecto “político” por assim dizer, de se refazer uma nação, Death Stranding também é sobre a jornada do próprio Sam. Alheio às ideias de unidade nacional, chamada UCA, que a Presidente Bridget Strand e sua filha Ameilie tanto desejam alcançar, Sam precisa se reconectar consigo mesmo. Não parece, mas Death Stranding fala mais de uma caminhada pessoal (sem trocadilhos) do que de uma típica jornada do herói que vai salvar o mundo.
E não, a gente não vai além da sinopse aqui. Não só por uma questão que envolve spoilers, mas porque toda a descoberta dessa jornada faz parte da experiência que, quem jogar, precisa vivenciar. A história é propositalmente misteriosa durante boa parte do game e segue uma construção de narrativa bem típica do Kojima, que é de desvendar todos os segredos, mindblowns e plot twists nos últimos momentos.
Aliás, separe seus lencinhos e se prepare para um final apoteótico, estilo Metal Gear Solid 4. E, claro, vale lembrar: ainda falta uma semana para Death Stranding chegar ao PlayStation 4 para o público geral, mas ele já está em pré-venda na PlayStation Store.
É walking simulator mesmo?
Death Stranding é um jogo que coloca o protagonista para andar. Muito. O tempo todo. O jogo inteiro. O gameplay não gira só em torno disso, mas, por incrível que pareça, essa é uma parte essencial.
Sam é um cara que entrega coisas e conecta bases isoladas em uma rede quiral para restabelecer a UCA (os novos EUA, por assim dizer). O mundo foi destruído com o Death Stranding de forma misteriosa. Não existem meios de locomoção que vão além de motos ou caminhões, e esses veículos têm uma utilidade limitada. Não existe infraestrutura, os terrenos são acidentados e as pessoas vivem em lugares isolados.
Aliás, o terreno acidentado é um dos grandes adversários de Death Stranding. Ao viajar, normalmente a pé, de um canto do mundo ao outro, você precisa de paciência e planejamento. Isso acontece porque, acredite ou não, o jogo realmente tem uma série de mecânicas complexas que tornam um conceito simples, como um mero “sistema de entregas” baseado em caminhar de um lado para o outro, algo realmente… ludens, jogável.
Sam precisa percorrer grandes distâncias, subir encostas, atravessar rios (que podem ser rasos ou fundos, ter correnteza), passar por solos inclinados, cheios de pedras. Todos essas características podem fazer Sam tropeçar, perder o equilíbrio, ser levado rio abaixo ou, simplesmente ficar esgotado. Você pode usar escadas e cordas para ajudar no processo, mas sua capacidade de trazer recursos é limitada pelo peso ou o volume que Sam consegue carregar e também pelo principal: a carga que precisa ser levada de uma base para outra e chegar o mais intacta possível, às vezes com urgência.
O clima é outro fator importante no gameplay. As suas rotas de entrega podem ser afetadas pela chuva quiral, que não é bem um evento meteorológico comum. Ela é resultado do Death Stranding e acelera a passagem do tempo. Esse é um elemento extremamente importante porque a chuva quiral deteriora sua carga, armas, equipamento… basicamente tudo. O efeito é multiplicado muitas vezes quando você está sob a neve quiral, porque além de deteriorar tudo mais rápido, a nevasca atrapalha a visão, torna Sam mais lento e também mais cansado.
Apesar de ter que se preocupar com vários fatores ambientais, Death Stranding fica devendo um ciclo dia/noite. Muitos jogos de mundo aberto contam com recurso, até mesmo Metal Gear Solid V, mas não aparece aqui. Esse detalhe poderia ampliar ainda mais o escopo do gameplay e tornar esse mundo tão cheio de elementos para a caminhada de Sam ainda mais crível.
Paus: o gameplay de combate
Lá atrás, pouco depois de anunciar o jogo, Kojima falou sobre como o desenvolvimento da humanidade foi guiado por “paus e cordas”. Os “paus” seriam as ferramentas de conflito, as armas. Já as “cordas”, foram criadas para puxar, carregar e aproximar coisas. Como o título do jogo sugere, o objetivo é fazer o jogador usar as cordas.
A “corda”, ao lado do “pau”, são duas das ferramentas mais antigas da humanidade. O pau, para nos afastar do mal, a corda, para nos aproximar do bem. Estes foram nossos primeiros amigos, de nossa própria invenção. Onde houver gente, haverá corda e haverá pau.
