O Metaverso está a caminho, e os games podem guiar essa revolução
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O Metaverso está a caminho, e os games podem guiar essa revolução

A nova internet promete ser mais interativa, criativa e imersiva, e games como Fortnite e Roblox nos mostram o caminho do futuro

por Felipe Gugelmin

Imagine um game em que Wolverine, Lara Croft e um Stormtrooper se reúnem em um mesmo grupo para enfrentar Batman, Neymar Jr. e Kratos e, ao final do combate, todos eles podem relaxar assistindo ao mais novo filme de Christopher Nolan. Aos fins de semana, esse grupo pode voltar a se unir, mas não para trocar tiros — há um concerto de Ariana Grande se aproximando, e todos querem assisti-lo.

Cenário inimaginável há alguns anos, isso já é realidade há tempos em Fortnite, game que estreou em 2017 com uma proposta modesta: um grupo de jogadores deveria se unir para matar zumbis e proteger um local. Com a adição do modo Battle Royale (e o lançamento em toda plataforma possível), o jogo ganhou grande popularidade e se transformou aos poucos em uma grande plataforma que abrange toda a cultura pop.

De certa forma, o título desenvolvido pela Epic Games atualmente é mais definido por suas características sociais e por ser um local de reunião de amigos do que pelos confrontos que oferecem. Não à toa, em meio à batalha legal que a desenvolvedora enfrenta com a Apple, o CEO Tim Sweeney afirmou que Fortnite não é somente um jogo, mas sim um metaverso — ou um “fenômeno que transcende os games”, nas palavras do executivo.

Caso esse termo pareça estranho ou um exagero de Sweeney, esteja preparado: além da Epic Games, empresas como Facebook, Roblox, Novaquark e diversas outras apostam nesse termo como o futuro dos jogos e, em última instância, de toda a internet. Misturando realidade e vida virtual, o metaverso — ou metaversos — promete ser parte essencial de nosso futuro. E o mercado de games têm tudo para liderar essa revolução.

O que é o tal de metaverso?

O termo metaverso não é novo, e surgiu pela primeira vez na obra de ficção científica “Snow Crash”, de Neal Stephenson. Nela, um entregador de pizza (ex-soldado/mercenário e empregado da máfia, entre outras qualidades) escapa de um mundo decadente entrando em um ambiente virtual no qual seu avatar pode fazer qualquer coisa e assumir personalidades diferentes do que é exigido pela vida real.

Se esse conceito parece familiar, não estranhe. Ele inspirou diversos trabalhos que vieram depois, em uma lista que inclui nomes como Matrix e Jogador Número 1. Neste último, o conceito é estendido a ponto de que o local virtual conhecido como Oasis chega a substituir quase completamente o mundo que conhecemos — que está em decadência completa, o que estimula a necessidade de fugir para um ambiente virtual mais confortável.

jogador numero 1

“Acreditamos que o metaverso vai ser o lugar no qual todas as formas de entretenimento e mídia eventualmente convergem, um portal onde eles podem ser consumidos”, explicou Sébastien Bisch, gerente-geral da Novaquark, em uma entrevista ao site Games Industry. “Também acreditamos que o metaverso vai ser um espaço naturalmente social para o qual as mídias sociais e os grupos de discussão também podem migrar”, continuou.

Para Bisch, enquanto muitos jogos modernos — incluindo Fortnite — são eficientes em reunir uma grande quantidade de jogadores online, eles ainda fazem isso de forma dividida. Mesmo World of WarCraft e Final Fantasy XIV, com seus grandes espaços compartilhados, ainda dependem de múltiplos servidores para funcionar, no qual suas comunidades acabam sendo divididas.

Um grande concerto em Fortnite pode reunir dezenas de milhares de pessoas, mas isso sempre é feito em grupos de, no máximo, 100 pessoas. Em um verdadeiro metaverso, todos os participantes estariam presentes no mesmo lugar virtual, garantindo uma experiência ainda mais imersiva e parecida com a vida real. Além disso, em vez de vermos uma apresentação pré-gravada do artista, ele estaria se apresentando ao vivo usando seu próprio avatar virtual como meio de interação.

