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Os segredos de God of War estão diante dos seus olhos

God of War brinca o tempo todo com o jogador, lançando dicas que podem precipitar a revelação final aos mais atentos

por Bruna Mattos
Os segredos de God of War estão diante dos seus olhos

God of War mudou em vários aspectos técnicos, mas talvez a maior das transformações tenha vindo da introdução de um novo universo místico, baseado nos deuses da mitologia nórdica.

Talvez este panteão não seja tão familiar para todos nós, mais acostumados a pensar nas figuras da Grécia. Justamente por isso, para muitos dos que jogaram, a história de God of War parece caminhar em torno de um grande mistério, em que as interrupções na jornada de Kratos e Atreus não parecem ter tanta ligação com o objetivo deles ou que tudo não está completamente explicado.

No entanto, para quem estava atento ou conhece melhor detalhes da mitologia escandinávia, a trama de God of War pareceu bem direta. O jogo lança uma série de pistas – sem muito alarde – que tornam a revelação final algo aguardado, mas não exatamente inesperado.

Quase tudo gira em torno do pontapé inicial para o Ragnarök, o “começo do fim” da mitologia nórdica, e como peças-chave se movem em uma cadeia de eventos que leva os deuses a um destino cíclico.

Se você já jogou God of War e não sacou todas as pistas lançadas pela trama, siga em frente. Caso você não tenha jogado ou chegado ao fim do game ainda, é melhor preservar sua experiência, especialmente com relação ao final. Este texto foi inspirado pelo artigo “How God of War hides its big story reveals in plain sight“, do VG 24/7.

Os spoilers começam a aqui!

O encontro com “O Estranho” 

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O que acontece após a primeira meia hora de God of War já entrega muitas dicas dos mistérios da trama.

Depois que Kratos e Atreus saem para caçar, são surpreendidos pela visita de um homem chamado inicialmente de “O Estranho”. O personagem é poderoso e vai até a cabana de Kratos a mando de Odin.

Logo ao abrir a porta, a primeira frase dita pelo Estranho é “pensei que você fosse maior”. Durante o resto da conversa, ele repete várias vezes que “eu sei O QUE você é”, e comenta que o Fantasma de Esparta “veio parar longe”.

O raciocínio lógico do jogador – e também de Kratos – é de que aquele homem sabe tudo sobre o passado do protagonista, incluindo sua divindade e as origens em Esparta. Kratos não teme a ameaça, mas a possibilidade de seu passado vir à tona, especialmente na presença de Atreus.

Descobrimos posteriormente que, na verdade, O Estranho não estava atrás de Kratos, mas de um gigante (“pensei que você era maior”), cujo paradeiro acabava de ser descoberto por Odin… coincidentemente, logo após a morte de Feye, a segunda esposa de Kratos.

Na mitologia nórdica, gigantes ou Jotuns, são grandes inimigos dos deuses, em especial os Aesir (da “turma” de Odin). Como Mimir conta para Kratos e Atreus durante os diálogos da jornada, Odin é um dos responsáveis pela destruição da raça dos gigantes.

“Mas antes de acabar com isso, quero que saiba de uma coisa: eu não sinto nada!”

Apesar da identidade do Estranho só ser revelada algumas horas de gameplay depois, no primeiro encontro já temos fortes indícios de quem ele seria. O personagem brada constantemente que “não sente nada”. Por mais que Kratos bata furiosamente no inimigo, nada parece pará-lo. O Estranho não sente dor; pode ser atingido, mas não pode ser ferido.

Considerando as características do personagem, O Estranho só poderia ser Baldur, um dos filhos de Odin. Este deus nórdico se assemelha muito com o espartano Aquiles – um guerreiro belo e incrível, extremamente nobre; a verdadeira personificação do herói perfeito. Assim como seu colega grego, Baldur foi protegido ou “blindado” dos males do mundo. Depois de Odin descobrir que seu querido filho seria morto, Frigga, sua mãe, faz com que todos os seres vivos jurassem que jamais fariam mal algum a seu filho.

No entanto, God of War não costuma idealizar os deuses, e mostra um Baldur mais “pé no chão”. Toda essa redoma em torno do deus fez com que Baldur não fosse capaz de sentir dor, algo que ele anseia incansavelmente e, talvez, possa encontrar ao duelar com Kratos.