O conceito de conectar e aproximar pessoas é a força motriz da história e do gameplay, mas diminuição do papel do conflito como algo essencial é um ponto chave. Não é como se você não tivesse armas ou não existissem elementos muito comuns dos videogames, como batalhas contra chefes ou inimigos presentes no cenário. A diferença aqui é que o conflito é principalmente passivo (quase de defesa) e não-letal. Isso acontece até mesmo nos cenários de guerra, em que o jogo assume uma jogabilidade mais voltada para um shooter.
Esse cenário “anticonflito letal” não é exatamente uma limitação forçada pelo jogo em nome de um conceito, mas tem tudo a ver com o universo de Death Stranding. Depois do cataclismo, uma ruptura na dinâmica entre o mundo dos vivos (onde nós estamos) e dos mortos (as praias) acontece. Um cadáver em decomposição pode causar uma “obliteração”, uma enorme explosão que deixa só uma cratera para trás. Então, você não quer ou deve matar nenhum outro inimigo humano usando armas letais. Elas estão lá e você pode usá-las por sua conta e risco, mas o jogo é extremamente punitivo com atitudes como essa.
Tudo isso também representa uma bagagem muito característica do Kojima. Metal Gear tratava de temas como guerra, armas nucleares e conflitos políticos, mas era uma série de stealth e sempre premiou o jogador por usar uma abordagem não letal quando o conflito era inevitável.
Os conflitos existem em Death Stranding, mas são a parte do jogo que também tem as mecânicas mais simples. Quando se fala do combate contra os inimigos vivos (as MULAS, basicamente ladrões de carga), boa parte das mecânicas envolve uma furtividade básica, usando a cobertura da grama, andar fazendo menos barulho e evitar “radares” que detectam a sua presença em terreno inimigo.
Esqueça camuflagens, desligar câmeras ou qualquer coisa mais elaborada se você esperava algo próximo de Metal Gear. Você até vai ter muitas armas à sua disposição, mas na maior parte do tempo vai usar poucas delas, indo de acordo com seu estilo de jogo.
Já o combate contra os mortos é ainda mais passivo. Quando você estiver cercado por EPs, o BB entra em ação, já que é ele que torna Sam capaz de enxergar onde as entidades estão. Ele se comunica com você através do Odradek, aquele objeto em formato de estrela sobre o ombro do personagem.
A forma como o Odradek gira, abre e fecha e suas cores indicam a proximidade e a direção das EPs que estão ao seu redor, constituindo um “HUD” muito criativo e que funciona super bem. Você vai passar boa parte do tempo evitando as EPs, se guiando pelos sinais do BB e usando mecânicas de furtividade simples para abafar os sons que você emite (andando agachado, mais devagar ou prendendo a respiração quando estiver perto delas).
O confronto com as EPs traz uma dinâmica de gameplay que faz Death Stranding flertar com o terror em alguns momentos. Usar o Odrarek e perceber que se está absolutamente cercado por criaturas cria momentos de bastante tensão. Ser detectado pelas EPs cria situações bem desesperadoras que podem evocar minibatalhas contra chefes e causar obliterações, que deixam apenas uma cratera para trás na região.
Em resumo, em Death Stranding você não vai encontrar um grande e elaborado sistema de combate ou mesmo de stealth, se o seu interesse é experimentar algo próximo de Metal Gear. O jogo passa muito longe de qualquer jogabilidade que envolva eliminar o maior número de inimigos ou limpar um mapa de criaturas. Isso sequer faz parte das métricas para medir o seu desempenho ou se torna realmente recompensador de alguma forma para o jogador. Nada disso faz parte dos objetivos do jogo ou mesmo de Sam.
O ludens de Death Stranding está em conectar pessoas através do “sistema de entregas” e da união através da rede quiral. Todas as recompensas, sejam ingame, com armas e recursos novos, sejam as de natureza mais subjetiva, ligadas à avaliação do desempenho do jogador, vem dessa parte da jogabilidade. O conflito faz parte dos “ossos do ofício”; é quase um efeito colateral aqui.
Onde Death Stranding fica devendo quando se fala de combate é nas batalhas contra chefes. O sistema com mecânicas mais simples não é desculpa para alguns embates pouco criativos, ainda que muitos deles sejam visualmente monumentais. Uma das batalhas traz uma referência escancarada a MGS 4: Guns of the Patriots, mas simplesmente não funciona tão bem quanto no material original.
Cordas: o multiplayer “strand system”
Death Stranding não traz só um gameplay diferentão, mas um conceito de multiplayer que se encaixa como uma luva no novo universo criado por Hideo Kojima. O strand system (ou o sistema de cordas) não está somente quando Sam consegue achar um habitante isolado e conectá-lo à rede quiral para formar uma “nova América”. O multiplayer de Death Stranding permite que os jogadores cooperem uns com os outros por um bem comum.