Da mesma forma, os games como os conhecemos ainda possuem objetivos muito claros e limitações mecânicas que os impedem de ser experiências realmente sociais ou que tragam a ideia de “mundo virtual” que vemos na ficção. Você pode atirar, dirigir, dançar e parar para ver um filme ou trailer de um grande lançamento em Fortnite, mas não tem a liberdade de tocar uma guitarra ou surfar em uma praia virtual — algo que não é uma limitação na ficção de Jogador Número 1, por exemplo.

Para que um metaverso funcione, ele deve seguir alguns requisitos:

  • Ser persistente, o que significa que não há pausas, tampouco uma previsão de chegar ao fim;
  • Ser síncrono e ao vivo: assim como na vida real, os eventos não se repetem e acontecem no momento em que os participantes estão no metaverso;
  • Não ter limite de participantes: não há restrições de servidores, tampouco divisões de usuários — todos compartilham os mesmos ambientes e experiências;
  • Ter uma economia própria, totalmente funcional e ligada ao “mundo exterior”;
  • Misturar o mundo real e o virtual de forma integrada, sem qualquer tipo de barreira entre as duas experiências;
  • Ser interoperável: um item adquirido em uma experiência pode ser usado em outra. Pense em Jogador Número 1: um Delorean de “De Volta para o Futuro” pode ser usado em uma corrida no universo de Mario Kart, por exemplo;
  • Permitir a criação e a iteração de conteúdos pelos participantes, sendo um ambiente essencialmente interativo.

“A realidade é o metaverso, o metaverso é a realidade. A mesma coisa. É só qual localização a qual você quer dedicar seu tempo, e em que momento? As consequências de ação tanto online quanto offline são similares, se não idênticas (além de fisicalidade). Tudo interage com tudo”, explica Jace Hall, fundador e chefe criativo da HiDef, empresa que levantou US$ 9 milhões em financiamento em março de 2021 para apostar em seu próprio projeto focado no conceito.

Um exemplo de como essa mistura entre o mundo real e virtual pode ser essencial para entender um contexto maior surgiu no próprio título da Epic Games. Quem foi aos cinemas assistir a Star Wars: A Ascensão Skywalker e não participava do universo de Fortnite ficou sem saber o conteúdo da importante transmissão do Imperador Palpatine, que se mostrava uma parte essencial da trama.

Oportunidades e desafios

Enquanto o metaverso como conceito já é conhecido, ainda não está claro quando ele vai se tornar realidade, tampouco a forma que ele vai assumir quando isso acontecer. No entanto, isso não é obstáculo para diversas empresas de tecnologia, que veem nele uma oportunidade de negócios atraente — para Harman Narula, CEO da Improbable, o que estamos vendo é uma corrida pela “nova internet” semelhante ao começo do boom das Ponto Com.

JOGOS MOBILE

“Elas [empresas] podem sentir que há algo importante sobre mundos virtuais e o metaverso, porque as pessoas passam muito tempo jogando games e, cada vez mais, jogando online”, explica Narula. “Há uma expectativa de que aspectos da sociedade, cultura e economia vão seguir para o local em que as pessoas passam seu tempo”. A busca por universos virtuais se intensificou com a pandemia do COVID-19, que fez surgir novas demandas por interação em um mundo no qual o distanciamento físico passou a ser uma exigência para sobreviver.

Ao mesmo tempo em que o desenvolvimento do multiverso traz oportunidades de negócios — especialmente para quem conseguir estabelecer um ambiente no qual as interações (e as transações financeiras) seguem suas regras —, chegar a ele não é tão simples. Segundo Ian Hambleton, CEO da desenvolvedora Maze Theory, servidores e infraestruturas compartilhadas na escala que a ideia propõe trazem exigências de hardware e software nunca vistas anteriormente.

