Kingdom Come: Deliverance: Vale a Pena?
O título da Warhorse Studios traz um vasto e completo cenário, ambientado em um período histórico real. O mais próximo da realidade que você poderá chegar em um jogo.
Antes de mais nada, caro jogador, tenha em mente uma coisa. Kingdom Come: Deliverance é o melhor no que se propõe a fazer. Ou seja: ser um simulador histórico de um período específico de tempo. O que quer dizer que ele, provavelmente, não vai agradar uma grande parcela de jogadores.
Nada de magias, criaturas exóticas, ou coisas absurdas. Henry, filho de um ferreiro da vila de Skalitz, se vê sem terras e sem família, quando seu lar é atacado por mercenários, a mando de um rei usurpador. Ele acaba se vendo em uma trama política enquanto busca por sua justa vingança.
Apesar de parecer bem clichê (e é), o pano de fundo histórico é algo a se elogiar. A recriação da época foi feita levando-se em consideração muitos dos aspectos mais verossímeis. E por isso, as nuances que agregam diversão, ou mesmo comodidade, em outros jogos, não estará disponível. E ainda teve seu lançamento conturbado.
Muitos bugs e defeitos, foram um jogo que, claramente necessitava de polimento. Esta análise, contudo, leva em consideração o jogo após a aplicação de patches (gigantes) de correção. O que deu ao jogo uma outra cara.
Do nada à fama
Uma das coisas mais interessantes no título é que, assim como a saga Assassin’s Creed, ele tem um fundo histórico. Neste, contudo, o esforço foi para trazer tudo o mais real. A começar pelo protagonista. Filho de um ferreiro, vê seu povoado em chamas, sua família assassinada, e acaba pego em uma conspiração para destronar um rei ilegítimo.
A questão é que a história vai mais além. Henry se vê envolto em uma rede de intrigas e conspirações. Algo muito retratado nos filmes sobre a temática. Traições, alianças incomuns e reviravoltas são algo corriqueiro em Kingdom Come: Deliverance. Tudo ambientado em 1403, nas terras do reino da Bohemia (hoje, República Checa).
E assim como a citada franquia da Ubisoft, muitos dos personagens presentes no jogo tem como base suas contrapartes reais. O reino, a invasão, o momento histórico. Todo contexto foi elaborado de forma a dar maior veracidade ao jogo. Contando, inclusive, com a ajuda de profissionais da área para orientar a equipe.
É certo que Kingdom Come: Deliverance poderia ser considerado o “verdadeiro simulador da idade média”. E apesar de algumas escorregadas, ao menos na narrativa, o jogo merece elogios neste aspecto.
Combatendo o bom combate
O jogo não vem inventar a roda, isto é um fato. No entanto, traz um nível de realidade poucas vezes visto em um jogo. A começar pelo protagonista. Henry não é o “escolhido”. Não é sequer o último de sua raça. É apenas um homem comum, e como tal, tem todas as limitações de um ser humano qualquer.
Não espere, assim, magias, habilidades fantasiosas, ou algo do gênero. A jogabilidade é crua e impiedosa. Difícil de aprender e dominar. Os controles não ajudam muito, e as mecânicas do jogo também não facilitam. Retículos de mira não existem: aprenda a atirar e batalhar, ou será morto em instantes.
Além disso, as missões (incrivelmente numerosas) são diversificadas e interessantes. Demoradas até, por sinal. Chama a atenção a variedade de meios que o jogador pode escolher completa-las. Seja na furtividade, no estilo “Rambo”, ou uma união dos dois, o título agrada a todos os gostos.
As coisas vão além: o mundo não espera você se decidir se quer ou não realizar tal tarefa. Se alguém te oferece uma missão e você não aceita na hora, pensando em outras coisas, ele pode se cansar e desaparecer, seguindo com sua vida. Assim, há ainda a questão das decisões e consequências no jogo, algo que é fortemente lembrado a todo momento.
Um mundo que (não!) gira em torno de você
Uma das características mais marcantes de Kingdom Come: Deliverance é seu mundo, e seu “Sistema Emergente”. Basicamente tudo no jogo é orgânico, e funciona sem a interferência do jogador. As pessoas tem suas vidas, os acontecimentos ocorrem, a vida segue. Henry é apenas uma engrenagem em uma máquina gigantesca.
Suas habilidades em armas, combate, e até mesmo interação social melhoram com o passar dos dias. Negociar com vendedores, ou dar gorjetas generosas influenciam posteriormente em descontos que você pode conseguir. Nobres e pedintes reagem a tudo, desde como você fala, até as roupas que está vestindo. E isso não é eufemismo.
