Jogos para PC fortalecem a estratégia da Sony e valorizam seu catálogo
Ao apostar em uma maior acessibilidade de seus games de sucesso, a empresa só reforça a importância de se ter um PlayStation
A essa hora, não é novidade para ninguém que, desde 2020, o PC faz parte ativa da estratégia de lançamentos da Sony. Começando com o port problemático de Horizon: Zero Dawn, a empresa já trouxe para a plataforma jogos como Days Gone e God of War e, em breve, também vai disponibilizar a coletânea Uncharted: Coleção Legado dos Ladrões.
Há dois elementos em comum entre os jogos já lançados: além de pertencerem a um catálogo mais antigo do PlayStation 4, todos já venderam mais de um milhão de unidades em plataformas como o Steam e a Epic Games Store. Embora a Sony não revele números exatos, uma análise do Steam Spy mostra que somente God of War vendeu entre 2 a 5 milhões de unidades em menos de um mês — nada mal para um jogo que já tem quase 4 anos de idade.
O bom desempenho, somado à fundação recente do selo PlayStation PC, dá motivos de sobra para que a desenvolvedora traga todo seu catálogo para os computadores — e até mesmo pareie lançamentos, tal qual faz a Microsoft. No entanto, dado o histórico da empresa, isso dificilmente vai acontecer: embora já importantes, os computadores ainda são bastante secundários para a plataforma PlayStation e devem permanecer assim durante o futuro.
Lançamentos no PC valorizam o console
Eu sei, a afirmação contida no título pode parecer estranha, mas é verdadeira. A forma como a Sony começou a trazer seus títulos de renome para o PC é feita justamente para valorizar seu catálogo nos consoles. God of War é o melhor exemplo disso: ao lançá-lo para os computadores em 2020, a empresa consegue atingir um público novo que poderia nunca antes ter se deparado com a história de Kratos.
Ao terminar o jogo e ficar interessado em conferir sua sequência, o consumidor se depara com duas opções: adquirir o PlayStation 5 para jogar Ragnarök ainda em 2022 ou esperar não se sabe quanto para ver sua versão para Steam ou Epic Games. Em muitos casos, a escolha é óbvia: melhor do que esperar anos (e tomar spoilers a rodo), vale a pena dedicar dinheiro para comprar a plataforma de mesa para aproveitar seus jogos exclusivos — e quem sabe descobrir outras vantagens no processo.
E não se engane: embora tecnicamente tenham se tornado multiplataforma, os jogos da empresa japonesa continuam seguindo a filosofia de exclusividade que ela adotou há anos. Com altos valores de produção, histórias profundas e foco no single-player, os títulos com o selo PlayStation continuam tendo como objetivo principal convencer os consumidores a investir na compra de consoles, atuando como verdadeiras vitrines para a fabricante.
Isso não muda quando os games são transportados para o PC — em nenhum momento a plataforma se tornou prioridade, mas sim uma opção para que um novo público seja atingido e conquistado pela empresa. No entanto, para entender como isso funciona, é preciso sair um pouco da mentalidade de binômio estabelecida pela “Guerra dos Consoles”.
PCs são uma plataforma à parte
Quando falamos sobre jogar no PC, é comum pensar que ele se encaixa na categoria de plataforma concorrente aos consoles de mesa tradicionais. No entanto, até mesmo pelos custos envolvidos e pela característica mais aberta do meio, não dá para dizer com total propriedade que ele se trata exatamente “da mesma coisa” que o PlayStation, o Xbox ou o Switch.
No PC, não somente as linhas entre gerações são completamente borradas, como há uma inclinação natural para títulos e sistemas de monetização bastante diferentes do que vemos em consoles de mesa. Não à toa, a plataforma é casa dos jogos “free to play” e tem em jogos de estratégia como um de seus gêneros mais populares: sem mouse e teclado, não há League of Legends, DotA 2 ou toda a cena competitiva de Counter-Strike: Global Offensive, por exemplo.
Não que não haja uma convergência entre os meios: especialmente após a segunda década dos anos 2000, o lançamento de jogos para PC passou a acompanhar mais de perto os consoles, justamente pela vontade de produtoras de explorar esse “novo público”. Não é preciso voltar a um passado muito distante para ver que um título popular dos consoles podia ser algo completamente diferente nos computadores: o Spider-Man 2 da Treyarch, que vive na memória de muitos fãs do PlayStation 2, não tem nada a ver com o jogo de mesmo título para PC.
No entanto, o fator que mais diferencia PCs de consoles de mesa e faz com que os públicos de cada meio sejam diferentes é o preço dos componentes. Quem investe o valor de um PlayStation 5 ou Xbox Series X em uma placa de vídeo de última geração sabe bem o que está fazendo, e em nenhum momento está pensando somente na relação custo/benefício de seu investimento — a intenção pode ser simplesmente jogar, mas seguindo uma lógica bem diferente daquela de quem quer uma plataforma acessível e que “simplesmente funciona”.