Enquanto você joga, Sam carrega escadas e cordas que podem ser úteis para a sua própria travessia, mas ao deixar esses objetos para trás, você permite que outros jogadores também os usem. Com o tempo, o sistema vai ficando cada vez mais complexo. Os jogadores podem construir pontes para atravessar rios, caixas postais para guardar itens pelo caminho, abrigos para descanso ou para se proteger da chuva quiral, geradores para recarregar veículos, entre outros. Algumas dessas estruturas podem ser construídas facilmente, de uma só vez. Outras demandam cooperação de vários jogadores para carregar uma quantidade bem grande de recursos que são depositados no alicerce inicial.
O funcionamento do strand system fica mais visível quando as estradas começam a aparecer. Tudo depende que alguns jogadores coloquem estruturas pavimentadoras por uma determinada rota e que outros depositem recursos nelas para que a estrada seja construída. Em uma das partes do mapa, pude ver o que era uma “pista” inicial se tornar uma verdadeira rodovia. Tudo feito a partir da cooperação espontânea entre jogadores que se comunicam muito pouco. O máximo de interação mais direta se dá através de placas que todo mundo pode deixar pelo caminho, sinalizando perigos, rotas mais fáceis, ou até uma motivação para continuar a jornada.
O número de estruturas e a complexidade delas que você pode enxergar no seu jogo depende de quantos NPCs foram encaixados na rede quiral e do seu “elo social”. Esse modificador é diretamente alimentado pelos likes (que estão mais para um “muito obrigado”) que você deixa para outros jogadores, quantos recebeu ou quantas pessoas se beneficiaram por estruturas que você construiu, desde uma corda para descer de uma encosta, até um abrigo. Esse sistema é mais uma forma pela qual Death Stranding recompensa o jogador com mecanismos que nada tem a ver com competitividade, mortes ou conflito.
Em alguns momentos você vai precisar retornar para regiões onde já esteve e é muito legal ver a evolução das estruturas que outros usuários fizeram ou rotas formadas por escadas e cordas, abrigos estrategicamente posicionados para ajudar na sua jornada também. O “like” sai de bom grado e também é super recompensador saber que outros jogadores estão fazendo bom uso das suas contribuições nas rotas mais difíceis.
O conceito do strand system parece ser uma evolução dos paradigmas que Journey já quebrou há sete anos, com uma escala muito maior. A cooperação não só implementa um multiplayer inovador e totalmente voltado para a mais pura cooperação, mas se encaixa perfeitamente na narrativa do game. Os jogadores não estão somente ajudando uns aos outros a passarem por rotas de entrega pelo caminho, estão começando a reconstruir aquele mundo devastado, todos juntos.
Mundo aberto gigante, mas na medida certa
Os mundos abertos estão cada vez maiores na indústria. Conteúdo massivo, uma quantidade imensa de missões de história ou side quests que prendem o jogador por muitas e muitas horas. Death Stranding segue essa fórmula, mas parcialmente.
O mapa do jogo é realmente muito grande e abriga uma enorme quantidade de missões, distribuídas na forma de entregas que devem ser feitas entre as bases de habitantes. Como o mundo é devastado, a distância entre elas é bem considerável, para explorar todos os elementos que envolvem os desafios de levar as cargas de um ponto até o outro.
Inicialmente, a forma como o gameplay é conduzido realmente parece um pouco maçante. São grandes distâncias a serem percorridas e poucas ferramentas à disposição de Sam para facilitar sua jornada. Como seu elo social é baixo, quase não se vê as construções dos outros jogadores que dão aquela mãozinha nas travessias. Esse choque inicial dura algumas horas, mas é balanceado com grandes cutscenes (no estilo Kojima) que apresentam a trama e dão uma quebrada nessa dinâmica um pouco mais cansativa. Esses momentos do começo do jogo também oferecem uma boa curva de aprendizado para um gameplay que muitos jogadores poderiam estranhar.
Ao mesmo tempo, level design super bem elaborado faz com que, conforme o mundo vai oferecendo mais recursos que podem tornar a caminhada mais fácil, outros elementos começam a aparecer com mais intensidade, como terrenos mais desafiadores, distâncias mais longas a serem percorridas e com quantidades maiores de inimigos.
Mesmo com um mundo tão vasto, Death Stranding não prende o jogador com missões opcionais que pouco tem a oferecer à história ou ao gameplay. Ajudar Preppers em suas side quests entrega pedacinhos adicionais da trama do universo do game, além de garantir recursos como agradecimento que vão ser essenciais em entregas mais desafiadoras. Cada base também começa a ter mais materiais disponíveis para alimentar alicerces de estruturas, ajudando você a reconstruir o mundo, caso queira colaborar.
