The Last of Us: como a narrativa eternizou um game
The Last of Us vai muito além de uma "história de zumbis", e nos entrega uma das mais emocionanntes narrativas de todos os tempos.
The Last of Us completou seis anos em 2019. E mesmo depois de tanto tempo, continua a ser aclamado pelos fãs. Não se trata apenas de um game sobre um apocalipse zumbi. Vai muito além dessa simples representação. Não é à toa que é considerado um dos melhores jogos de PS3 até hoje. Talvez até o maior. Do console e de todos os tempos.
Tudo pela capacidade da Naughty Dog de contar a história de Joel e Ellie de uma forma “humana”. Por exemplo: quando a garota vê uma girafa pela primeira vez algo mágico acontece. Mais do que uma cena carismática, ela representa um sonho; uma busca. Em maior nível, uma realização.
Aquele momento marcava a liberdade de quem havia passado toda sua vida presa na área de quarentena. Mais do que isso, solidificou a relação de pai e filha. Tornou-se inquebrável a conexão entre os dois protagonistas do título.
The Last of Us não é sobre ser herói ou salvar o dia. O jogo fala de confiança. Laços. Sua destruição e reconstrução. E a tentativa de apagar pecados que nunca foram cometidos.
A dor da perda
Se há algo no qual o enredo de The Last of Us é muito bom, talvez o melhor até agora, é em mostrar o quanto a realidade é dura e implacável. Muitos são os jogos que colocam o jogador dentro de cenários apocalípticos. Entretanto, nenhum retratou tão bem a dor da quebra forçada desses laços como a aventura de Joel e Ellie.
A “maneira de contar história” de The Last of Us, definitivamente, não é aquela com a qual estamos acostumados. Especialmente pela forma como ele mostra como relacionamentos são instáveis. A ligação entre pessoas, e a quebra forçada delas, são os destaques. E como alguém reage a isso.
A reação de Joel foi a mais humana possível. Ele construiu pontes, ergueu muros, cavou fossos e tornou-se uma pessoa “sem qualquer sentimento”. Conexões são dolorosas. E o protagonista aprendeu isso da pior maneira possível.
Tudo ficou ainda pior após conhecer Tess, com quem ele ainda tinha algo em comum – a vontade de sobreviver, não importa o preço. Talvez por isso tenha sido tão averso à ideia de aceitar a missão de levar Ellie para fora da zona de quarentena. Aproximar-se de outra pessoa, ter sob seus cuidados outra criança, não era a melhor ideia de passar o dia.
“Quando você olha para o abismo…”
É durante essa jornada que aprendemos como é ser humano de fato. Negar-se a acreditar. Afastar quem se gosta. Deixar responsabilidades com outra pessoa. Quem nunca? “Por que meu irmão não pode cuidar da pirralha, que nem era problema meu a princípio?”
Era como o desconhecido, que traz medo a quem não está acostumado a lidar com ele. A conversa ríspida que Joel tem com Ellie na casinha no rancho é o ponto mais baixo de toda a sua trajetória.
“Você não é minha filha, e com certeza eu não sou seu pai”. Uma frase que, em qualquer outro momento, colocaria um fim a qualquer relacionamento existente.
Mas não foi o que ocorreu. Dali em diante, as coisas começam a se alinhar entre os dois. Joel passa a olhar para Ellie como alguém em quem pode confiar. E a garota tem no velho homem um lugar seguro, onde pode se apoiar.
Antes turrão e solitário, Joel começa a aprender a viver novamente. Deixar “o sol” de Ellie brilhar em sua vida foi uma de suas mais difíceis tarefas. Mais do que enfrentar caçadores, vaga-lumes e infectados.
Não que ele estivesse errado. Quando relações são quebradas, torna-se mais complicado construir outras. Talvez por isso Joel tenha demorado a aceitar que Ellie fizesse parte de sua vida. Ao vê-la como alguém querida, tinha medo de perde-la. Entretanto, a partir do instante em que ele abraçou essa “verdade”, percebemos o quanto o personagem muda.
Ele acolhe a menina como alguém com quem deseja construir uma ligação verdadeira. E passou a protege-la de tudo e todos, sem hesitar em colocar sua vida em risco para isso. Nem a eliminar quem se pusesse em seu caminho.
Entretanto, somente a cena final, a escapada do hospital dos vaga-lumes, nos dá a noção exata desse laço, que é consolidada com a “mentira” contada por ele no fim de The Last of Us. Pois alguém tão amargurado e machucado somente mentiria para proteger quem ama. Ali Ellie era a filha de Joel. E Joel era o pai de Ellie.
Mate a garota, Ellie.
É interessante pensar em Ellie como alguém simples, com uma visão básica do mundo. E mais legal ainda é ver como ela sai do casulo, tornando-se alguém bem adaptada. Que já entende a sua responsabilidade perante a grandeza das coisas.
De conversas leves e descontraídas (“As meninas só pensavam em garotos e como combinar roupas”, “Por que estas páginas estão todas coladas?”) a situações de pura tensão, é notório o crescimento da pequena garota.
A necessidade de evolução num contexto tão complicado é sua marca mais característica, e aquilo que envolve Ellie desde o início. Porém, o crescimento vem a duras penas. É preciso “matar a garota, para deixar a mulher nascer”. Uma morte como as tantas outras que ela experienciou. Brutal, porém essencial.
E nós acompanhamos cada etapa dessa transformação. Com seu ápice na necessidade de escolher entre se entregar e morrer, ou matar e continuar viva. Como a sobrevivência é a do mais adaptável sempre, não existe o bom e o mau. Só os que conseguem seguir vivos. Custe o que custar.
Ali, a inocência morreu. A criança passou pela metamorfose, forçada por tantas condições extremas. Talvez por isso a cena da girafa seja tão emblemática. Porque, nesse momento, percebemos que a inocência ainda pode existir. A até então alheia Ellie torna-se a garota cheia de vida e desejos.
Após mais de seis anos, ainda há de aparecer um jogo que conte uma história de forma tão poderosa quanto The Last of Us. Ele é um dos poucos títulos que nos mostram a verdadeira essência do ser humano. De forma bastante real, nos ensina muito sobre limites, conexões, e sentimentos.
Agora, apenas nos resta esperar para saber qual destino levou pai e filha. Contudo, de uma coisa temos certeza: a relação entre os dois está bastante abalada. Resta-nos esperar que a Naughty Dog, com seu toque de Midas narrativo, nos explique o porquê disso.