Coisa de noob ou evolução? A polêmica dos controles modernos em Street Fighter 6
Novidade faz alguns jogadores brigarem mais nos fóruns e redes sociais do que dentro do jogo
Street Fighter 6 é um dos grandes lançamentos do ano, trazendo um novo game regado de elogios de uma maneira que a Capcom não conseguia há anos na série. Seja pela qualidade de seu netcode, variedade de modos, elenco de personagens ou o divertido World Tour, SF6 tem tudo, atraindo veteranos e novos jogadores.
Mas, pensando principalmente nesses novos jogadores, foi introduzido no título um estilo de controle que tem sido o principal algoz de discussões na internet envolvendo o Street Fighter mais recente: o famigerado controle moderno.
Será que os controles facilitados são coisa de noob mesmo ou tem muito scrub reclamando? No artigo da vez vou explicar um pouco dessa polêmica e tentar imaginar o que podemos esperar no futuro da série.
O que são os controles modernos em Street Fighter 6?
A Capcom mostrou uma disposição inédita para conseguir tornar Street Fighter 6 um jogo atrativo para novos jogadores, e os controles modernos são grande parte disso. Mas antes mesmo de entrar neste tema, que é central para o artigo, vale mencionar o modo World Tour em um parágrafo ou dois.
Se os controles modernos não fossem suficientes para mostrar como Street Fighter 6 tenta trazer um novo público, o modo de mundo aberto “estilo RPG” do game certamente mostra isso. No modo World Tour os jogadores podem criar um avatar customizado e viajar pelo mundo da icônica franquia de luta da Capcom, conhecendo cada personagem do game e aprendendo seus golpes aos poucos.
O que jogadores veteranos vão perceber muito rapidamente é que o modo World Tour é, na verdade, um gigante tutorial disfarçado. De maneira desapegada e um tanto divertida, o modo campanha transforma mecânicas centrais do jogo em pequenas missões que o jogador vai fazendo aos poucos e pegando o jeito do jogo.
Mas não adianta criar todo uma campanha com horas consideráveis de jogo se a pessoa simplesmente não consegue realizar os comandos e se frustra, largando o game antes mesmo de entender as técnicas. É aí que entram os controles modernos.
Como a maioria dos jogadores sabe, até quem não está acostumado com games de luta, esse tipo de game conta com ataques simples e especiais. Geralmente, como no caso de Street Fighter, os ataques especiais (ou “magias”) envolvem inserir comandos um pouco mais complexos, como o icônico hadouken: ⬇↘➡👊
Esses comandos devem ser feitos de maneira ágil na maior parte do tempo, para aproveitar uma abertura depois de algum erro do adversário ou para emendar num combo com outros ataques – algo que pode ser ainda mais difícil pra quem não está acostumado.
Além disso, Street Fighter usa seis botões diferentes para seus ataques normais: soco fraco, médio e forte; e chute fraco, médio e forte. Jogadores precisam aprender quais ataques funcionam em sequência para otimizar seus combos, o que geralmente resulta em apertar vários botões diferentes de maneira ágil, sem errar, e muitas vezes finalizar com um ataque especial.
Eu sei que toda essa parte do artigo pode parecer a reinvenção da roda para qualquer pessoa que já passou meia hora em qualquer jogo de luta, mas considero interessante colocar em texto para oferecer uma perspectiva de como esse tipo de game pode parecer complexo e excludente para alguém que nunca jogou. Ainda mais levando-se em conta que minha explicação foi bem superficial e não chega na metade do que é necessário entender no game até mesmo em partidas de iniciantes.
A Capcom criou os controles modernos para tentar contornar isso. Pra começar, em vez de seis botões, são apenas quatro: especial e ataque fraco, médio e forte. Não se divide os comandos em socos e chutes, um ataque fraco vai ser um soco ou um chute dependendo do personagem e de qual momento o botão está sendo apertado.