Fazer essas missões paralelas não tem nada de obrigatório, no entanto. Death Stranding não impõe nenhum tipo de limitação em termos de dificuldade, nível de jogador ou quantidade de XP, então você não precisa ficar “enchendo linguiça” com milhares de side quests que não quiser fazer para conseguir cumprir missões de história. A progressão parece mais dependente do nível de conexão entre as diferentes bases e as próprias missões já guiam a exploração para as diferentes áreas do mapa.
No entanto, por incrível que pareça, é fácil acabar entrando em um ciclo “viciante” de entregas. Como Sam sempre precisa ir de um lado para o outro, não vale a pena ficar circulando “descarregado” pelo mapa. Depois de algumas horas você vai se ver planejando qual a melhor rota possível para passar pelo maior número de Preppers e sair fazendo várias entregas pelo caminho.
O mundo de Death Stranding também evidencia o primor técnico do jogo. Os cenários são incrivelmente realistas e belíssimos de forma que cada região do mapa apresenta variações de solo e vegetação. Muitas vezes essa combinação cria visuais de encher os olhos, mas em alguns momentos a beleza de Death Stranding aguça outro sentido: a audição. É de arrepiar dar de cara com uma paisagem incrível e ser surpreendido com uma das músicas da trilha sonora do game em parcerias com bandas como Low Roar e Silent Poets.
Talvez a única falha deste mundo seja a falta de animais. Eles aparecem nas cenas iniciais do jogo, mas nunca mais são vistos pelo mapa. Algumas florestas (locais com árvores mesmo) também são bem raras. Essas ausências não chegam a tornar os cenários monótonos, mas trariam mais realismo.
De todas as estrelas, BB é a maior
Death Stranding é recheado de estrelas de Hollywood. Todos os atores parecem muito confortáveis em seus papéis de personagens que tem tudo para se tornarem tão emblemáticos quanto outros criados por Kojima antes. Cada um tem personalidades e backgrounds muito interessantes para a história. Alguns deles trazem grandes segredos da trama e você só vai conhecê-los de verdade jogando Death Stranding.
Fique de olho em Fragile (Léa Seydoux), Amelie (Lindsay Wagner) e principalmente em Cliff, talvez a figura mais misteriosa dessa história e belamente interpretada por Mads Mikkelsen. Talvez o personagem mais difícil de conquistar o jogador seja justamente Sam (Norman Reedus), mas isso provavelmente acontece porque é quem demoramos mais tempo para conhecer de verdade.
Os atores menos “famosos”, como Troy Baker (Higgs) e Tommie Earl Jenkins (Die-Hardman) não ficam nada atrás em termos de qualidade de interpretação. Higgs, no entanto, é quase um desperdício de talento com Baker. Apesar do ator conseguir criar uma figura carismática na tela, a história do vilão poderia ser bem mais interessante.
A boa atuação dos atores acabou se perdendo um pouco na localização do jogo em PT-BR. A dublagem tem boas vozes, mas não fazem jus ao conteúdo original. Os textos estão bem traduzidos, mas todos os personagens têm as mesmas falas informais, sejam Sam ou Die-Hardman, que têm posturas muito diferentes.
Mas no meio de tanta estrela, quem brilha mesmo é o BB, o bizarro bebê que Sam carrega. Tanto na perspectiva da trama quanto do gameplay, ele começa como uma mera “ferramenta”, capaz de detectar as EPs, mas se torna algo a mais. É um dos melhores parceiros da história dos games, fácil.
O BB não funciona só para controlar o Odradek de Sam, mas se torna um personagem ativo na história e que reage ao mundo ao seu redor. Ele fica estressado em algumas situações mais penosas, como encarar uma correnteza de rio ou quando você fica cercado por muitas EPs. Ele também detesta que você machuque algum personagem humano ou acabe caindo. No entanto, ele adora (e solta gargalhadas deliciosas) quando você desliza em algum terreno inclinado ou quando Sam fica livre de alguma ameaça grande, tipo vários EPs agrupados. Ah, é claro que ele também ama receber e enviar curtidas! <3
Cuidar do seu BB também é parte essencial da jogatina. Sempre que ele ficar estressado, você precisa “niná-lo” balançando o DualShock até que ele fique calmo ou indique que está feliz. Deixar seu BB sempre tranquilo é essencial, já que você fica completamente sujeito a ser pego pelas EPs. Estar conectado com os sobreviventes da América é parte da história, mas criar laços com seu BB é essencial também. As reações dele também são, muitas vezes, um mecanismo de aliviar a tensão durante as missões.
