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Yakuza 0: Vale a Pena?

por Hugo Bastos
Yakuza 0: Vale a Pena?

A série Yakuza (Ryū ga Gotoku龍が如く?, Como um Dragão, no original) é antiga. E, apesar do nome sugestivo, a série foca primariamente em tentar mostrar o estilo de vida de um membro da organização ao invés de sua estrutura propriamente dita. Fama, fortuna, dinheiro. Mas como tudo na vida tem um preço, intrigas políticas, maquinações e mortes acompanham essa vida. Yakuza 0 vem mostrar os primeiros anos dessa jornada do crime.

Yakuza 0

Como é ressaltado no início do jogo, “uma vez dentro da Yakuza, não há volta”. E isso é bastante evidenciado a medida que o jogador avança. A história se passa anos antes do primeiro título. Dois são os personagens principais desta vez. Cada um com seu caminho, suas motivações e suas buscas.

Um jogo em que o foco é, basicamente, dominar as ruas dos bairros fictícios de Kamurochu, em Tokio, e Sotenbori, em Osaka. Dominação por meio da força bruta. Há muito a ser feito. E tudo é belissimamente bem executado. Poucas são as falhas que o jogo apresenta. E por esse motivo, jogador, esta é uma oferta que você não pode recusar…

Conhecimento é Poder

Embora não seja uma palavra nova para muitos, é interessante explicar o que é a Yakuza da vida real. Trata-se da maior organização criminosa japonesa, notável pelo seu estrito código de conduta e natureza organizacional feudalista. Operam não apenas no Japão, mas internacionalmente, e conta hoje com mais de 100 mil membros.

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Família da organização

Geralmente, as famílias da Yakuza são comandadas por um Oyabun (chefe de família). Este, por sua vez, comanda seus subordinados, os kobun. Diretamente abaixo do Oyabun estão seus conselheiros-chefes, os saiko komon, que controlam suas próprias áreas na cidade. Eles possuem seus próprios subordinados, o que inclui subchefes, conselheiros, contadores e executores.

Entrar na organização requer um ritual denominado sakazuki (“sakê juntos”), no qual o Oyabun oferece sakê em uma caneca cerimonial ao seu kobun. Este elo não pode ser quebrado e geralmente tal cerimônia é distribuída em gravação aos demais membros do clã. Uma vez dentro da Yakuza, seus membros cortam completamente laços com suas famílias e passam a se referir aos seus colegas como pai ou irmãos mais novos/velhos.

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As tatuagens são um método de identificar membros da Yakuza. Assim como os dedos decepados.

Existem alguns rituais bastante conhecidos da organização. O Yubitsume, ou “o decepar do dedo”, consiste em uma forma de castigo ou pedido de desculpas. Quando na primeira falta grave, o transgressor deve cortar a ponta de seu dedo mínimo e entregar ao seu Oyabun. Tal ato vem do fato de que a pegada da espada tem sua força total reduzida com o corte do dedo em questão e o infrator dependeria ainda mais da organização para manter sua segurança.

Outro é a marcação corporal por meio de tatuagens. Estas são feitas de forma rústica, obedecendo um ritual do período Edo chamado irezumi, aplicando a tinta diretamente sob a pele sem o uso de equipamentos elétricos, com ferramentas manuais feitas de bambu ou metal. É um procedimento caro, doloroso e pode demorar anos para terminar.

Não é Nada Pessoal. São Apenas Negócios

Com esta ambientação, fica menos complexo, talvez, entender as diversas nuances do que ocorre durante o jogo. Isso porque a série Yakuza nunca foi conhecida por um enredo simples e fácil de se acompanhar. Intrigas políticas, traições, reviravoltas e, principalmente, assassinatos, sempre fizeram parte da saga. E em Yakuza 0, esta realidade não é diferente.

A história acontece em dezembro de 1988, em dois lugares distintos, como citado acima. O momento econômico é extremamente favorável ao Japão, e isso é visto a todo momento no jogo. Ao contrário dos jogos mais recentes, dois são os protagonistas de Yakuza 0: Kazuma Kiryu, que inicia seus passos dentro da organização, e Goro Majima, um ex-membro, que para pagar seus débitos é forçado a trabalhar como gerente de um bordel.

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Na história principal do jogo, não há espaço para humor. Ela é tão séria quanto se pode esperar…

Logo no início do jogo, ambos são pegos pelas peripécias do destino. Kiryu é acusado por um crime que não cometeu. Já Majima não consegue terminar uma missão da qual foi incumbido, por motivos pessoais. Dito isto, ambos se vêem em uma rede de intrigas políticas, com interesses muito maiores do que eles poderiam imaginar.