A outra parte, possivelmente a mais controversa, é o botão de especial. Assim como Super Smash Bros., existe um botão que lança “magia” automaticamente (o triângulo, no caso do PlayStation). O hadouken, então, passa a ser uma simples apertada no botão. Para acessar os outros movimentos especiais é quase tão fácil quanto, basta usar direcional + triângulo. O tatsumaki shinpuu kyaku, que era ⬇↙⬅🦶, passa a ser ⬅ + triângulo.
Dá pra perceber como fica mais simples entrar no jogo e já conseguir fazer alguns movimentos interessantes com pouco treino. Mas esse esquema também tem suas desvantagens.
Os controles modernos, ironicamente, oferecem menos controle. O jogador passa a ter menos escolha dos golpes exatos que quer fazer em dado momento e alguns movimentos ficam inacessíveis mesmo, simplesmente não podem ser feitos com os controles modernos. Isso pode parecer pouca coisa, mas em partidas avançadas é determinante, como será comentado depois neste artigo.
A posição da Capcom
Ao contrário do que alguns jogadores irritados com os novos controles possam pensar, já faz um tempo que a Capcom planeja essa idea antes de sua implementação no Street Fighter 6. Em uma entrevista para o site Wired, Takayuki Nakayama, o diretor do jogo, explicou que o teste dos controles, na verdade, começou no jogo anterior da franquia.
“Durante o desenvolvimento de Street Fighter V, nós criamos um novo personagem chamado Ed para testar nossa teoria. Nós o fizemos para ser capaz de executar movimentos especiais sem a necessidade de inputs direcionais complicados e combinações de botões, e fomos capazes de confirmar que o jogo funciona até quando o Ed existe entre os personagens que exigem os inputs de comando. Foi aí que decidimos tornar possível jogar com todos os personagens no Street Fighter 6 com os controles modernos mais simplificados. Para manter um equilíbrio competitivo, nós testamos através de múltiplas batalhas e ajustamos conforme necessário.”
O diretor do jogo reitera ao longo da entrevista o que a produtora vem falando na promoção do novo esquema de controles: a ideia é tornar o jogo mais acessível do que nunca, ampliando sua base instalada de jogadores. “Nossa intenção é permitir que mais pessoas sejam capazes de jogar Street Fighter 6”, diz Nakayama.
Até os jogadores mais puristas são capazes de reconhecer que é necessário para qualquer game manter uma base considerável de jogadores – especialmente aqueles com um forte componente multiplayer competitivo, como é o caso de Street Fighter. O potencial dos controles modernos para ajudar nisso é considerável, algo mencionado por Ariel de Souza, um dos fundadores do Combo Infinito.
Ariel é conhecido pelo seu conteúdo voltado para jogos de luta e pelas lives que realiza no tema. Ele trabalha há anos com a comunidade, seja jogando ou acompanhando, e enxerga com bons olhos a iniciativa da Capcom em buscar novos jogadores:
Uma comunidade em um jogo de luta é de suma importância pros servidores estarem cheios e a gente achar partida o tempo todo. Então é melhor ter mais pessoas jogando o game, mesmo com o uso do moderno, do que esses jogadores todos que estão usando o moderno desistirem do jogo porque não conseguem fazer os comandos.
Diferente do Ariel, no entanto, há os jogadores que reconhecem a importância do jogo alcançar mais pessoas, mas estão descontentes com a inclusão dos controles modernos em torneios oficiais da Capcom. Isso mesmo, para quem não sabia ainda, o novo esquema de controles é completamente válido para partidas ranqueadas e eventos competitivos.
Isso acontece porque, no entendimento da produtora, os controles modernos servem de atalho para entrar no jogo, mas não são necessariamente uma maneira mais fácil de jogar. Nakayama falou disso em outra entrevista, com o pessoal do DigitalTrends:
De maneira alguma estamos dizendo que este seria um modo fácil. Essa é apenas uma nova maneira de jogar Street Fighter que resolve algumas frustrações comuns que muitas pessoas têm. Não quer dizer que você é um mau jogador se você usa o modo moderno; é apenas outro jeito de jogar o jogo. Então se as pessoas querem entrar nos torneios com os controles modernos, então não há nada de errado nisso. O que eu quero é ter um mundo onde os jogadores tenham uma escolha de como eles vão jogar Street Fighter 6.