Nenhuma tarefa no jogo é fácil. Seja conseguir a rota dos guardas, ou mesmo aprender a decifrar uma mensagem. Quebre as leis e você será punido. Entre na casa de alguém sem sua permissão, e isso será denunciado à guarda local. Tente persuadir um nobre a falar-lhe algo, depois de passar dias sem tomar banho, e ele vai rir da sua cara.
Vestuário e maneirismos na fala influenciam muito o comportamento das pessoas ao seu redor. Aliás, todas as suas atitudes influenciam o jogo. Henry é a peça-chave, e a manivela mais insignificante. Isso tem um peso no final. Muitos jogadores podem torcer o nariz por essa abordagem, e isso tem feito o jogo ser aceito ou rejeitado por essa mesma razão.
Até mesmo eu, autor dessa análise, fiquei dividido por um tempo sobre como considerar tal recurso. Esta divisão de sentimentos é preponderante até mesmo para você, jogador, ao escolher comprar ou não o título.
Tudo nos mínimos detalhes
Uma outra coisa que chama bastante atenção, também, é a infinita gama de detalhes do jogo. Absolutamente tudo tem um efeito no reino, em você, e em sua jornada. Como já dito anteriormente, todos os tipos de relacionamentos podem ser afetados por seu comportamento. O mesmo pode ser dito do próprio personagem.
Ele sente fome, sede, cansaço, e precisa se reabastecer de tempos em tempos. Isso é de praxe, já visto em outros jogos. Mas aqui, tudo é levado a um nível de realismo poucas vezes visto. Ossos quebrados e ferimentos abertos podem leva-lo a morte em pouco tempo. Sua jornada não continua se estiver ferido demais. Ou mesmo cansado demais.
Talvez aqui resida um dos pontos controversos de Kingdom Come: Deliverance. O apego demasiado à realidade. Você precisa fazer uma missão, mas está cansado e com fome. Não pode descansar em uma taverna, porque são 3:00. Então, precisa descansar, comer, e só depois aceitar a missão. Esse tipo de situação é muito mais corriqueiro que se imagina.
Isso tende a trazer, de certa forma, uma frustração ao jogador pela demora em “engatar” no jogo. Para os fãs mais hardcore do gênero, contudo, este é um banquete farto. Com ajuda de especialistas, a Warhorse Studios conseguiu dar vida a um verdadeiro simulador da idade média. Nos melhores e piores detalhes.
Poderia ser um pouco melhor, não?
Mesmo que a desenvolvedora tenha se esforçado ao máximo para entregar o melhor produto possível, algumas inconsistências não podem deixar de ser comentadas. A começar pelos inúmeros bugs que praguejaram o título em seu lançamento. Problemas nos combates, exploração, e até mesmo atributos tornavam a jogabilidade quase inviável.
Mesmo que estes tenham sido corrigidos, os gráficos não são espantosos. De longe, tudo e lindo e belo. Mas uma observada mais de perto revela texturas um tanto pobres, e problemas com serrilhados e expressões faciais. Estas, inclusive, fazem com que os personagens pareçam marionetes.
Mas é bom ou ruim? Nenhum dos dois, pelo contrário…
Kingdom Come: Deliverance é um jogo indefinido. Muitos vão ama-lo pela sua proposta ousada e realista ao extremo. Outros vão odia-lo pela mesma razão. O certo é que o trabalho da desenvolvedora, em desenvolver um autêntico jogo baseado em uma história e mundo reais, deu resultados. O fato é que ele não poderia deixar de ser recomendado.
Missões não-lineares, batalhas grandiosas, cenários deslumbrantes. Equipamentos que se desgastam com o tempo e precisam de reparos, e atributos que influenciam em todas as atividades do jogador. Tudo para levar o jogo a um autêntico “The Sims” medieval. Mesmo que os gráficos não sejam destacados, ou o áudio precise de melhorias.
Até mesmo os “Codex” históricos são detalhados. É possível passar horas estudando as informações sobre a época, pessoas históricas, batalhes, e reinos. O que poderia ser melhor aproveitado com uma localização do jogo. Mesmo que apenas em menus e legendas.
O jogo não está livre de defeitos. Muitos são encontrados, de fato. No entanto, o esforço da Warhorse Studios em desenvolver uma enciclopédia histórica interativa fez-se por ser reconhecido. Kingdom Come: Deliverance deve ser aproveitado como tal: como uma aula de história, onde você é o personagem principal.