Vício em videogames é mesmo um transtorno mental?
Os gamers estão ficando doentes?
Desde o final do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tinha a intenção de classificar o vício em videogames como um transtorno mental, oficialmente listado na Classificação Internacional de Doenças (CID).
O CID é basicamente um grande guia unificado de uso mundial, onde todas as doenças reconhecidas pela comunidade médica são listadas, identificadas por um código próprio, e suas principais informações são resumidas.
A OMS classificou o vício em videogames como “um padrão de comportamento persistente ou recorrente, que resulta em um comprometimento significativo no relacionamento pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou outras”. Isso significa que o vício em videogames só pode ser diagnosticado quando há um impacto ou perda de interesse em outras atividades importantes na vida do indivíduo – como também é considerado no caso de outros transtornos mentais.
A classificação, no entanto, ainda permanece vaga. A OMS não detalha quais padrões corresponderiam ao vício, como quantas horas a pessoa joga por dia e como isso impacta as atividades diárias.
O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), um outro método de classificação, usado pela Associação Psiquiátrica Americana, incluiu o “Transtorno de Jogo Pela Internet” em 2013. Nesse método, existem mais detalhes que classificam o que seria o transtorno, o que inclui:
- Preocupação excessiva com jogos pela internet;
- Sintomas de abstinência com a retirada dos jogos (irritabilidade, tristeza, etc);
- Necessidade de passar cada vez mais horas jogando;
- Incapacidade de controlar o tempo jogando;
- Perda de interesse por outros passatempos e interações sociais;
- Uso excessivo dos jogos mesmo tendo consciência dos problemas que isso acarreta;
- Jogar para aliviar um humor negativo (tristeza, culpa ou ansiedade);
- Colocou em risco ou perdeu um relacionamento, emprego ou oportunidade educacional por causa de um jogo.
O que especialistas dizem?
Ainda que a OMS alegue que a decisão de incluir o vício em videogames venha de dados baseados na literatura cientifica, alguns especialistas discordam.
Andy Przybylski, professor e pesquisador no Oxford Internet Institute, criticou a ação, alegando que as correlações encontradas em pesquisas anteriores eram muito pequenas. Pete Etchells, professor de psicologia da Universidade de Bath, diz que não dá para dizer que as correlações estão certas ou erradas, mas que ainda é muito cedo para afirmar qualquer coisa com relação ao uso excessivo de videogames ser um transtorno mental: “A melhor evidência que temos atualmente sugere que algum tempo no videogame por dia é melhor do que nenhum para o bem-estar e desenvolvimento infantil”, citando trabalhos que videogames estimulariam o cérebro das crianças e o desenvolvimento de funções cognitivas.
Os críticos da decisão também alegam que o vício em videogames é comumente associado à depressão, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno obsessivo-compulsivo, e não se saberia dizer ainda se esse “novo” vício seria uma consequência ou um sintoma destes transtornos.
Um grupo de 36 especialistas em saúde mental e cientistas sociais de diversos centros de pesquisa, incluindo a Univeridade de Oxford e Johns Hopkins se opuseram à decisão da OMS. Os cientistas pretendem publicar um artigo científico mostrando que não há dados concretos para sustentar a classificação. O grupo argumenta que ainda há muita confusão – mesmo entre os autores que apoiam o diagnóstico do vício – sobre o que, exatamente, é o transtorno. Ainda, os cientistas alegam que as pesquisas que apontam que videogames são “viciantes” são de baixa qualidade e não usam padrões adequados de investigação.
Ao mesmo tempo, estudos internacionais apontam que 9% das pessoas que jogam videogame são viciadas. Em alguns países, o vício em videogames é considerado um problema de saúde pública. Na China, a Tencent reduziu o tempo diário de uso do game King of Glory para evitar que seus usuários ficassem viciados. Na Coréia do Sul há uma espécie de “toque de recolher” de jogos online: jovens menores de 16 anos estão proibidos de jogar entre meia-noite e 6 horas da manhã.
O que os jogadores dizem?
Uma pesquisa recente da Qutee, uma empresa especializada em análises de mercado, mostrou o que os jogadores pensam sobre a decisão da OMS.
Metade dos entrevistados achou que o vício em videogames não deveria ser comparado ou considerado semelhante a outros, como o alcoolismo, vício em jogos de azar ou em drogas ilícitas. No entanto, 23% dos entrevistados acharam que o vício em videogames era algo realmente preocupante e comparável a outros mais conhecidos e considerados graves.
Ao mesmo tempo, 89% dos participantes da pesquisa considera jogar videogame algo benéfico para a sociedade e dois terços dizem ter feitos amigos graças aos games. Mais de 90% dos entrevistados acredita que a mídia traz uma representação ruim dos videogames para o público, especialmente pela associação constante com casos de violência entre jovens e adolescentes.
O que você acha? Alguns de nós temos realmente hábitos nocivos com relação a videogames? Você já percebeu que os games trouxeram prejuízos a sua vida social, em família ou profissional?