PlayStation e o legado de Ken Kutaragi para a indústria de games
Brilhante e perseverante, a trajetória de Kutaragi é grandiosa e ecoará pela eternidade na história do entretenimento
Antes de entrar para a indústria de games com a PlayStation, a Sony não tinha nenhuma experiência nessa área e se limitava a outros produtos e tecnologias. Porém, o que a impedia de investir neste mercado em ascensão no fim dos anos 80? Bom, o motivo era puramente cultural, pois boa parte da empresa na época considerava o entretenimento como “brinquedo de criança”. Mas, entre eles, havia um figurão que pensava diferente.
Foi com ideias “fora da caixa” que Ken Kutaragi quebrou a estigma e o tabu dentro da Sony para criar uma das marcas mais valiosas do mercado — não só no meio de games. Neste especial vamos viajar para a época em que tudo era, literalmente, mato. Quer conhecer um pouco mais sobre a história da PlayStation e como ela foi criada? Então confira os parágrafos seguintes!
Ken Kutaragi e seu histórico com games
A PlayStation é uma das marcas mais importantes da atualidade e tem um histórico extremamente importante no que diz respeito a inovação. Tudo começou lá em 1984, com o engenheiro chamado Ken Kutaragi, o cabeça por trás da divisão de eletrônicos da Sony na época — e uma pessoa bastante curiosa.
Depois de uma visita ao laboratório de processamento de informações, um dos lugares mais inovadores da Sony, Kutaragi ficou fascinado com uma tecnologia promissora chamada System-G, que gerava imagens em 3D em transmissões de TV. Com o Santo Graal em mãos, o engenheiro queria ir além e então decidiu investir todo o seu esforço em um mercado que estava em ascensão na época: os videogames.
Como a Sony não dava a mínima para o mercado de games, Kutaragi concluiu que a mudança deveria ser feita de fora para dentro, trabalhando em conjunto com quem entendia muito do assunto. Foi então que ele procurou a Nintendo, uma das pioneiras da indústria de jogos no fim dos anos 80 e começo dos anos 90.
Nintendo e Sony: o protótipo do Play Station e o CD-ROM
De modo a convencer a Nintendo a firmar uma parceria com a Sony, Kutaragi viajou até a cidade de Kyoto — onde se localizava a sede da gigante japonesa. Todavia, o engenheiro não poderia aparecer com as mãos vazias diante do shogun do mercado de games da época, Hiroshi Yamauchi, o então presidente da Big N.
Com uma sacada genial, o engenheiro ofereceu um chip de som baseado em tecnologia PCM para a casa do Mario, que se alinhava bem com os cartuchos do Super Nintendo na época. Isso foi mais que suficiente para convencer Yamauchi, que abraçou a ideia sem hesitar.
A partir dessa troca, a empreitada começou a engrenar. Como a Nintendo dominava o mercado de games e a Sony dominava a tecnologia do CD-ROM, a parceria logo gerou ideias para um novo aparelho de videogame, chamado de Play Station (separado).
O conceito do projeto era bem simples: unir o Super Nintendo a um leitor de CD-ROM, que era fruto de pesquisas entre Sony e Philips. Na época, as empresas aprimoraram a tecnologia em um momento que o mercado da música também decolava.
Em um dos primeiros passos, o projeto Play Station foi firmado por contrato em 1990, por Norio Ohga (presidente da Sony) e Hiroshi Yamauchi (presidente da Nintendo). Seis meses depois, a equipe de engenheiros liderada por Kutaragi finalmente havia criado o protótipo do console, mas o aparelho nunca viu a luz do dia.
Confira abaixo a imagem do protótipo do console, que fazia a leitura tanto cartuchos de Super Nintendo, quanto de CDs — mas nunca chegou a ser comercializado:
Phillips e Nintendo: o acordo por baixo dos panos
O Play Station tinha tudo para ser um aparelho promissor e poderia ser lançado a qualquer momento no mercado. Porém, foi em 29 de maio de 1991 que todos os esforços da parceria entre Sony e Nintendo começaram a dar errado.
Como o CD-ROM era fruto de pesquisas entre Sony e Phillips, a companhia europeia também detinha os direitos sobre a propriedade. O que Kutaragi tinha a oferecer para a Nintendo era apenas o chip PCM — que era da própria Sony. Todavia, o que Phillips tinha para oferecer à Big N era o acesso irrestrito à tecnologia.
Dito isto, a Philips e a Nintendo oficializaram uma união em uma coletiva de imprensa durante o CES de 1991, aclamado evento de tecnologia da época. O acordo era benéfico para os dois lados: a Big N teria mais liberdade para liderar a empreitada com o CD-ROM como bem entendesse e a gigante europeia poderia lançar o CD-I (sua marca de consoles) sem maiores problemas. Além disso, eles também obtiveram os direitos para produzir jogos de franquias consolidadas, como Super Mario e Zelda.
Kutaragi viajou até Kyoto para tirar satisfações, mas Yamauchi disse que, por mais que tivessem acesso irrestrito ao CD-ROM, o acordo ainda estava de pé. Um mês depois da puxada de tapete, foi instaurado uma equipe de gerenciamento de crise dentro da Sony, que decidiu duas coisas: processar a Nintendo e dar continuidade com o Play Station.
