Final Fantasy XII faz tudo certo: mas por que o jogo é tão pouco lembrado?
Pérola do PS2, Final Fantasy XII é amplamente ofuscado mesmo por fãs mais fervorosos — mas qual a razão disso?
Lançado em 2006 para o PlayStation 2, Final Fantasy XII é uma obra que, em muitos aspectos, representa o ápice técnico e criativo da era dos 128 bits. Desenvolvido pela Square Enix sob a direção de Yasumi Matsuno, o jogo chegou ao mercado em um momento de transição para a franquia, trazendo inovações ousadas e uma abordagem madura que o distinguem de seus predecessores e sucessores.
Com um mundo vasto e politicamente ligado, sistemas de jogo revolucionários e uma narrativa que foge dos clichês tradicionais de heróis adolescentes salvando o mundo, Final Fantasy XII tinha tudo para se tornar um marco inesquecível na história da série.
Então, por que, quase duas décadas depois, ele permanece à sombra de gigantes como Final Fantasy VII, IX e XIV, sendo raramente citado entre os favoritos dos fãs?
Mundo vivo e história madura
Final Fantasy XII nos transporta para Ivalice, um cenário já conhecido por fãs de Final Fantasy Tactics, mas aqui expandido em uma escala sem precedentes. Diferente das narrativas épico-fantásticas de cristais e vilões megalomaníacos que dominam boa parte da série, o enredo de XII é uma trama política sofisticada, centrada em intrigas entre nações, imperialismo e resistência.
A história segue Vaan, um jovem órfão de rua com sonhos de liberdade, mas rapidamente se expande para incluir personagens como Ashe, uma princesa destronada em busca de vingança e redenção, e Balthier, um carismático pirata aéreo com um passado misterioso.
A guerra entre o Império de Archadia e o reino de Rozarria serve como pano de fundo, enquanto o poder do nethicite – uma fonte de energia mágica com potencial destrutivo – move os principais conflitos e gera motivações suficientes para que a história avance de forma convincente.
Essa abordagem mais adulta e bem posicionada é um dos grandes trunfos do jogo. Enquanto Final Fantasy VII cativou o público com a jornada emocional de Cloud e o impacto trágico de Sephiroth, e Final Fantasy IX encantou com seu tom nostálgico e personagens cativantes como Zidane e Vivi, XII optou por um caminho menos emocional e mais cerebral.
Não há aqui um vilão icônico como Kefka (VI) ou Sephiroth, nem um romance central como o de Tidus e Yuna em X. Em vez disso, o jogo foca na complexidade de seus personagens e nas consequências de suas escolhas em um mundo que parece real, palpável e habitado.
A dublagem em inglês, com atuações de alto nível inspiradas em teatro e cinema, eleva ainda mais o texto, dando vida a diálogos que soam naturais e sofisticados, algo que até os capítulos mais recentes da série, como XV, não conseguiram replicar com o mesmo brilho.
Inovações que mudaram a franquia
Se há algo em que Final Fantasy XII brilha intensamente, é na sua disposição de romper com as tradições da série. O jogo abandonou os combates por turnos baseados em encontros aleatórios, uma marca registrada da franquia até então, e introduziu o sistema Active Dimension Battle (ADB).
Nele, os inimigos são visíveis no mapa, e as batalhas ocorrem em tempo real no próprio ambiente de exploração, sem transições para telas separadas. Essa mudança trouxe uma fluidez inédita, aproximando a experiência de um RPG de ação e eliminando a sensação de interrupção que os encontros aleatórios muitas vezes causavam em títulos como VIII ou IX.
Complementando o ADB, o sistema de Gambits é uma das inovações mais geniais já vistas em um RPG. Trata-se de um conjunto de comandos programáveis que permitem aos jogadores definir o comportamento da inteligência artificial dos personagens em batalha – desde curar aliados quando a vida está baixa até atacar inimigos específicos com magias elementais.
É como se o jogador assumisse o papel de um estrategista, configurando uma equipe autônoma que executa suas ordens com precisão. Esse nível de personalização e controle é algo que nenhum outro Final Fantasy havia oferecido antes, e sua influência pode ser sentida em jogos modernos que priorizam automação inteligente, como Dragon Age ou até mesmo o recente Final Fantasy XVI, ainda que de forma menos explícita.
Outro destaque é o sistema de progressão via License Board, que substituiu os tradicionais níveis de experiência por um tabuleiro onde os jogadores desbloqueiam habilidades, magias e equipamentos com pontos ganhos em combate.
Reminiscente da Sphere Grid de Final Fantasy X, mas mais flexível em sua versão original, o License Board dava liberdade para moldar os personagens de acordo com o estilo de jogo de cada um. A remasterização The Zodiac Age, lançada em 2017, refinou ainda mais esse sistema com o Zodiac Job System, permitindo escolhas de classes específicas que tornaram a progressão ainda mais estratégica e recompensadora.
