Watch Dogs: Vale a pena?
O mais recente blockbuster da gigante Ubisoft finalmente vem à luz após anos de expectativa desde seu primeiro e surpreendente trailer na E3 de 2012 e, sobrevivendo ao forte hype criado sobre o jogo. Watch Dogs estreia bem entre gigantes do gênero de mundo aberto, mas ainda tem um longo caminho a trilhar para conquistar um espaço nos corações dos jogadores.
Lançado em 27 de Maio de 2014 para PC, PlayStation 4, PlayStation 3, Xbox One e Xbox 360, Watch Dogs traz a original premissa protagonizada por Aiden Pierce, hacker que, conforme nos é introduzido no início do jogo, utiliza de suas habilidades para seu bel-prazer.
ENREDO
Logo no início, em um dos golpes perpetrados por Aiden junto com seu parceiro, e também hacker, Damien Brenks, os piratas da internet (pois é assim que se explica hacker para aquela sua tia velhinha) são descobertos no meio da operação, uma transferência milionária de contas correntes de magnatas de Chicago para os bolsos de Aiden e Damien, o que os força a interromper o processo.
Ocorre que as vítimas tratavam-se, conforme se apura ao longo da trama, de pessoas poderosas e perigosas de Chicago e que, assim que descobrem a identidade do nossos querido protagonista, decidem se vingar, atingindo Aiden onde lhe é mais doloroso: em sua família, o que ocasiona a morte de sua sobrinha em um acidente de carro causado por um ataque de mercenários.
O que foi dito acima não é spoiler, e mesmo adiantando um pouco da trama, trata-se apenas dos primeiros minutos da narrativa, esta que embasará a personalidade e objetivos de Aiden no decorrer do jogo. E é nesse ponto que Watch Dogs dá sua primeira derrapada: Aiden.
Aos olhos deste que vos escreve, a Ubisoft, ao conceber Aiden, quis inserir no personagem diversos traços característicos que agradassem, com excêntrica combinação, o maior número possível de pessoas.
No aspecto técnico e mecânico, Aiden é perfeito. Sua movimentação é animada com primazia até mesmo nos mínimos detalhes (perdi muitos minutos apenas observando o sobretudo mexendo ao caminhar do personagem sob a chuva), a interação com o cenário é funcional, seja nos momentos stealth quanto no combate (como o sistema de cobertura, o embate corpo a corpo e o recuo das armas), e o hacking, que abordaremos mais adiante, cumpre com o diferencial prometido; e todas essas habilidades você encontra em Aiden. Como diria meu falecido avô, o cara consegue assoviar e chupar cana ao mesmo tempo. Menos dirigir carros. Tudo menos dirigir carros. A física dos automóveis é completamente quebrada, você não sente o peso, inércia, aderência com a pista, nada. Se vocês planejam uma sequência, Ubisoft, vocês tem um longo caminho pela frente.
E a intenção de criar um personagem badass e mal-encarado acabou saindo pela culatra.
Em primeiro lugar, Aiden procura justiça. Ou seria vingança? Difícil dizer. Atendo-se aos fatos, o hacker porradeiro quer encontrar os responsáveis pela morte de sua sobrinha, e até aí tudo bem. Mas se consideramos que a situação aconteceu apenas porque Aiden se meteu a esperto e tentou furtar milhares de dólares de uma das maiores máfias de Chicago, o efeito borboleta nos ensina que o primeiro bater de asas originou-se do sobretudo de Aiden. E como se isso não bastasse, ao descobrir que os algozes de sua sobrinha estão também metidos com toda a malha criminosa da corrupta Chicago, ele continua se chafurdando no submundo da cidade em busca de respostas, colocando sua família, a coisa mais preciosa para Aiden, novamente em perigo!
Mesmo que considerássemos que estamos lidando com um protagonista manifestamente burro, ainda sim as demais características da personalidade de Aiden não nos faz comprar sua motivação e impulsioná-lo a seguir em frente. Perturbado pelo passado, o personagem principal da trama é soturno, cético e turrão; a figura perfeita de um lobo solitário, que só se preocupa consigo e com sua matilha (que na presente alegoria é sua família). Você o entende e o compreende, mas apesar de tentar, o jogador não consegue se conectar com Aiden.