As flechas de visgo

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Logo depois de Kratos matar o primeiro dragão para ajudar Sindri, o anão decide presentear Atreus com flechas muito especiais, feitas de visgo, “perfeitamente balanceadas e mais certeiras do que Heimdall”. O jogo não abre espaço para que as tais flechas sejam usadas ou sua utilidade seja descoberta e se tornam totalmente ofuscadas, principalmente depois que Sindri oferece algo bem mais útil – a corda para o arco que permite a Atreus disparar flechas elétricas.

O único momento em elas acabam se tornando úteis é quando a alça da aljava de Atreus se rompe e Kratos faz um “remendo” usando uma delas. A cena é apresentada quase sem pretensões, mais como uma lição de batalha entre pai e filho, mas é um dos momentos mais importantes do jogo.

Posteriormente, descobrimos que O Estranho, na verdade, é o deus Baldur, filho de Odin e Frigga. A revelação ser posicionada neste ponto não é mera coincidência.

Em mais uma semelhança com Aquiles, a proteção divina de Baldur tem uma pequena falha. Enquanto a fraqueza do guerreiro grego jazia em seu tornozelo (a parte de seu corpo que não foi banhada no rio Estige), a única coisa que poderia ferir Baldur era o visgo, uma planta que Frigga considerou insignificante e inofensiva.

Enquanto Baldur era revelado, Atreus carregava consigo a única arma capaz de derrotar um deus praticamente invulnerável a qualquer dano imaginável. Peças importantes da história de God of War começavam a se encaixar neste momento – e elementos do Ragnarök começavam a aparecer. Ainda assim, as flechas permaneciam inúteis, tanto para o gameplay, quanto para a história, até que alguém falou sobre elas.

A bruxa, Freya e Frigga

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As flechas de visgo também estão em torno da revelação da identidade de outro personagem. A bruxa, apresentada inicialmente como uma mulher com forte ligação com a natureza é, na verdade, a deusa Freya.

Pouco antes da cabeça “ressuscitada” de Mimir revelar o verdadeiro nome da personagem, a cena é interrompida justamente pelas flechas. Ao vê-las, Freya fica extremamente apreensiva e livra-se delas na fogueira, dizendo que são perigosas e amaldiçoadas. Até o momento, a personagem é confiável e Kratos ordena que Atreus siga suas instruções. No entanto, as flechas eram um presente de Sindri e também não haviam motivos para desconfiar das intenções do anão.

O Estranho é Baldur, que pode ser ferido apenas pelo visgo, e Freya considera as flechas de Atreus um enorme perigo… mas algo aí não se encaixa. Freya é uma deusa Vanir, de uma “turma” que não se dá muito bem com os Aesir, a “turma” dos deuses guerreiros como Odin, Thor e Baldur. Se os Aesir e os Vanir não tinham uma relação amistosa, porque Freya ficaria tão assustada ao ver a única coisa capaz de ferir um de seus inimigos?

A resposta está em mais um detalhe da mitologia: Frigga é conhecida por todos como a mãe de Baldur, mas ela é constantemente confundida com Freya. Na trama de God of War, Mimir conta que Freya se casou com Odin pela paz e proteção de seu povo, mas o único interesse do Pai de Todos era aprender a ver o futuro, um poder dos Vanir. A imagem de Freya acaba sendo destruída por Odin e ela é abandonada por seu povo e pelos deuses Aesir, permanecendo presa em Midgard. Assim, todas as boas histórias ligadas à mulher de Odin são creditadas a Frigga (como o fato de ser mãe de Baldur) enquanto uma série de coisas ruins foram associadas ao nome Freya.

Os criadores de God of War acabaram usando a comum confusão entre as deusas Freya e Frigga para criar este contexto. Os dois nomes representam duas formas de feminilidade. Frigga é uma imagem maternal, de esposa, proteção e amor incondicional. Já Freya é uma mulher forte, ligada à fertilidade e sexualidade livre. No entanto, nas várias histórias e lendas da mitologia nórdica, os contos das duas deusas se confundem, e acredita-se que elas possam ser, na verdade, a mesma entidade, mas que recebeu nomes diferentes ao longo do tempo.

Apesar de ser chamada apenas de Freya, a personagem de God of War acaba representando os dois lados dessa única divindade. É mostrada como uma mulher forte e ligada à natureza, mas uma mãe superprotetora, que acabou destruindo a relação com seu filho por amá-lo demais e pelo medo de perde-lo.

Atreus, Loki e o Ragnarok

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A morte de Baldur não é um desastre para os Aesir somente pela perda de um dos filhos mais queridos de Odin, mas porque este evento é previsto como o pontapé inicial para o Ragnarok.