Hambleton também aponta que, ao contrário do que acontece na ficção científica, dispositivos de Realidade Virtual ainda permanecem pouco acessíveis. Com isso, um multiverso realmente funcional exigiria a adaptação para múltiplos pontos de acesso igualmente satisfatórios — o que implica em novos desafios de hardware e software.

REALIDADE VIRTUAL

Para o desenvolvedor Rami Ismail, cofundador da Vambleer, as barreiras para a criação de um metaverso são “tudo além da comunicação por voz”. À Games Industry, ele explicou que o desenvolvimento de games atual é focado em criar imersão através do uso de atalhos e limites próprios ao meio, que nem sempre respeitam a maneira como as coisas acontecem na realidade — e, por consequência, em um metaverso imersivo.

“Andar é um desafio quase impossível, dependendo de jaulas gigantes nas quais as pessoas podem andar. Esse é só um vetor de entrada… eu nem entendo como eles andam no Oasis”, afirmou Vambleer, em referência ao universo de Jogador Número 1. Além dos desafios clássicos de jogos (como evitar que um jogador ultrapasse uma parede?), a construção de um mundo conectado também enfrentaria mais barreiras de linguagem e até mesmo de interface.

Peguemos como exemplo um jogo como God of War: um analógico controla a movimentação, outro a câmera, há botões dedicados a ataques, usos de item e para o acesso ao menu — simples, certo? Agora, experimente deixar o game nas mãos de um parente que nunca jogou videogames antes e veja se ele consegue jogar de forma natural, mesmo nas fases de tutorial — improvável, não?

Um metaverso construído a partir dos games teria que apresentar uma revolução em suas ferramentas de interação, de forma a torná-las intuitivas mesmo para quem nunca entrou nesse universo. Da mesma forma, há o desafio de tornar esse universo virtual envolvente e interativo para quem possui limitações de acessibilidade — algo que, para muitas produtoras, virou prioridade há muito pouco tempo (com exceção de alguns casos, como a Naughty Dog).

Desafios aos negócios

A criação de um metaverso também envolve desafios que vão além do aspecto técnico. Para Jace Hall, fundador e chefe criativo da HiDef, será preciso repensar totalmente o modelo de negócios para a criação de um universo realmente interativo, criativo e transformável — o que implica ter de repensar a forma como os direitos autorais como o conhecemos funcionam.

Enquanto em Fortnite já conseguimos ver uma mistura inusitada de personagens da Disney, Marvel, NBA, DC e várias outras empresas, seria equivocado dizer que “tudo” está lá — algumas das propriedades intelectuais mais famosas do mundo, como Mickey e os desenhos da Warner, não tem nenhuma previsão de chegar ao game, por exemplo.

KRATOS em FORTNITE

Na ficção, muitas vezes a resposta para essa questão está no monopólio: em Jogar Número 1, por exemplo, tudo está no Oasis porque sua criadora, a Gregarious Simulation Systems, é dona de tudo. O ambiente virtual se tornou tão popular e essencial que substituiu a realidade para a maioria das pessoas de seu universo fictício, fazendo com que, aos poucos, todas as produtoras de filmes, séries e propriedades intelectuais relevantes fossem incorporadas à sua estrutura.

Para Ismail, o cenário de Jogador Número 1 descreve o pior resultado possível para a criação e estabelecimento de um metaverso. “Tudo se colapsou em um único monopólio que aparentemente tem a licença de marca de tudo, a interface é um capacete que não sei direito como funciona, e, mesmo se você ignorar tudo isso, agora tem que fazer missões de coleta em uma versão mais brutal de EVE Online”.

Em nossa realidade, as coisas são um pouco diferentes, mas não menos complicadas. “Enquanto algumas propriedades intelectuais podem ter valor duradouro para seus criadores, dado o alto volume de conteúdo gerado com ferramentas digitais facilmente acessíveis e maleáveis, o ritmo de criação e a estrutura de copyright não necessariamente funciona no metaverso”, explicou Cathy Hackl, da CMO Network, em um artigo publicado na Forbes.