E as considerações acima tecidas valem para a história da campanha principal, que conta com alguns pontos fortes de ação (beneficiadas pelas já citadas e excelentes mecânicas do jogo) e interação entre os personagens principais interessantíssimos, com seus arquétipos bem definidos e singulares em suas mais variadas personalidades. Watch Dogs peca, porém, na rasa profundidade da trama e do envolvimento dos personagens com esta, elementos insuficientes para prender o jogador durante as várias horas de campanha.
JOGABILIDADE
E findo essa pequena análise-desabafo, afirmo que as derrapadas de Watch Dogs se encerram por aí, uma vez que temos em mãos um bom jogo do gênero de mundo aberto. O mapa de Chicago é suficientemente grande para abarcar as experiências que o jogo oferece. E quais são elas? Vamos lá.
Como todo bom sandbox, Watch Dogs oferece centenas de atividades paralelas, desde minigames de competição para ver quem aguenta beber mais (muito divertidos!), até uma série de missões que envolvem investigar e desmantelar o cartel de tráfico e exploração sexual humana. Além disso, o jogo é repleto de colecionáveis que, quando coletados, adicionam interessantes elementos narrativos ao plano de fundo da história do jogo.
E qual o cimento de toda essa combinação? “Hackear”. Aiden pode “hackear” coisas. Tudo que ele quiser e que lhe for conveniente como semáforos, torres de comunicação e até mesmo canos de vapor que correm por debaixo das ruas (o que me faz questionar incessantemente o motivo de canos de vapor serem ligados a uma rede informatizada…). E o melhor: o jogador pode fazer tudo isso ao toque de um botão, da maneira mais funcional possível. O jogo ressalta o objeto “hackeável” mais próximo ao centro da tela e permite que o jogador o acione ao apertar o “botão do hack”. E tudo isso funciona de maneira extremamente fluida, funcional e rápida, o que torna as seções de tiroteio e perseguições automobilísticas únicas, depositando nas mãos do jogador os mais variados mecanismos para que ele resolva a situação.
GRAFICOS
Os gráficos de Watch Dogs satisfazem, compondo suficientemente bem a proposta do jogo na atual geração, sem, no entanto, impressionar, uma vez que seu desempenho estético apresenta forte dicotomia entre momentos lindos, como as partes de noite, com chuva, onde os efeitos de iluminação formam um lindo quadro com as texturas do jogo, e momentos de dia, onde os efeitos parecem ser chapados, com excessivos tons pastel, e sem a complexidade gráfica vista na exuberante apresentação na demo mostrada na E3 de 2012. O downgrade é presente, mas nada que desabone tão gravemente a qualidade gráfica do jogo e questão.
ONLINE
Por fim, dos modos online oferecidos em Watch Dogs, merece destaque o sensacional modo “Online Hacking”. Aqui, o jogador pode invadir (ou ser invadido em) um jogo alheio, sendo inserido no contexto do jogador rival como se fosse um NPC comum, um mero transeunte para os olhos da vítima. Assim sendo, deve o invasor tentar se mesclar à multidão da melhor forma possível e, mantendo proximidade ao jogador invadido, instalar uma backdoor em seu celular. Nesse meio tempo, o jogador invadido tem que perfilar todos os civis à sua volta e identificar o invasor antes que o tempo acabe. Parece simples, mas o modo é extremamente estratégico e divertido, garantindo muitas horas extras ao jogo, além de explorar seu melhor aspecto: o hacking.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A despeito da massa mais inflamada que se insurge contra o título, Watch Dogs não é, nem de longe, o lixo que algumas pessoas insistem em dizer que ele é. É um bom jogo, com boas ideias, inserido em uma franquia de futuro e nas mãos de uma equipe competente e provida de recursos, mas que indubitavelmente tem suas falhas que podem e devem ser corrigidas caso a Ubisoft esteja (e o final gancho indica isso) com intenção de dar continuidade à franquia.