The Last of Us: a Naughty Dog se tornou refém da sua própria criação?
Insistência do estúdio em lançar projetos de The Last of Us pode ligar sinal vermelho para os fãs
Desde seu lançamento em 2013, The Last of Us se consolidou como um marco na indústria dos videogames, uma obra-prima narrativa que combinava história de impacto, personagens memoráveis e uma jogabilidade de alta qualidade.
A Naughty Dog, então aclamada por sua habilidade de reinventar gêneros com Uncharted, parecia atingir o ápice criativo com a jornada de Joel e Ellie. Contudo, mais de uma década depois, a insistência do estúdio em revisitar incessantemente essa franquia levanta uma questão incômoda: estaria a empresa se tornando refém de sua própria criação, sacrificando a inovação em prol de um ciclo quase interminável de relançamentos?
Um loop de remasters e remakes
A trajetória de The Last of Us é impressionante, mas também saturada. Lançado originalmente para PS3, o jogo ganhou uma remasterização para PS4 em 2014, uma continuação (Part II) em 2020, um remake em 2022 (Part I), uma versão remasterizada de Part II em 2024 e, agora, a coletânea The Last of Us Complete, que reúne ambos os títulos em um único pacote.
Some a isso os ports para PC e a adaptação para a série da HBO, e o que era uma história única transformou-se em um empreendimento quase industrial e com alto apelo comercial.

Não há como negar esse apelo. A série da HBO, que estreou em 2023 e prepara sua segunda temporada, trouxe novos públicos à franquia, e a Sony parece determinada a capitalizar essa onda. Enquanto isso, The Last of Us Complete, segundo a empresa, é uma oportunidade para que novatos vivenciem a saga completa em sua melhor forma técnica.
Mas, para os fãs de longa data, a novidade soa como mais do mesmo — uma repetição que pouco agrega além de polimentos visuais e ajustes incrementais. O que era para ser uma celebração começa a dar fortes sinais de uma falta de ideias.
O cancelamento de The Last of Us Facções
Se os relançamentos já são questionáveis, o cancelamento de The Last of Us Facções escancara fragilidades mais profundas. Anunciado inicialmente como um modo multiplayer para Part II, o projeto evoluiu para um ambicioso spin-off que prometia expandir o universo da franquia com uma experiência online robusta.
Durante anos, a Naughty Dog alimentou expectativas, mas, em 2023, o estúdio anunciou o fim do desenvolvimento, alegando que o jogo demandaria recursos excessivos e comprometeria sua identidade focada em narrativas single-player.
A decisão, embora compreensível, expôs limitações. A Naughty Dog, historicamente avessa ao modelo de jogos como serviço (live service), pareceu despreparada para navegar nesse terreno, enquanto a Sony, que apostava alto em títulos online, revelou uma estratégia confusa e mal executada.

Projetos como Concord, da Firewalk Studios, e outros spin-offs cancelados reforçam a percepção de que a empresa está caminhando no escuro, desperdiçando tempo e confiança dos jogadores. Para a Naughty Dog, o fracasso do online de The Last of Us não foi apenas um revés criativo, mas um lembrete de que diversificar exige mais do que boas intenções.
Intergalactic: raio de esperança ou um passo tímido?
Em meio a esse cenário, a Naughty Dog anunciou Intergalactic: The Heretic Prophet, seu primeiro projeto original em anos. Um jogo single-player com temática sci-fi, ele sugere que o estúdio ainda tem a intenção de explorar novos horizontes.
No entanto, o anúncio, feito discretamente e sem o impacto de lançamentos passados, não conseguiu reacender a empolgação que acompanhava cada novidade da desenvolvedora. Comparado à grandiosidade de The Last of Us ou Uncharted, o projeto aparenta ainda modesto, quase como uma tentativa mais cautelosa da empresa em apostar em algo que dá certo: ação.
É injusto julgar Intergalactic antes de seu lançamento, mas sua revelação não apaga a sensação de que a Naughty Dog passou a última década orbitando em torno de The Last of Us.

Enquanto estúdios como Insomniac (Spider-Man, Wolverine) e Santa Monica (God of War Ragnarök) equilibram novas IPs com sequências muito pedidas pelos fãs, a Naughty Dog parece estagnada, presa a uma fórmula que, embora brilhante, já não surpreende como antes.
A nostalgia pode custar caro
Por trás dessa insistência em The Last of Us está uma lógica comercial inegável. A franquia é uma máquina de lucros, impulsionada pela série da HBO e pela base fiel de fãs. Relançamentos requerem menos investimento do que novos jogos e garantem retorno seguro, especialmente em uma indústria onde o risco financeiro é alto.
Mas essa abordagem tem um custo artístico. A Naughty Dog, conhecida por ousar nas narrativas e equilibrar experiências de jogo com cinema, corre o risco de se tornar previsível, uma sombra do estúdio que redefiniu experiências de histórias interativas.
Para os jogadores, o sentimento é agridoce. The Last of Us continua sendo uma experiência poderosa, mas cada novo remaster dilui um pouco de seu impacto. A coletânea Complete pode atrair novatos, mas para os veteranos, é difícil ignorar a falta de novidade.

A pergunta que fica é: onde está a coragem que levou a Naughty Dog a criar Jak and Daxter, Uncharted e o próprio The Last of Us? Em vez de revisitar o passado, o estúdio não deveria estar moldando o futuro e de forma mais transparente?
The Last of Us é, sem dúvida, uma das maiores conquistas dos videogames, mas sua presença constante em todos os outdoors começa a ofuscar o brilho da Naughty Dog. Ao priorizar relançamentos e hesitar em abraçar novas ideias, o estúdio arrisca sua reputação.
Intergalactic pode ser um primeiro passo, mas apenas o tempo dirá se a empresa conseguirá se libertar das amarras de sua própria criação, que parecem cada vez mais apertadas e destacadas nos holofotes das críticas.
Para os fãs, resta a esperança de que o estúdio reencontre sua essência — não na nostalgia de Joel e Ellie, mas na ousadia de contar histórias que ninguém espera. Porque, no fim das contas, o que tornou The Last of Us inesquecível não foi apenas sua execução, mas a surpresa de descobrir algo novo. E é exatamente isso que a Naughty Dog precisa redescobrir.