Como conquistar um carimbo de “jogo bom”?
Gosto não se discute. Dito isso, vamos discutir
O que faz um jogo bom? Faça essa pergunta a dez pessoas e provavelmente você vai obter dez respostas diferentes. Classificar um game como “bom” ou “ruim” é completamente ligado à opinião de quem jogou (e quem não jogou às vezes gosta de opinar também), então como definir essa qualidade de maneira empírica?
Esse pode ser um experimento impossível, mas é um que vale a pena tentar. Vamos, então, elencar as características que costumam ser ressaltadas nos títulos por quem os considera bons, buscar uma receita e, quem sabe, descobrir o segredo do que não pode faltar num game para ele ser carimbado, afinal de contas, um jogo bom.
Retomando as notas
Quando tentamos classificar o que é um bom jogo, o debate das notas retorna imediatamente. Em termos gerais, podemos perceber que a maioria dos jogadores julga que um bom game precisa ter uma média de notas de pelo menos entre 75 e 80 pontos. Valores acima desses geralmente aparecem nas discussões como “boas notas”.
O problema dessa métrica é que as notas são, como discutido em outro artigo, um resumo mínimo da opinião de alguém que jogou e escreveu a review. Os 82 pontos obtidos por Gotham Knights aqui no MeuPlayStation indicam que o game foi bom na visão de quem escreveu sua review, mas sua média no Metacritic já cai para 69.
No agregador de notas é possível encontrar análises que vão dos 40 pontos até os 95, colocando o game como um “concorrente ao GOTY, junto com Elden Ring”. E esse é o problema do sistema de média em estatísticas: um game com notas 80 e 40 tem média de 60, enquanto um outro com notas 60 e 60, também tem média de 60 – mas no segundo caso há um consenso maior sobre a qualidade do jogo que não aparece no primeiro.
E esse são apenas alguns dos exemplos de motivos pelos quais não podemos contar completamente com as notas como um sistema realmente objetivo ou empírico para cravar um carimbo de “bom” num jogo. Essa discussão, necessariamente, vai passar por um pouco de subjetividade e opinião. Vamos então nos aprofundar nessa parte e deixar o assunto das notas de lado – quem quiser saber mais sobre esse tema em específico pode conferir o artigo que temos publicado sobre ele.
Como julgamos os jogos?
Falar de opinião é um negócio complicado porque cada um, obviamente, tem a sua. Porém, podemos tentar encontrar o que existe em comum entre as pessoas durante o processo de formação dessas opiniões.
É seguro dizer que chamamos de “bons” aqueles jogos que atendem às nossas expectativas. Gosto de dividir essas expectativas em dois tipos diferentes: as gerais e as específicas.
As expectativas gerais são aquelas que temos com todo e qualquer game. Que o jogo funcione direito, por exemplo, é uma expectativa geral que todo jogador tem, não importa o título. Se ele não rodar com uma qualidade minimamente decente, não dá pra jogar, não tem como ser bom.
As expectativas específicas se referem a cada jogo e ao que vem sendo prometido em suas divulgações. Em um novo GTA esperamos diversas atividades e gráficos avançados, num indie a cobrança por gráficos diminui, mas aumenta o que se espera de originalidade ou mecânicas únicas.
A maioria dos jogadores que adquiriu God of War no PS4 – e depois no PC – esperava uma aventura épica pela mitologia nórdica. O jogo é considerado um dos melhores da geração passada, então podemos dizer com segurança que ele atendeu às expectativas de grande parte das pessoas que o jogaram.
O que ajuda muito na variedade de opiniões, principalmente com jogos mais controversos, é o peso que pessoas diferentes colocam em cada uma das suas expectativas. Cyberpunk 2077, por exemplo, foi lançado com muitos bugs e problemas de otimização.
Enquanto no PS4 o título ficou basicamente injogável, no PC houve grande variedade de experiências devido às inúmeras configurações que as pessoas podem ter no computador. Mas tivemos pessoas entre aqueles que tiveram uma jogatina terrível pelas dificuldades técnicas que ainda defendiam o game, considerando o jogo bom mesmo com problemas. São pessoas que colocaram um peso menor em suas expectativas do jogo funcionar direito e um peso maior em outros aspectos que julgaram que foram atendidos.
Atendendo expectativas
Outra coisa interessante de se observar é que o nível das expectativas muda dependendo do tamanho e da proposta de um jogo. Hollow Knight é considerado uma das maiores jóias do mundo indie, em grande parte porque ele superou muito as expectativas da maioria das pessoas por um pequeno game vindo de um estúdio com apenas quatro desenvolvedores.