O Ragnarök representa o apocalipse no mundo nórdico, em que vários deuses, como Odin e Thor, são mortos. Depois de um grande encontro de forças da natureza, como o gelo e o fogo, o mundo seria submerso pela água, trazendo de volta a fertilidade e reiniciando o ciclo.

Os eventos são desencadeados pelas ações de Loki, que é filho de Jotuns, mas vive entre os Aesir, sendo uma espécie de lobo em pele de cordeiro. Ele é considerado “o deus da trapaça” e as histórias colocam Loki como uma persona boa com palavras, enigmas e artimanhas, mas não com as armas, como os estimados Aesir. A figura de Loki é extremamente controversa, ora ajudando os deuses, ora causando problemas.

https://www.youtube.com/watch?v=15SoKi1z_JI

A primeira ação de Loki no Ragnarok é justamente causar a morte de Baldur com uma flecha de visgo. Exatamente! God of War revela sutilmente que Atreus é Loki, muito antes do menino e Kratos chegarem a Jotunhein. Baldur é acidentalmente ferido pela flecha presa na aljava de Atreus e se torna totalmente vulnerável com o fim do feitiço de proteção feito por Freya. O deus sente dor pela primeira vez na vida e pode ser derrotado.

Apesar de no game toda a situação parecer quase que acidental, na mitologia Loki é movido pela inveja da grandiosidade de Baldur e planeja o assassinato do filho de Odin. No entanto, como Mimir deixa bem claro, boa parte das lendas ligadas aos deuses são contadas e espalhadas por eles mesmos e, portanto, podem não representar exatamente como as coisas acontecem.

As ações subsequentes de Loki vão levar à ruína completa dos Aesir. Ele é o pai da Serpente do Mundo (Jörmungandr), que irá lutar até a morte contra Thor, e do lobo Fenrir, que irá engolir Odin inteiro.

A dúvida que acaba surgindo é como Atreus/Loki pode ser “o pai” da Serpente do Mundo se a criatura já está em Midgard e o Ragnarök ainda não começou? A explicação vem de Mimir: em algum ponto deste ciclo, Thor golpeou a Jörmungandr com tanta força que ela deu várias voltas em torno de Midgard e acabou voltando no tempo. Uma dica sutil mostra que a Serpente quase reconhece Atreus: ela fala para Mimir que a voz do garoto é “familiar”.

Histórias mitológicas à parte, Atreus acaba descobrindo sua verdadeira origem ao chegar a Jotunhein. Ele não é apenas um deus, por ser filho de Kratos – é um gigante, provavelmente o último deles. A floresta, portanto, não estava escondendo a divindade de Kratos dos deuses nórdicos, mas sim Feye e Atreus, os últimos gigantes abrigados em Midgard, bem debaixo do nariz de Odin.

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Como bem diz Kratos, ele não é o único membro da família com segredos. Feye também tem um nome “secreto”. Ela é Laufey, a Gigante conhecida como a mãe de Loki. Ao observar a sonoridade dos dois nomes, “Feye” é quase um diminutivo ou um apelido carinhoso para Laufey (“Laufêi” e “Fêi”). Pouco se sabe sobre ela, além de que seu nome significa “folhagem”. O pai de Loki é conhecido na mitologia nórdica como o gigante Fárbauti, que significa “golpeador perigoso”.

No fim das contas, a jornada de Kratos e Atreus foi completamente planejada por Laufey antes de sua morte. A promessa de cumprir o último desejo dela fez com que o menino conhecesse sua origem. Pelas gravuras nas paredes de Jotunhein, os gigantes acreditam que a história de Loki envolve uma espécie de profecia; ele representa o triunfo do “último gigante” sobre os deuses que os destruíram

E o futuro?

O conhecimento da mitologia nórdica enriquece ainda mais a história de God of War, mas saber que o game apresenta o primeiro grande evento do Ragnarök com tantos detalhes nos permite prever o que virá a seguir.

Atreus já cumpriu seu papel como Loki e deu início ao Ragnarök, mas agora ele conhece sua origem e não está nada feliz com os deuses Aesir, especialmente depois de Mimir ter contado tantas verdades para o garoto durante esta aventura. Odin é completamente desmistificado, sendo mostrado como alguém ardiloso, sem escrúpulos e com sede de poder; Freya/Frigga abandona a personalidade maternal e jura vingança pela morte de Baldur. Thor também não está nada feliz depois de perder seus filhos para Kratos e Atreus.

Este cenário começa a traçar motivos de sobra para que Atreus/Loki trave um embate contra os deuses nórdicos. O que resta saber é se Kratos irá permitir ver o filho seguir pelo mesmo caminho que quase o destruiu no passado.