Apesar da fala de Nakayama, na teoria, parece que o uso de controles simplificados daria uma vantagem considerável aos jogadores numa partida. Mas será que é isso que acontece na prática? A melhor maneira de responder a essa pergunta é ouvir de alguém que não trabalha para a Capcom, mas que entende tanto de Street Fighter quanto a própria produtora: os famosos pro players.
O que dizem os (verdadeiros) jogadores?
Além do Ariel, conversei também com três jogadores que tiveram uma carreira profissional com Street Fighter para saber como eles receberam a introdução dos controles modernos na nova edição da série. Em termos gerais, eles parecem bem tranquilos com a novidade.
O novo modo de jogar não fica isento de críticas, e cada entrevistado teve algum comentário a fazer para ressaltar que os controles modernos não são perfeitos, mas todos enfatizaram que a verdadeira competitividade do jogo não está na execução dos comandos, então essa mudança não oferece tanta vantagem quanto se possa imaginar.
Keoma Pacheco é um dos nomes mais conhecidos no FGC. Jogando Street Fighter competitivamente há 14 anos, ele já foi top 8 mundial no Capcom Cup em 2015 e três vezes finalista do Capcom Pro Tour na América Latina. Atualmente, ele se prepara para competir em Street Fighter 6 também, um game que considerou “fenomenal”.
Keoma me atentou para aspectos técnicos de balanceamento do controle moderno que eu desconhecia:
“- Qualquer ataque especial feito com input automático recebe 20% de redução de dano.
– Alguns especiais ainda podem ser executados com o comando manual referente ao clássico, para não sofrer essa redução de dano.
– Duas das versões desses especiais não estão disponíveis.
– O personagem perde acesso ao kit completo, de ataques normais a especiais, ferindo inclusive seu potencial ofensivo ou como ele pode reagir a certas situações.
– Alguns ataques normais só estão disponíveis ao pressionar uma combinação de botões de ação, como o soco médio abaixado do Luke (↓+MP) que precisa ser feito com [Auto]+M (ataque médio).”
Pode ser um tanto aprofundado demais, mas é um vislumbre interessante para o fato que existe toda uma lógica de balanceamento por trás do novo esquema de controles, não é apenas uma simplificação direta.
Um consenso entre os jogadores profissionais é que os controles modernos sofrem um certo “preconceito” de jogadores casuais ou que não entendem as mecânicas centrais do jogo. “Eu mesmo fiz um teste recentemente onde usei o controle Moderno porém usando apenas inputs manuais e em 15 minutos de jogo vi alguém reclamando do controle”, declarou Keoma. “Pra mim, isso foi confirmação dessa teoria. Infelizmente, existe sim um preconceito do jogador casual em cima do controle Moderno, mas com sorte isso muda com o tempo.”
Thomas Proença – que já usou o nome “Brolynho” e hoje é mais conhecido como “Broly” – foi mais direto ao falar do pessoal que reclama dos novos controles.
Broly começou a fazer fama nos tempos do Street Fighter IV, conquistando a terceira colocação no Capcom Pro Tour Brazil de 2015. Ele chegou a vencer a edição de 2018 do torneio para a América do Sul e participou de diversas outras competições antes de se voltar mais para a criação de conteúdo. Ele considera que Street Fighter 6 é o melhor game da franquia já feito.
Perguntado sobre as críticas aos controles modernos, Broly disse:
“Normalmente quem reclama do controle é mais um atestado de que é noob mesmo. E não é nem uma declaração pejorativa no sentido de ‘o cara é noob, é horroroso’, é mais um questão do cara ser noob, ele não entende o jogo. Pra ele, ele acha que vai ter diferença no controle moderno ali… De repente no nível dele até faça, porque ele não sabe fazer nem um movimento qualquer ali e ele acha que o cara que tá usando o controle moderno vai conseguir fazer esse movimento e vai ganhar por isso, e na verdade não é né.”