O que faz da ambientação do jogo tão boa é exatamente como ele conduz sua história principal. Não há um momento sequer em que a narrativa se desvia do seu foco. A cada novo personagem, a cada nova reviravolta, a cada novo arco, tudo é perfeitamente conectado.

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Majima é um dos personagens mais carismáticos de todo jogo.

E não apenas isso. Horas e horas se passam sem que sequer o jogador perceba, tamanha a imersão que se consegue. O trabalho primoroso da Sega nos personagens se destaca a todo momento. Não há um momento em que o jogo não transmita a verdadeira sensação que queira passar. Tranquilidade, tensão, fúria. Tudo isso sem que essa fórmula se torne cansativa.

Poucos foram os momentos em que um jogo conseguiu trazer uma história tão imersiva à vida. Este é um destes raros casos.

Olhe Como Massacram Meu Garoto

A jogabilidade é um divisor de águas. Alguns, já acostumados com os títulos anteriores, podem considerá-la ultrapassada. Outros, por considerar esta o pilar da série, juntamente com a sua história imersiva, já pensam o contrário. Esta análise é baseada justamente nesta premissa.

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Socar inimigos é extremamente satisfatório. Mesmo.

Há muito o que fazer no jogo, mas o seu ponto mais alto são as lutas. Especialmente porque o jogo é, em sua essência, um beat’em up.

Os protagonistas agora possuem três estilos diferentes: o primeiro em que o foco é o equilíbrio, um segundo no qual a força prevalece sobre a mobilidade, e o terceiro que a mobilidade prevalece sobre a força. Independente do estilo de luta escolhido, objetos do cenário podem ser pegos e usados temporariamente como armas.

Dessa forma, as lutas possuem um dinamismo muito maior. Apesar de, por vezes, se tornarem repetitivas, é prazeroso arrastar a cara dos adversários no asfalto ou finalizá-los com chutes e socos estilosos. E tudo fica ainda mais dinâmico conforme o jogador evolui as habilidades dos personagens.

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Kiryu e Majima possuem habilidades específicas, que podem ser compradas com dinheiro ganho no jogo.

E as lutas acontecem ao melhor estilo japonês exagerado de ser. Os golpes são pesados. Há peso em cada pancada conectada. As vozes dos personagens, seus gritos de dor e de emoção da luta. É complicado descrever em palavras algo que traz um sentimento tão ímpar ao jogador.

Por mais que grande parte das lutas sejam parecidas, cada uma delas soa como se fosse (quase) a primeira. Glorioso.

Meu Dinheiro Não é Bom o Suficiente Para Compra-lo?

Como dito acima, o jogo possui muito a se fazer. E não apenas de lutas e maquinações viverão os protagonistas. É certo que, no que toca à história principal, não há espaço para humor. O mesmo não pode ser dito da outra parte do titulo.

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Apesar de possuir um mapa um tanto pequeno, há muitas atividades a se cumprir.

Há de tudo um pouco para ser feito em Yakuza 0. Primeiramente, as missões paralelas. Apesar de não ligadas à história, elas liberam novas habilidades, novos pontos de negociação, itens necessários, entre outros, além de serem importantes fontes de dinheiro. Uma vez que as habilidades ficam astronomicamente caras próximo do fim do jogo, é importante realizar tudo o que puder.

Além disso, nada há de mais engraçado do que ver um membro da Yakuza entregando pizza, ou fingindo ser um namorado esforçado para impressionar o pai de uma determinada garota. Se você, caro jogador, acha que essas situações não acontecem, pense de novo.

Fora isso, ainda existem os minigames. Eles são muitos, sendo extremamente divertidos e viciantes.

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Você sabe dançar? Isso não será problema!

Pescaria. Boliche. Cassinos. Karaokê. Dança. Fliperama. A lista é imensa e variada e esta é apenas a ponta do iceberg no qual o jogador poderá passar infindas horas se afundando, sem sequer prestar atenção à história principal.

Ainda há o gerenciamento financeiro do jogo. Kiryu pode negociar propriedades enquanto Majima deve gerenciar sua casa de diversão e entretenimento masculino. Dado o valor exorbitante necessário para se destravar determinadas melhorias no jogo, faz-se primordial que o jogador invista um tempo considerável nestas atividades, pois são as que mais dão retorno financeiro. E, quando completadas, ainda destravam estilos de luta secretos.

Fora do jogo principal, ainda há os modos online e (surpreendentemente) o modo offline para dois jogadores. Nem todos os minigames estão disponíveis, mas aqueles que estão fornecem horas de diversão descomprometida.