Já um triplo A de alto investimento – e alto preço – precisa fazer muito mais para superar o que os jogadores esperam do game. Fica ainda mais difícil quanto mais marketing o título fizer, porque ajuda muito a alimentar as expectativas e, às vezes, até gerar algumas que não eram a intenção do jogo.
Um exemplo digno de ser mencionado aqui é Stray. O game agradou muita gente e certamente tem uma média bem positiva no Metacritic, mas, entre o pessoal que não gostou, podemos resumir as críticas mais recorrentes a um sentimento de “esperar mais” do game.
Se analisarmos os trailers apenas, Stray nunca prometeu ser um jogo muito ambicioso, mas acabou sendo bastante promovido pelo marketing da Sony e viralizou na forma de diferentes memes, o que acabou impactando nas expectativas de potenciais jogadores.
Voltando ao exemplo de Hollow Knight, depois da surpresa do primeiro game, muitos jogadores esperam bastante de sua continuação, Silksong, então vai ser bem difícil o game entregar o mesmo impacto do seu antecessor. Será por isso que seu desenvolvimento parece acontecer de forma tão lenta?
Os “pilares” dos games
Uma vez que o carimbo de um “jogo bom” sempre vai passar pela opinião de quem julga, vou me dar ao luxo de trazer uma perspectiva mais pessoal neste artigo.
Na minha visão, podemos resumir os vários elementos de um game em três pilares fundamentais:
- Apresentação
- História
- Jogabilidade
A apresentação engloba toda a forma que o game se mostra ao jogador. Ou seja, gráficos – tanto na qualidade artística, como na técnica – sonoplastia, trilha sonora, otimização, etc.
História não é apenas o enredo direto da campanha, mas abrange também tudo relativo ao lore e mitologia do game. Jogos de luta, por exemplo, raramente têm uma narrativa propriamente dita, mas o background de seus personagens, seus relacionamentos e coisas do tipo entram para o “pilar” da história que caracterizo aqui.
Jogabilidade é o mais óbvio. É o famoso gameplay, as mecânicas introduzidas no game, como funcionam e assim por diante. Sejam novos elementos da jogabilidade ou coisas repetidas, o que importa é como servem ao jogo onde são implementados.
Como uma regra bem generalista, dois pilares sustentam um game. Ou seja, se a pessoa joga um game e julga dois desses elementos bons, mesmo que o terceiro seja ruim, o título vai receber seu carimbo de um “jogo bom”. Uma história envolvente e gráficos impressionantes podem segurar um gameplay mais ou menos. Ou, então, a história não é lá essas coisas, mas o game é bonito e divertido de jogar, então já passa a valer a pena.
Claro que essa é apenas uma regra bem geral, e tem lá várias exceções. Não há história e gráficos que salvem uma jogabilidade excepcionalmente ruim, por exemplo. Em contrapartida, um enredo realmente profundo e envolvente às vezes consegue carregar gráficos e gameplay mais ou menos.
Voltando ao exemplo de Stray, seu gameplay não é lá essas coisas, mas é um jogo bonito e com uma história bem interessante. O resultado é um título considerado pelo menos “bom” por quase todo mundo que joga.
Conclusão: a avaliação de um jogo bom
No fim do dia, a avaliação de um jogo bom é aquilo que sempre soubemos: depende de cada um, obviamente. Mas não é só porque já sabemos o final que deixa de ser interessante o debate até chegar lá.
Depois de todo um artigo falando do assunto, acredito ser importante apenas destacar mais uma vez nesta conclusão o gerenciamento de suas expectativas.
É importante entender a real proposta de um game antes de fazer seus julgamentos a respeito do que esperar dele e, por consequência, se ele atende ou não a essas expectativas.
Não para ser “justo” com o jogo. Games são objetos sem sentimentos, eles não precisam que você seja “justo” com eles. É mais para ser justo consigo mesmo. Aprender a avaliar bem qual é a proposta de um título que você aguarda ansioso vai lhe ajudar a apreciá-lo pelo que ele realmente oferece. Pode ser que você se divirta jogando algo que a princípio não parecia bom, ou pode ser também que você não perca seu tempo tentando se forçar a gostar de algo só porque se convenceu que ele teria que ser bom antes mesmo de jogar.
Vivemos a era do dilúvio dos games. Opções não faltam, para todos os gostos e faixas de preço. Aprenda a valorizar o seu carimbinho de “jogo bom” e passe a investir melhor o seu dinheiro e o seu tempo.