Assim como a fala de Broly, é um consenso entre os jogadores que os controles modernos não mudam muito a vida de quem realmente quer aprender a jogar, e todos são favoráveis ao uso da opção nos torneios. O que eles observam é que, como qualquer novidade num jogo de recém-lançado, ainda existe espaço para melhorias no balanceamento do controle em relação a alguns dos personagens. Namikaze foi um entrevistado que tocou mais nesse assunto.
“Existem personagens que se beneficiam muito do controle moderno e outros que só perdem coisas e não ganham quase nada em troca ao usar esse controle. Eu espero que no futuro arrumem essa diferença que existe entre os personagens usando o controle, tem coisas que estão meio forte demais no moderno que fazem o jogo ser jogado de uma forma que eu particularmente não acho divertida de se enfrentar. Mas no geral acho positivo a mudança e espero que só melhore com o tempo esse recurso.”
Namikaze é um nome mais recente no cenário do FGC, tendo conquistado posições de destaque nos Capcom Pro Tour de Street Fighter V voltados para a América Latina, especialmente no ano passado. Atualmente ele pratica para mergulhar de cabeça nos futuros torneios de Street Fighter 6, que ele considera ser o melhor jogo de luta que já jogou.
Em bate-papo com o MeuPS no The Cast of Us, Ariel, do Combo Infinito, aborda a questão do balanceamento por outra perspectiva, falando da importância da possibilidade de errar nos esportes.
Um jogo de luta precisa ter o erro. Você não pode contar que o cara sempre vai acertar as coisas do início ao fim, tem que ter o erro. É como se fosse no futebol, o cara tá na cara do gol, sem goleiro, há chance dele errar? Sim. A probabilidade dele errar é pequena, a chance dele fazer o gol é de 99%, mas esse 1% que traz a chance dele errar precisa existir na minha opinião.
De fato, a famosa “dropada” no combo é um fator clássico de jogos de luta, até nos torneios mais profissionais. A automatização dos combos nos controles modernos reduz a quase zero as chances disso acontecer, e o Ariel gostaria de ver a Capcom trazer alguma mudança nesse sentido para o erro ser possível também no novo esquema de controles.
Quem ganha essa briga?
Parece seguro apostar que os controles modernos vieram para ficar. Além do apoio da produtora, o novo esquema faz sucesso com jogadores novatos e veteranos, realmente incomodando apenas quem joga há um bom tempo, mas que nunca realmente pegou o jeito mais avançado do game.
E posso falar com tranquilidade porque é justamente nessa área dos reclamadores em que minha habilidade se encontra. Adoro Street Fighter, jogo desde o 2 no Super Nintendo, mas nunca me dediquei o suficiente para aprender algo além de jogar instintivamente.
Com quase 30 anos de jogo nas costas eu ainda erro meus hadouken e shoryuken de vez em quando. Os controles modernos certamente podem parecer uma vantagem quando olhamos apenas esse aspecto, mas se pararmos para pensar objetivamente eu já enfrento oponentes há anos que nunca erram os especiais – com ou sem controles facilitados. E mesmo errando meus hadouken e dropando meus combos, nunca fiquei sem algumas vitórias.
A impressão que dá é que existe uma reação mais emocional do que racional aos controles. Pode ser especialmente frustrante para jogadores que se dedicam há anos ao game e nunca conseguiram avançar muito no domínio das técnicas verem o pessoal “chegando agora” sem ter que enfrentar as mesmas dificuldades. Mas, talvez, esses jogadores deveriam parar de reclamar e simplesmente dar uma chance aos novos controles.
Jogos de luta atualmente são um produto em constante refinamento, balanceando suas inúmeras mecânicas e personagens. Os controles modernos são apenas mais um desses recursos que vão sendo ajustados. O tempo dirá o impacto que a novidade realmente vai ter no futuro do game – a sugestão que fica é que talvez a energia gasta para reclamar seja melhor investida para praticar.