Eu Demando Justiça

Justiça seja feita. Por melhor que seja o jogo, ele não está isento de falhas e estas precisam ser citadas. Uma delas se refere à localização. Infelizmente, o jogo não veio localizado ao nosso idioma. E, tomando por base que se trata de um título lançado ainda em 2015 (sim, caro jogador. A série Yakuza sempre demora a vir a terras ocidentais), tal situação poderia ter sido remediada.

Não obstante este fato, em alguns momentos, percebe-se que os gráficos estão um tanto ultrapassados. Isto se deve em razão de o game, em seu lançamento, ainda ter uma versão para a antiga geração.

E falando em antiga geração, junto com seu lançamento, foi lançado o Yakuza 0: Free to Play Application for PlayStation Vita, pouco antes do lançamento oficial do jogo em terras orientais. Tal aplicativo não encontrou a sua luz no ocidente, o que nos faz pensar qual a razão de tal preterimento.

Apesar de diversos no nome, os inimigos acabam sendo apenas um tanto mais do mesmo. Ladrões, membros da Yakuza, bêbados… Roupas e acessórios diferentes e temos inimigos parecidos com os que você acabou de enfrentar. Uma maior variedade seria bem vinda.

E por fim as missões paralelas, apesar de divertidas, fogem um pouco ao contexto do game. Claro, ensinar uma banda de rock adolescente como se comportar e cumprimentar fãs pode soar engraçado, mas destoa bastante do resto do jogo. Isso, claro, deve ser levado em consideração no seguinte contexto: é um jogo culturalmente japonês, em que situações assim são comuns.

Uma História Verdadeira

Além de tudo o que foi dito, o que torna o jogo ainda mais interessante é o realismo com o qual ele foi tratado.

É interessante notar que é extremamente raro mulheres dentro da Yakuza. A exemplo disso temos a esposa de Kazuo Taoka, Fumiko Taoka. Ela assumiu o controle da família Yamaguchi-gumi após a morte de seu marido no início dos anos 1980, por um período.

Por esse motivo, nota-se que as mulheres do jogo geralmente estarão em perigo ou serão tratadas como mercadoria. Apesar de chocar alguns jogadores, é necessário compreender que o jogo é fiel à sua proposta, e dessa forma, tenta retratar com máxima fidelidade como era a vida naquele período.

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A cidade é viva e vibrante em cores.

Apesar de condensados, os distritos tentam ao máximo emular a vida ao final dos anos 80.

A trilha sonora do jogo é outro ponto extremamente positivo. É contagiante a música que toca durante as lutas, e faz com que o jogador queira simplesmente bater continuamente. Ela dita o ritmo das batalhas e não deixa que este ritmo diminua. Fora dos combates, o som ambiente toma conta e cada momento (seja ele de tensão, ou de revelação) tem seu tema próprio.

Apesar de não haver um trabalho de localização de dublagem específica, este sequer pode ser motivo de reclamação. É fantástica a dublagem japonesa presente no jogo. Sem sombra de dúvidas, uma das melhores desde Metal Gear Solid. Os personagens expressam sentimentos, as vozes condizem com os momentos. Tudo se casa perfeitamente. Houvesse legendas em português, este sequer seria um ponto a se colocar em pauta.

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Não é seguro andar com dinheiro nas ruas de Tokyo. Especialmente se seu cobrador for da Yakuza.

Muito embora os gráficos não estejam a altura dos jogos mais recentes, na maioria das vezes, em determinados momentos eles surpreendem. É possível ver, por exemplo, até mesmo as rugas provocadas pelo vício do cigarro em determinados personagens.

Uma Oferta Que… Você Sabe…

Yakuza 0 acaba se superando. Apesar da franquia ser conhecida por trazer sempre jogos de qualidade incontestável, este agrega tudo o que de melhor os outros possuem e adiciona um pouco mais.

Controles que não falham quando o jogador mais precisa. Comandos simples e precisos. E troféus desafiadores. Sim, será necessário, além de coletar tudo o que o jogo tem a oferecer, vencer todos os minigames que existem no universo do game para se conseguir a almejada platina. Um desafio na medida certa para aqueles que gostam.

No fim das contas, este jogo segue bem a filosofia da organização que deu nome à saga. Uma vez dentro, você simplesmente não poderá mais sair.

Hugo Bastos
Hugo Bastos
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Jogando agora: Nada no momento.
Hugo Bastos e revisor do Meu PS4, apreciador de uma boa comida, e de platinas difíceis. E viciado em Rogue Legacy, OlliOlli2, Dead Cells, e não dispensa uma boa noite de jogatina.