Exploração e imersão em Ivalice
A exploração em Final Fantasy XII é outro ponto alto que merece aplausos. Ivalice é um mundo semiaberto em uma escala impressionante para a época, com áreas vastas como as planícies de Giza, o deserto de Dalmasca e a selva de Golmore, todas interconectadas de forma orgânica.
Diferente dos corredores lineares de Final Fantasy XIII, o jogo oferece uma sensação de liberdade que contrasta com a rigidez de outros títulos da época. Os jogadores podem caçar monstros raros, completar missões secundárias e buscar tesouros escondidos, tudo isso enquanto desvendam um bestiário rico em detalhes sobre a fauna e a cultura de Ivalice.
Esse nível de imersão é complementado por uma direção de arte primorosa, que transforma cada cenário em um espetáculo visual – das ruínas de Nabudis às ruas vibrantes de Rabanastre.
Comparado a Final Fantasy XV, que também aposta em um mundo aberto, XII se destaca por sua consistência. Enquanto XV sofreu com uma narrativa fragmentada e áreas que pareciam ocasionalmente vazias, XII preenche seu universo com vida, seja pelos NPCs que interagem entre si ou pelas sidequests que enriquecem a lore.
É um jogo que recompensa a curiosidade e a paciência, algo que nem sempre encontra eco em uma comunidade acostumada a experiências mais diretas e imediatas.
Personagens memoráveis, mas subestimados
O elenco de Final Fantasy XII é outro aspecto que merece destaque. Balthier, o autoproclamado “protagonista” com seu charme debochado, e Fran, a misteriosa viera com uma conexão profunda com a natureza, formam uma dupla que exsuda carisma. Ashe é uma líder determinada e complexa, enquanto Basch traz a honra e o peso de um cavaleiro injustiçado.
Até mesmo Vaan e Penelo, frequentemente criticados como genéricos, servem como âncoras emocionais para o jogador, representando os sonhos e as perdas de uma juventude marcada pela guerra.
No entanto, esses personagens carecem do impacto cultural de figuras como Cloud, Aerith ou Tifa (VII), ou da profundidade emocional de Terra (VI) e Tidus (X). Eles são bem escritos e multifacetados, mas não possuem aquele apelo universal ou momentos icônicos – como a morte de Aerith ou o sacrifício de Vivi – que gravam nomes na memória coletiva dos fãs.
Por que o esquecimento?
Então, por que Final Fantasy XII não alcança o mesmo status de outros capítulos da franquia? Uma das razões é o timing de seu lançamento. Em 2006, o PlayStation 2 já estava no fim de seu ciclo, e os olhos da indústria se voltavam para o PlayStation 3 e o Xbox 360.
Enquanto Final Fantasy VII chegou no auge da popularização dos RPGs no Ocidente e XIII surfou na onda dos gráficos de nova geração, XII ficou preso em um limbo geracional, sem o impacto de uma estreia em hardware revolucionário.
Outro fator é a sua proposta ousada. As inovações de XII, como o fim dos encontros aleatórios e o foco em Gambits, foram revolucionárias, mas também alienaram parte dos fãs que esperavam a fórmula clássica de turnos e narrativas mais centradas em heróis arquetípicos.
O tom político e a ausência de um vilão carismático – Vayne Solidor é competente, mas não memorável – podem ter tornado o jogo menos acessível emocionalmente em comparação com as sagas pessoais e dramáticas de VII ou XIV.
Além disso, a percepção inicial de XII foi prejudicada por uma campanha de marketing que não soube destacar seus pontos fortes. Enquanto Final Fantasy VII Remake e XIV se beneficiaram da nostalgia e de uma comunidade online vibrante, respectivamente, XII surgiu em uma era pré-redes sociais, onde o boca a boca demorava mais para se consolidar.
Mesmo com o relançamento de The Zodiac Age, que corrigiu falhas e modernizou a experiência, o jogo parece ter ficado restrito a um nicho muito específico, em vez de reconquistar o mainstream.
Final Fantasy XII é um clássico que merece ser revisitado
Final Fantasy XII faz tudo certo: é um RPG tecnicamente brilhante, narrativamente ambicioso e esteticamente deslumbrante. Suas inovações pavimentaram o caminho para o futuro da franquia, e seu mundo permanece um dos mais ricos já criados pela Square Enix.
Ainda assim, ele sofre com a falta de um apelo emocional imediato e com o azar de ter nascido em um momento de transição. Comparado aos titãs da série, XII é como uma joia escondida – não brilha tanto à primeira vista, mas revela seu valor a quem se dedica a explorá-la.
Para os fãs de longa data ou novatos curiosos, The Zodiac Age é uma oportunidade de redescobrir esse clássico subestimado. Em um cenário onde Final Fantasy VII Remake e XIV dominam as conversas, talvez seja hora de dar a XII o reconhecimento que ele merece: não apenas como um experimento ousado, mas como um dos capítulos mais completos e inteligentes da franquia.
Afinal, em Ivalice, há um tesouro à espera de quem ousa explorá-lo – e ele vale cada minuto da jornada.