Dentro desse novo universo, profissionais e consumidores vão modificar produtos de forma a encaixá-los em suas necessidades, e transformando no que é conhecido como “prosumidores”. Na nova cultura digital criada pelo metaverso, serão eles os responsáveis por misturar e renovar tendências, permitindo que marcas se tornem conhecidas e ganhem mercado — o que exige uma mudança em leis e no entendimento de como propriedades intelectuais podem ser usadas.

DELOREAN JOGADOR NUMERO 1

O metaverso precisa de termos de copyright vastamente mais curtos que se movem na velocidade da inovação direcionada pela criação de conteúdo que pensa primeiro no digital. Termos de uso e reuso de conteúdos claros, concisos e globais que estimulem a inovação enquanto dão suporte aos criadores e incentivam novas criações são essenciais, especialmente conforme tanto humanos quanto máquinas vão construir o metaverso – afirma Cathy.

Para o multiverso funcionar da maneira como o imaginámos, será preciso uma transformação total das estruturas de criação, transformação e compartilhamento de conteúdos. Se hoje em dia empresas como Disney, Nintendo e Sony podem exercer grande controle sobre como suas propriedades são reproduzidas e comercializadas, elas terão que repensar como fazer isso em um ambiente de alta velocidade e criatividade.

Se na ficção houve a oportunidade para que uma única companhia dominasse o mercado e criasse um multiverso único, desenvolvimentos recentes mostram que estamos migrando para um cenário de múltiplos multiversos possíveis. Enquanto Epic e Roblox já possuem estruturas direcionadas à mistura de entretenimento, jogo e rede social estabelecidas, nomes como Facebook também apostam pesado nesse futuro.

Nem todos apostam no metaverso

Assim como acontece com as plataformas de streaming atualmente, diversas corporações veem o potencial do metaverso e querem ter sua própria fatia desse mercado. Ao mesmo tempo, há quem acredite que tudo não passa de uma moda passageira, como tantas outras antes. Para Strauss Zelnick, CEO da Take-Two, em questão de cinco anos coisas como o metaverso e as criptomoedas, atualmente em grande evidência, dificilmente vão importar.

Ele acredita que as experiências oferecidas por Grand Theft Auto Online e o componente online de Red Dead Redemption 2 já entregam o que os consumidores querem e esperam de uma experiência online rica. Na prática, Zelnick acredita que termos como “metaverso” são somente palavras da moda para designar algo.

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“Há muita vontade de que isso vire verdade… então há a demanda real do mercado, a tecnologia e a habilidade para tornar isso possível”, explica Mandisa Washington, desenvolvedora mobile da CUNY Brooklyn College. Para ela, um metaverso realmente funcional só será possível quando ele trouxer algo realmente melhor do que a internet oferece, sendo tão acessível a um usuário hardcore quanto à vovó.

“Estivemos aqui antes”, explica Mandisa. “Plataformas sociais como o Facebook e o Twitter —e o MySpace e Second Life antes deles — investiram coletivamente bilhões para se tornarem indispensáveis e inevitáveis. Penso que eles foram bem-sucedidos em mercados emergentes, onde eles podem essencialmente seguir os passos do velho modelo da America Online se se posicionarem como o portão para a internet”.

Mesmo que possível, um metaverso real ainda pode demorar anos — ou décadas — para se tornar uma realidade, e o resultado final pode ser bem diferente das expectativas atuais. No entanto, o que está certo é que os games estarão envolvidos de alguma forma com o processo, por mais que não necessariamente liderem essa revolução.

Engines como a Unreal e a Unity devem ser essenciais nesse processo, atuando como plataformas acessíveis para uma nova internet com mais conteúdos interativos. Além de ricas em recursos, elas são intuitivas, acessíveis e ricamente documentadas, o que deve ajudar aos desenvolvedores na construção de um universo rico, persistente e muito mais imersivo do que podemos imaginar.

Fontes