Kojimices sem medida
Se na Konami Kojima tinha amarras, Death Stranding permitiu que o desenvolvedor explorasse suas “kojimices” ao máximo. História complexa e confusa, mas que acaba se encaixando no final? Confere. Cutscenes imensas? Confere. Monólogos intermináveis de personagens explicando todo o universo e reviravoltas da trama? Confere. Uma história que se leva absurdamente a sério mas algumas zoeiras quebram o clima? Confere. Referências à cultura pop e piadas internas com outros jogos de Kojima? Confere tudo! Essa lista poderia continuar infinitamente, mas é suficiente dizer que esse é o jogo mais “A Hideo Kojima Game” de todos que ele já fez.
Outra marca do desenvolvedor é a qualidade visual impecável. Seja na estética ou nos gráficos mesmo, Hideo Kojima sempre arrasa. Fora da natureza, os cenários são normalmente frios e tecnológicos, mas também muito bem construídos. A Decima Engine já parecia incrível em Horizon Zero Dawn, mas parece ter alcançado seu ápice em Death Stranding. O motor gráfico da Guerrilla Games volta a impressionar, principalmente nos personagens, com aspectos ultrarrealistas (é possível ver cada poro e linha de expressão dos atores) e expressões faciais muito naturais. Faltou só um modo foto para apreciar tanto capricho.
Apesar de estar apostando em algo que passa longe da saga Metal Gear, Death Stranding mostra que o desenvolvedor é muito confiante no seu próprio taco e em sua base de fãs. Ele sabe exatamente o que seu público gosta, ainda que a fórmula do novo jogo não seja exatamente a mesma da franquia que o consagrou. O game traz explicações minuciosas do universo, mas deixa algumas pontas soltas que vão criar muito buzz e teorias na internet.
Com uma receitinha que pode agradar a um público cativo, Hideo Kojima também repete algumas estratégias narrativas que eram abusadas em Metal Gear. Alguns trechos do jogo são excessivamente explicados por monólogos intermináveis de personagens. Essas partes ficam meio monótonas e são recheadas por algumas falas carregadas de clichês. O roteiro perde qualidade nessas horas, mesmo quando interpretado por atores estelares.
Algumas metáforas e revelações da trama acabam sendo tão, mas tão explicadinhas que parecem duvidar da inteligência do espectador. Esses detalhes, no entanto, são quase que maneirismos de Kojima e não tiram o mérito da história criada por ele. Apesar das falhas no roteiro, Death Stranding traz uma história emocionante e com um conceito muito criativo.
Visionário, louco, obra de arte?
Ao mesmo tempo que Death Stranding demonstra que Kojima tem seu próprio estilo e não tem medo de apelar para qualquer tipo de mecanismo mais genérico, ele também pode se fechar em seu próprio nicho e tem muitas chances de criar opiniões do tipo “ame ou odeie”.
É muito difícil fechar um veredito generalista sobre Death Stranding, mas esteja certo de que este game representa algo novo. Experimentá-lo é essencial para compreender como todos esses conceitos funcionam, especialmente o strand system.
Talvez a maior beleza de Death Stranding, além de seu primor visual e escala cinematográfica, seja seu conceito sólido. Visualizar todas as mecânicas single e multiplayer funcionando tão bem juntas e amarradas à narrativa mostram por que tantos nomes de peso tiram o chapéu para Hideo Kojima.
Ao mesmo tempo é compreensível que nem todo mundo vai realmente se divertir com o caráter super exploratório, a dinâmica de entregas e o estilo de combate do jogo. A narrativa carregada e cheia de metáforas também pode afastar muita gente (ainda que tudo seja mastigado no final). Comprar todo esse conceito já parece difícil. É só observar a dificuldade do público em geral de entender a proposta do jogo, que está todinha na divulgação.
Depois de terminar Death Stranding, fica fácil entender porque “From Sapiens to Ludens” cai como uma luva como o lema da Kojima Productions. Só “aqueles que jogam” poderiam criar jogabilidade a partir de algo tão estranho, talvez? No entanto, não resta dúvidas de que há uma visão muito ousada nisso tudo, que pode não agradar a muita gente, mas que, definitivamente, tira diversão e entretenimento do improvável.
Veredito
Death Stranding
Sistema: PlayStation 4
Desenvolvedor: Kojima Productions
Jogadores: 1 Jogador
Comprar com DescontoVantagens
- Multiplayer visionário
- História emocionante
- Jogabilidade criativa
Desvantagens
- Ritmo lento no começo
- Algumas falas e metáforas clichês no roteiro
- Excesso de explicações