Mesmo quando comparamos os jogadores de PC com os de Xbox há diferenças notáveis de comportamento. Enquanto jogos como Forza Horizon e Halo fazem sucesso com ambos, experiências de certos gêneros tendem a ressoar mais com quem joga no computador: Crusader Kings 3, por exemplo, é um game que dificilmente teria a atenção que teve caso sua versão para consoles de mesa fosse a primeira a ser lançada.
Para os jogadores de PC, elementos como liberdade de configurações e opções de lojas, preços mais acessíveis e um catálogo mais amplo acabam compensando os custos de entrada alto e a espera por alguns lançamentos de peso. Já nos consoles, o preço de entrada é menor, mas há uma associação maior a lojas e produtos específicos: nisso, cria-se uma maior identificação e, consequentemente, uma maior vontade de provar que a escolha feita é a certa — o que muitas vezes se manifesta na tão famosa lógica da “Guerra dos Consoles”.
Em resumo: ao lançar um jogo para os computadores, a Sony quer atingir um público com pensamentos e prioridades distintas de quem compra o PlayStation 5 ou outra plataforma de mesa. A intenção é justamente “abrir as portas” para novas possibilidades e atrair pessoas que podem nunca ter tido um console da marca em suas casas, mas decidiram fazer isso após ter os primeiros contatos com franquias como Horizon e God of War.
E não se engane: se você tem um PlayStation, os jogos que são convertidos posteriormente para o PC não perdem nenhum valor após isso acontecer. Eles continuam sendo bons motivos para investir nas plataformas da empresa, que vai continuar dando prioridade aos consoles no que diz respeito a datas de lançamento, recursos exclusivos e suporte. Então nada de virar meme na internet e dizer que vai jogar sua coleção no lixo só porque outras pessoas tiveram a oportunidade de conferir seu jogo favorito anos após seu lançamento.
Lançamentos simultâneos são improváveis
Mesmo que o PC tenha gerado números de vendas tentadores para a Sony, é bastante improvável que ela aposte em lançamentos simultâneos. O ex-presidente da PlayStation Worlwide Studios e da Sony Interactive Entertainment, Shawn Layden, afirmou em uma entrevista ao podcast What’s Up PlayStation que essa nunca foi uma possibilidade trabalhada em sua gestão, e o mesmo deve se manter agora que a empresa está sob o comando de Jim Ryan.
“A ideia de ir para o PC — e eu acho que você nunca verá o PlayStation fazer algo no mesmo dia e data que o PC, mas você sabe, nunca diga nunca —, mas a estratégia que estávamos desenvolvendo quando eu estava lá era que nós precisávamos ir para onde esses novos clientes estão, esses novos fãs podem estar”, explicou Layden.
“Precisamos ir onde eles estão porque eles decidiram não ir para a minha casa, então eu tenho que ir para a casa deles agora. E qual é a melhor maneira de ir para a casa deles?”, continuou. Segundo ele, ao apostar em títulos que já foram lançados há mais de 18 ou 24 meses, a Sony não abala qualquer atividade do varejo, nem troca uma venda por outra.
A intenção é justamente aquela de dar uma “isca” para atrair os jogadores para um meio-ambiente ao qual eles não estão acostumados. “Vocês escolheram não vir para o PlayStation, mas deixe-me mostrar o que vocês estão perdendo”, explica Layden, exemplificando bem como funciona a estratégia da empresa.
No fundo, a intenção da Sony é bem diferente da seguida pela Microsoft atualmente: a empresa japonesa quer vender consoles e tornar o PlayStation algo indispensável para os jogadores, especialmente para quem procura por lançamentos recentes. Já a intenção da rival, declarada publicamente diversas vezes, é aumentar a base de seus sistemas de assinatura e trazer seus conteúdos aos consumidores em qualquer momento e plataforma possível — e, nesse contexto, não faz sentido “segurar” um produto em um ou outro hardware.
Se uma estratégia é mais ou menos correta ou favorável ao público, cabe aos consumidores decidirem. No entanto, a Sony parece estar colhendo bons frutos de seu posicionamento até o momento: com mais de 17 milhões de unidades vendidas até o momento, o PlayStation 5 tem como principal obstáculo de vendas a capacidade da empresa de produzir mais unidades. E não é nada ruim que ela consiga complementar suas rendas com a venda de milhões de unidades de jogos no PC, especialmente se eles pertencem à parte do seu catálogo que já “se pagou” há muito tempo.
Fontes: