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Saudades de jogos anunciados perto do lançamento?

Promover o hype é uma prática que só se intensificou nos últimos anos e faz parte da cultura dos games. Mas há um dilema em curso: existem limites?

por Bruno Micali
Saudades de jogos anunciados perto do lançamento?

Numa indústria em que comer mortadela e arrotar peru é cada vez mais comum, parte devido à homérica quantidade de produtos sendo lançados ao mesmo tempo, a pergunta de 1 milhão de dólares ressoa gritante: os jogos devem ter menos “lenga- lenga” entre anúncio e lançamento ou esse longo processo de maturação, que só deve aumentar nas futuras gerações, tem de ser um pilar sacramentado?

Vamos pensar no assunto em três camadas: antes da internet, depois da internet e após as redes sociais. No período mais dourado da década de 90, quando a E3 engatinhava e as revistas de games brilhavam na coleção dos que gostavam de acompanhar o mercado, nós mal tínhamos dimensão do que acontecia por trás dos panos.

Não havia a baciada de títulos que testemunhamos hoje; a proporção mudou de 1 pra 100, para dizer o mínimo – os consoles somavam, em sua biblioteca total, coisa de 200, 300 a 500 jogos. Estamos falando nesse número consolidado para uma geração inteira. Hoje, essa é a quantidade que se vê em um mês. Diferença abissal, não é mesmo?

Era comum fazer prévia de dois ou três games aguardados e cerca de três a quatro análises por mês. Hoje, fazer prévia é luxo e depende de uma curadoria afiada: como escolher 1 entre 100 jogos inéditos para falar a respeito? Por mês, ano ou semana? A máquina de marketing insuflou a indústria até o ponto de saturação, que é, basicamente, o momento em que vivemos agora. Mas vamos voltar às camas pré e pós-internet e redes sociais.

Controle PS4

Engajamento: da faísca à explosão

Com o advento da internet, que também remonta à década de 90 e culmina no início deste milênio, a nossa percepção começa a se ramificar para novos sentidos. O fácil acesso à informação, o fomento a novos modelos de negócio, a evolução natural da tecnologia e o avanço das ferramentas/técnicas de desenvolvimento de jogos começaram a desenhar um mercado emergente, posicionado a uma nova era e com um número cada vez maior de adeptos.

Em outras palavras: de nicho a indústria passou a ser sustentada por massas, que compartilhavam suas reflexões em fóruns e grupos específicos do saudoso Orkut. Concomitantemente, novos estúdios e publishers surgiram numa velocidade atônita de se acompanhar, especialmente com a ascensão das produções independentes, que começaram a erguer sua tocha de importância ali nos meados de 2002 a 2008. Eles eram, e hoje são mais ainda, a válvula de escape dos AAAs enlatados que vemos aos montes.

E então veio a consolidação das redes sociais, mais precisamente na era pós-Orkut, se colocarmos a trajetória delas numa linha do tempo. Facebook, Twitter, Instagram e outras tantas que brotam a todo momento definiram novos paradigmas num quesito que tudo tem a ver com games: interação.

Interação gera engajamento. Engajamento gera discussões. Discussões geram ideias. Ideias geram vontade. A vontade conduz ao desejo e, por fim, à compra ou à realização de algo. Agora rebobine ao início desse efeito cascata – que não necessariamente tem ordem exata e tampouco é sacramentado – e você tem, basicamente, o hype: o estado de entusiasmo absoluto em torno de um assunto/produto/acontecimento.

Kratos God of War
O God of War foi um dos que aproveitou do marketing, mas cumpriu sua promessa

O hype é um plano construído, que pode ou não ter efeitos diretos e indiretos, conscientes ou inconscientes, graças à máquina do marketing e ao recorte estratégico das divulgações; os trailers mostram, basicamente, aquilo que mais potencialmente pode gerar impacto ao consumidor. Essa faísca pode ter efeito espontâneo ou deliberado, e ninguém controla a bola de neve de um produto cobiçado. Depois da tempestade, calmaria: o jogo lançado. A entrega corresponde ao hype criado?

Hype vs. entrega à altura: necessidade de equilíbrio

Da mesma forma que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, mantra do Homem-Aranha, com um enorme hype surge a iminente pressão pela qualidade do produto. Trailers impactantes foram divulgados, promessas foram feitas, um sonho foi vendido. As pessoas recebem essa mensagem de maneiras diferentes, podendo diminuí-la ou aumentá-la como bem quiserem.

Já dizem os pergaminhos da comunicação: o divulgador controla o que quer falar, mas jamais administra a reação do receptor. O emissor planeja seu recado, transmitindo-o como, quando e onde desejar. O receptor, por sua vez, está totalmente fora da alçada de qualquer instância, e ninguém calcula o que ele pode fazer com a mensagem recebida. Daí surgem conceitos como “controle de dano”, quando alguém tenta consertar uma imagem severamente prejudicada, ou “passar pano”, isto é, a vista grossa que se faz mediante determinados problemas – e tudo com grau de relativismo.

Há jogadores que tomam partidos nesses julgamentos, seja por preferência a uma marca ou desdém de outra, não havendo, necessariamente, um certo ou errado. Quando um jogo aguardado não tem seu hype correspondido pelo público, essas discussões costumam eclodir nas redes, entre defensores e críticos – e o produto, se a gente parar para refletir, já é, a essa altura da situação, secundário, dando palco a discussões efêmeras e inócuas, que se tornam primárias.

Shawn Layden PlayStation
Sony aproveitava suas conferências para fazer anúncios de enorme impacto, gerando expectativas exageradas

Por isso que o equilíbrio entre o momento do anúncio e o lançamento em si é necessário: entende-se que, hoje, os jogos podem ser anunciados dois, três, quatro, cinco anos ou até mais em relação ao cronograma de entrega aos consumidores. Faz parte da cultura dessa indústria e tudo bem que isso aconteça. O problema é: a marca terá fomento suficiente para manter o jogo no radar das pessoas? E, sobretudo, mantê-las empolgadas por TANTO tempo assim? Há material suficiente para isso? Ou a marca deu o passo maior que a perna? Há toda uma série de questionamentos que devem ser endereçados para que possamos entender se é legal ou não um jogo ser anunciado tanto tempo antes de sair.

Anunciado e lançado pouco tempo depois tornou-se um diferencial

Quem diria que seria TÃO atípico testemunhar um anúncio, ficar empolgado pelo produto de maneira instantânea e, ao final da apresentação, descobrir que aquele jogo, tão desejado naquele súbito olhar, está pertinho de sair?

Chega a ser excêntrico pensar que “o sonho está logo aí”. Muitos anúncios são sonhos que povoam o imaginário de uma pluralidade de fãs; franquias pausadas retornando, personagens icônicos reaparecendo, uma jornada sendo continuada. Tudo isso envolve sentimento, e sentimento gera ansiedade.

Horizon Forbidden West
Horizon Forbidden West foi anunciado em 2020, prometido para 2021, mas só deve chegar em 2022

É por isso que, dentre tantas outras razões, tornou-se até motivo de elogio à publisher e ao estúdio de desenvolvimento que tenham tido a proeza de revelar um título e disponibilizá-lo pouco tempo depois – quiçá na mesma semana ou, em casos mais raros, no dia. Eu, particularmente, tiro meu chapéu a isso, em especial por conta da era imediatista em que vivemos, em que nada é muito bom, nada satisfaz e sempre queremos mais – comportamento impulsionado pelo confinamento doméstico que a pandemia trouxe.

Independentemente disso, games e hype sempre caminharam de mãos dadas e assim será. Contanto que os criadores tenham insumo suficiente para sustentar uma narrativa e lançar um produto à altura do hype criado, o enorme intervalo entre anúncio e entrega se justifica. Na ausência disso, a negativa será rigorosamente aplicada pelos jogadores, que anseiam pelo épico a todo momento. A relação simbiôntica entre as duas partes (jogos e hype) deve se ampliar exponencialmente nos próximos anos – e a impressão de que a passagem do tempo só se acelera será intensificada.

Isto posto, aproveite a vida e o que há de melhor por aí. É tudo um grande sopro.

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