Por que jogos como Uncharted fazem falta?
Jogos mais objetivos como Uncharted fazem falta no mercado atual — e há razões para isso
Nos últimos anos, o mundo dos videogames foi dominado por experiências de mundo aberto, battle royales e jogos como serviço, onde a liberdade e a longevidade reinam, mesmo diante de resistências e críticas.
Nesse contexto, franquias como Uncharted — com narrativas lineares, cinematográficas e focadas em aventura fechada — parecem relíquias de uma era passada. O último capítulo, A Thief’s End, lançado em 2016, deixou um vazio que muitos jogadores ainda sentem.
Mas por que essas experiências fazem tanta falta? A resposta está na ciência: psicologia, neurociência e até antropologia revelam como jogos como esse atendem a necessidades humanas fundamentais que os títulos modernos nem sempre conseguem suprir.
O poder da narrativa estruturada
Uncharted, criado pela Naughty Dog, é conhecido por sua abordagem cinematográfica: uma história coesa, personagens carismáticos como Nathan Drake e sequências de ação que parecem saídas de um blockbuster de Hollywood. Estudos em psicologia narrativa, como os de Keith Oatley, professor emérito da Universidade de Toronto, mostram que histórias lineares ativam o cérebro de maneira única.
Em seu artigo de 2016 publicado no Journal of Cognitive Psychology, Oatley explica que narrativas estruturadas estimulam a “teoria da mente” — nossa capacidade de entender as emoções e intenções dos outros —, fortalecendo a empatia e a conexão emocional.
Quando jogamos Uncharted, por exemplo, não estamos apenas atirando ou escalando; estamos vivendo uma jornada emocional com Drake, Elena e Sully, algo que mundos abertos, com seus enredos fragmentados e multifacetados, raramente replicam.
Pesquisas de neuroimagem reforçam isso. Um estudo de 2013 do Instituto Max Planck, na Alemanha, revelou que seguir uma narrativa linear aumenta a atividade no córtex pré-frontal medial, uma região ligada à memória emocional e ao processamento de recompensas.
Em contraste, jogos de mundo aberto, como Elden Ring ou GTA V, ativam mais o hipocampo, associado à exploração espacial, mas podem diluir o impacto emocional por falta de um arco narrativo focado. Uncharted nos dá uma catarse — um começo, meio e fim — que satisfaz nosso cérebro de forma semelhante a um bom livro ou filme.
A recompensa da simplicidade
Outro aspecto que faz falta é a clareza de propósito — o famoso “objetivo”. Em Uncharted, você sabe exatamente o que fazer: encontrar um tesouro, escapar de um templo em colapso, enfrentar um vilão. Isso alivia o que os psicólogos chamam de “fadiga de decisão”.
Um estudo de 2010 publicado no Journal of Personality and Social Psychology por Roy Baumeister demonstrou que tomar muitas decisões esgota a força de vontade, um fenômeno chamado “ego depletion”.
Jogos de mundo aberto, com suas centenas de missões secundárias e escolhas constantes, podem sobrecarregar os jogadores, levando à exaustão. Já Uncharted oferece uma experiência guiada, onde cada passo é uma recompensa imediata — seja um diálogo bem escrito ou uma sequência de ação visceral —, sem o peso de decidir o que fazer em seguida.
A neurociência endossa essa ideia. O sistema de dopamina, que regula prazer e motivação, responde fortemente a recompensas previsíveis e bem espaçadas, segundo um estudo de 2017 da Universidade de Stanford publicado na Nature.
Em Uncharted, cada salto arriscado ou tiroteio é projetado para liberar dopamina em doses perfeitas, criando uma sensação de progresso constante que jogos mais caóticos e complexos nem sempre conseguem replicar.
A nostalgia e o instinto de aventura
Jogos como Uncharted também tocam em algo mais primal: nosso instinto antropológico de exploração e heroísmo. O antropólogo David Graeber, em seu livro “O Despertar de Tudo: Uma Nova História da Humanidade” (2021), argumenta que humanos são naturalmente atraídos por narrativas de superação e descoberta, reflexos de nossa história como caçadores-coletores.
Nathan Drake, com sua busca por relíquias em ruínas exóticas, evoca o arquétipo do aventureiro — um Indiana Jones interativo. Esse formato satisfaz um desejo inconsciente de viver uma jornada heroica sem as distrações de um mapa infinito ou grind repetitivo.
Um estudo de 2020 da Universidade de Oxford, publicado no Games and Culture, explorou como jogos narrativos lineares geram maior “flow” — o estado de imersão total descrito por Mihaly Csikszentmihalyi. Os pesquisadores descobriram que títulos como Uncharted mantêm os jogadores nesse estado por mais tempo, pois eliminam interrupções e mantêm o foco em objetivos claros.
Em comparação, jogos de mundo aberto frequentemente quebram o fluxo com escolhas excessivas ou tarefas secundárias, o que pode explicar por que muitos sentem falta da intensidade focada de uma aventura linear.
O vazio no mercado atual
Hoje, o mercado prioriza longevidade e monetização. Jogos como Fortnite e Genshin Impact dominam com atualizações constantes e microtransações, enquanto experiências single-player robustas e diretas como Uncharted tornam-se raras.
Um relatório da Entertainment Software Association (ESA) de 2023 mostrou que apenas 18% dos lançamentos AAA foram jogos narrativos de campanha solo, contra 45% em 2010. Essa mudança reflete uma demanda por lucro contínuo, mas deixa de lado jogadores que buscam uma experiência finita e memorável.
A ciência comportamental sugere que isso tem um custo. Um estudo de 2019 da Universidade de Montreal, publicado no Journal of Behavioral Addictions, indicou que jogos como serviço podem aumentar o estresse e a sensação de obrigação, enquanto títulos lineares promovem relaxamento e satisfação. Uncharted era um escape, não uma rotina — e esse equilíbrio faz falta em um cenário saturado de grind.
Por que sentimos saudade de Uncharted?
Jogos como Uncharted fazem falta porque combinam narrativa envolvente, simplicidade recompensadora e uma conexão emocional que ressoa com nossa biologia e história evolutiva.
Eles nos lembram que videogames não precisam ser infinitos para serem inesquecíveis. A ciência prova: nosso cérebro anseia por histórias bem contadas e desafios diretos, algo que o ritmo frenético dos mundos abertos nem sempre entrega.
Com o sucesso de The Last of Us Part II, outro título da Naughty Dog, há esperança de que o estilo linear volte à tona. Por enquanto, o vazio deixado por Nathan Drake é um lembrete de como aventuras focadas podem ser poderosas — e de que, às vezes, menos escolhas significam mais impacto.
A pergunta que fica é: quando veremos o próximo grande herói linear nos consoles? Comente com a gente o que acha dessas tendências modernas!