O mundo dos games e sua relação com os rumores
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O mundo dos games e sua relação com os rumores

Rumores e vazamentos se tornaram comuns em vários canais de comunicação - aqui inclusive -, mas qual suas relações com a indústria de games?

por Felipe Gugelmin

Vamos fazer um teste? Confira os principais sites de notícias de games, tanto do Brasil quanto no exterior, e duvido que você encontre neles uma semana de publicações que não envolva pelo menos um rumor ou vazamento — pode conferir, mas será difícil cumprir esse objetivo! E vou além: muito provavelmente, você não vai nem precisar fazer uma pesquisa para se lembrar de um rumor apetitoso que leu nos últimos dias.

Especialmente quando falamos da indústria de jogos, é impossível escapar dessas duas palavras, que você pode considerar até mesmo negativas. Afinal, em um mundo marcado pelo “ouvi falar”, é muito fácil se deparar com histórias que parecem não ter pé nem cabeça. E, mesmo quando elas têm, também não dá para confiar muito nelas — afinal, como conferir o que foi dito de forma anônima?

Apesar de nem sempre serem desejados, rumores e vazamentos parecem ter cada vez mais importância, especialmente dado o caráter “descontrolado” que eles carregam. Se notícias comuns costumam ser trabalhadas com cuidado por assessorias de imprensa, informações surgidas por meios alternativos são mais “cruas” e até mesmo mais desagradáveis, nem sempre retratando desenvolvedoras e distribuidoras da melhor maneira possível.

Mas afinal, porque rumores são algo tão comum assim na indústria dos jogos? Será pela simples atração que a palavra carrega ou pela curiosidade que temos por saber das “últimas fofocas”, não importa quais sejam elas? A resposta para isso é algo que esta coluna vai tentar apresentar.

Um mercado recheado de barreiras

Mais do que qualquer outra indústria do entretenimento, a dos games é conhecida por ser estruturada em cima de barreiras de comunicação entre desenvolvedores e o público. Você até pode conseguir trocar uma ideia fácil com seu criador de games independentes favorito no Twitter, mas vai ter que depender bastante da sorte para conseguir fazer isso com alguém que trabalha para uma empresa média ou grande.

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Não que a comunidade de desenvolvedores não goste de falar com o público: em minha experiência cobrindo esse universo, posso afirmar com facilidade que é difícil encontrar pessoas mais entusiasmadas em falar sobre seus trabalhos ou que tenham mais paixão pelo que fazem. No entanto, por mais que elas queiram compartilhar aquilo em que estão trabalhando, muitas vezes elas simplesmente não podem — caso façam isso, elas correm o risco de perder seu trabalho e sofrerem processos.

Como alguém que já esteve “do outro lado do balcão”, sei bem que termos de não divulgação (os famosos NDAs) são o padrão da indústria dos games. Seja você um desenvolvedor, membro do time de mídias sociais ou somente parte da equipe de recursos humanos de um estúdio, algo que fica claro nos primeiros dias de trabalho é que você vai ver muitas coisas legais e que fariam muito sucesso com o público — mas não poderá falar com ninguém de fora sobre elas.

Esse grau de proteção tem vários motivos, incluindo o fato de que o jornalismo de games surgiu primeiramente como uma forma de divulgação controlada por empresas. Em um ambiente na qual elas querem uma narrativa que favoreça seus títulos (e estimule vendas), é natural que surjam cláusulas que protejam o discurso que se deseja transmitir.

Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de um game é um processo muito mais complexo e demorado do que a criação de um filme ou de um quadrinho — que, de certa forma, possuem públicos mais compreensivos. Divulgue um trabalho cedo demais e você corre o risco de revelar recursos de jogo que não estarão presentes na versão final, porque o processo de design e testes revelou que aquela ideia sensacional no papel não é tão divertida assim na prática.

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Como experiências do passado já provaram para desenvolvedores que mudanças de rumo são percebidas — o que costuma gerar reações raivosas — é comum que games só sejam revelados ao público quando estão em fase avançada de criação. E, mesmo quando isso acontece, não é incomum que novas informações sejam disponibilizadas a conta-gotas, controlando a narrativa da maneira mais cuidadosa o possível.

Rumores ajudam a quebrar o muro

Embora a comunicação por meios oficiais esteja mudando e processos de desenvolvimento estão se tornando mais abertos — veja o caso do novo Skate, por exemplo, que está sendo mostrado já em sua fase pré-alpha e repleto de elementos incompletos —, não se engane em pensar que as coisas vão se tornar totalmente abertas nos próximos anos. Grandes empresas dificilmente vão falar abertamente sobre seus fracassos e protótipos cancelados, tampouco vão abrir o jogo sobre seus próximos grandes lançamentos enquanto não estiverem certos de seu sucesso.

No entanto, se os departamentos de comunicações das empresas muitas vezes são barreiras para o acesso do público, desenvolvedores ainda querem falar sobre seus trabalhos. Em uma época de redes sociais, perfis anônimos e contatos feitos por aplicativos seguros, quem deseja vazar uma informação sem sofrer qualquer retaliação tem meios de sobra para fazer isso.

E não pense que isso acontece como uma forma de vingança ou desejo de prejudicar um projeto manchando sua imagem. Segundo Jason Schreier, repórter da Bloomberg conhecido por seus contatos no mundo dos games e por uma ampla cobertura de seus bastidores, a maioria dos vazamentos e rumores é fruto de criadores bem intencionados que só querem ver suas obras apreciadas pelo público.

Respondendo a questionamentos no podcast Triple Click, Schreier afirmou que a maior parte das informações exclusivas que ele obtém vêm de desenvolvedores ansiosos em ver o que o público pensa sobre um novo game. Em raríssimos casos isso é fruto de uma disputa contra um empregador ou feito com a intenção de prejudicar um projeto — quando as informações vazadas são negativas, elas geralmente são um “chamado de ajuda” que tem como objetivo final permitir que as coisas melhorem.

No caso de Schreier, a divulgação de qualquer espécie de rumor é feita somente após a checagem de fatos, que precisam ser reforçados por algumas de suas fontes. Afinal, por mais confiável que uma pessoa seja, muitas vezes ela sozinha pode não contar a história inteira — e é sempre adequado tentar pelo menos ter uma fonte oficial.

O problema do “vale tudo”

O problema dos rumores surge quando levamos em consideração que nem todos têm o mesmo histórico de confiabilidade e integridade de Schreier. Em um ambiente livre como a internet, é fácil se proliferarem os perfis dos famosos “insiders” que volta e meia publicam alguma coisa certa, mas, normalmente, são conhecidos mais pelos erros do que pelos acertos — o conhecido “Dusk Golem”, por exemplo, é amado e criticado pela comunidade de fãs de Resident Evil em igual medida.

Enquanto em alguns casos isso pode ser fruto de um ambiente de desenvolvimento incerto no qual as coisas mudam muito rápido (lembra do que eu escrevi sobre revelar um projeto muito cedo?), em outros o puro invencionismo toma conta. Enquanto muitas das informações mais absurdas costumam ser ignoradas, outras são construídas de forma convincente o suficiente para ganhar alguma repercussão antes de a mentira por traz delas ser revelada.

Em um artigo publicado em janeiro de 2013 (quase dez anos!), a GamesIndustry falava sobre um caso em que diversos sites foram enganados por dados falsos sobre o Xbox One — na época o próximo grande lançamento da Microsoft. “O e-mail foi enviado a diversas publicações de games na manhã de ontem. Oito horas depois ele estava circulando como uma peça de notícia válida, embora qualificada como um rumor pela maioria”, afirmou a reportagem de Dan Person.

A informação seria desmentida horas depois pelo autor do rumor no Tumblr, acompanhada por uma crítica bastante válida à maneira como os sites de games trabalham. Na tentativa de serem os primeiros a publicar novidades que chamem a atenção do público, muitos acabam reproduzindo rumores e informações que fazem sucessos em outros sites, sem a preocupação em checar cuidadosamente as informações.

“Lançar tais notícias (se você acredita nelas ou não) antes que outras publicações o façam, vai garantir a você impressões de páginas, e aquela receita importante de publicidade”, afirmou o responsável pelas informações falsas de 2013. Ele complementa afirmando que, mesmo quando tais notícias são marcadas como rumores, os únicos que se beneficiam delas são os editores, enquanto os fãs de games acabam tendo que lidar com especulações e mentiras.

Rumores não vão acabar

As palavras do mentiroso de 2013 são tão verdadeiras agora quanto foram na época, e mostram o principal motivo pelo qual boa parte do público está cansada de ver rumores circulando pelos portais de notícias. Em um ambiente no qual mentiras parecem poder se proliferar sem barreiras, é cansativo ficar animado ou preocupado com uma informação sem saber de sua procedência ou tendo que lidar com a possibilidade de que tudo não passe de uma grande mentira.

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Para que informações desse tipo acabassem totalmente, seria preciso mudanças tanto na forma como empresas se comunicam quanto na estrutura comercial que embase o jornalismo atual. Nesse meio em que muitas vezes é mais importante ser o mais rápido, e não necessariamente o mais completo, informações que chamam a atenção normalmente vão ter destaques — e, se elas não vêm de fontes oficiais, essa acaba sendo uma preocupação secundária.

Em um cenário no qual as coisas não tendem a mudar (ao menos não imediatamente), a forma de se precaver — tanto como eleitor quanto produtor de conteúdo — é apostar em fontes que são confiáveis. Nomes como Jason Schreier, Jeff Grubb, Tom Henderson e outros ganharam proeminência por trabalhar com informações de bastidores que, se não são confirmadas automaticamente por desenvolvedores, sempre se mostram confiáveis.

O ideal, claro, é sempre ter contato direto com uma fonte, mas isso nem sempre é possível: dados os riscos que desenvolvedores incorrem ao falar sobre projetos em andamento, eles não tendem a confiar em qualquer um. Diante dessa impossibilidade, ficar atento a quem tem um bom histórico de “acertos” (que não é o termo acerto, porque boas informações de bastidores não são apostas) é muito importante para não ser enganado, não criar expectativas falsas e evitar ser uma ferramenta que ajuda a espalhar mentiras

E você, o que pensa sobre os rumores que circulam na internet? Gosta de acompanhar informações com esse “selinho” ou prefere aquelas que são confirmadas e divulgadas por meios oficiais? Considera “insiders” confiáveis ou desconfia de qualquer pessoa que diz saber demais, mas nunca pode provar isso?