Depois de um ano e diversas negociações frustradas com a Big N que não deram em nada, Kutaragi escreveu o seguinte em um relatório para a Sony:
O mundo está mudando e a supremacia da Nintendo está para ruir. Está claro que não podemos ser parceiras. A Sony precisa seguir seu próprio caminho…
Foi então que Norio Ohga e Kutaragi se uniram para o ultimato com três opções: continuar o velho projeto que era compatível com o Super Nintendo (afinal, ainda detinham os direitos), desistir da empreitada ou criar um console totalmente novo. O mundo dos games estava prestes a mudar.
O projeto PlayStation
Havia uma forte resistência na corporação para a entrada no setor de games: afinal, por que uma empresa tão prestigiada como a Sony deveria se meter com brinquedos? Esse era o pensamento geral.
Na reunião, Kutaragi foi questionado sobre qual era a escala necessária para o chip do novo console, e a resposta foi: um do tipo gate array com 1 milhão de células. Para Ohga, parecia até piada de mal gosto, já que a Sony tinha capacidade de produzir um chip com apenas 100 mil células. No entanto, o engenheiro sabia que algumas empresas no mundo estavam chegando a esse número.
Kutaragi fez questão de lembrar o presidente da humilhação que passaram pelas mãos da Nintendo. Foi então que Ohga lançou o desafio, bateu o martelo e deu o veredito: “quero ver você conseguir!”. A partir daí, ficou decidido que a companhia criaria um console totalmente novo — mas o nome continuou sendo PlayStation (agora sem espaço), pois a marca já havia sido registrada.
Em 1992, uma equipe liderada por Kutaragi foi enviada até a gravadora Epic Sony, vertical da empresa responsável por produções musicais. Uma parte da filial começou a dedicar esforços para pesquisas na área de games e deram o incentivo que o engenheiro precisava.
Durante o processo de criação, o objetivo de Kutaragi era criar uma máquina similar ao System-G, a mesma do laboratório de processamento de informações da Sony. Para conseguir otimizar gráficos poligonais em tempo real, o engenheiro escolheu um chip que combinasse o R3000A, usado em computadores da Silicon Graphics, com um GTE capaz de processar, em teoria, 1,5 milhão de polígonos por segundo — um número surreal para a época.
Criar um console do zero não era o único desafio que a equipe de Kutaragi enfrentaria. Mais difícil que isso seria convencer as desenvolvedoras a abraçarem a ideia, mas a maioria delas acreditavam que gráficos poligonais estavam cedo demais para aparecer.
O cenário mudou completamente depois de uma feira de arcades no Japão em 1993, local onde Virtua Fighter, da SEGA (principal concorrente da Nintendo), apareceu pela primeira vez com gráficos 3D poligonais. Isso colaborou para que o mercado de games finalmente desse seus primeiros passos em direção à era 3D.
O lançamento do PlayStation
Depois de um período cheio de aprendizado nessa indústria, incluindo o fato de a própria SEGA ter negado ajuda para Kutaragi, foi fundada no dia 27 de outubro de 1993 a Sony Computer Entertainment. A divisão ficaria responsável pelo mercado de games, o mesmo mercado que a Sony estava prestes a entrar de cabeça.
Nos dias seguintes, a primeira apresentação oficial do PlayStation finalmente estava com data marcada. Durante o evento conduzido por Norio Ohga, apareceram cerca de 300 engenheiros de software de 60 companhias diferentes.
A famosa demonstração do Tiranossauro em 3D foi então divulgada para todos os presentes. Jez San, da Argonaut Software, pensava que a demo estava rodando em estações da Silicon Graphics — que na época serviu como alicerce para o filme “Jurassic Park”. Veja um trecho dessa demo abaixo:
O conteúdo espantou os convidados e isso foi crucial para que a Sony conseguisse firmar parcerias com desenvolvedoras e, consequentemente, dar suporte ao lançamento do PlayStation no mercado. Entre as produtoras que mais deram auxílio, a Bandai Namco foi uma das mais importantes — e até hoje é uma das mais fortes do ramo.
Bem preparada, a Sony lançou o PlayStation em 3 de dezembro de 1994 no mercado japonês. Cem mil unidades estavam nas lojas no lançamento e, nos pontos de venda mais famosos, os consoles foram vendidos antes do meio-dia. Uma multidão havia se juntado, ainda de madrugada, para (tentar) garantir o console. Mais 200 mil unidades chegariam até o final daquele ano.
O PlayStation foi um sucesso estrondoso de vendas nos anos seguintes, sendo um dos consoles que mais venderam na história — com cerca de 102,5 milhões de unidades despachadas pelo mundo.
Mas não foi apenas o console que reuniu uma legião de fãs. Parte do sucesso se deu por conta de outras publishers como Capcom, Konami e a própria Bandai Namco, que produziram jogos memoráveis para a plataforma e que ecoam até hoje nesta indústria que tanto amamos.
Entre os cinco títulos mais vendidos no console, temos Gran Turismo (10,85 milhões), Final Fantasy VII (9,9 milhões), Gran Turismo 2 (9,37 milhões), Final Fantasy VIII (8,6 milhões) e Tekken 3 (8,5 milhões). O resto é história!
O legado de Kutaragi é algo realmente fascinante. De forma indireta, o engenheiro japonês colaborou para a formação pessoal de muitas pessoas ao redor do mundo. Você foi uma delas?
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