Solaire de Astora: ainda há bondade e esperança no mundo de Dark Souls
Símbolo de Dark Souls, Solaire é o feixe de luz que ainda brilha mesmo na escuridão sem fim
No desolado universo de Dark Souls, onde a chama da vida tremula sob a sombra de uma maldição eterna, a bondade parece um conceito distante, quase utópico. O mundo criado pela FromSoftware é uma tapeçaria de ruínas, desespero e traição, onde os ciclos de luz e trevas se entrelaçam em uma dança interminável de decadência.
Nesse cenário opressivo, surge uma figura que desafia a lógica sombria de Lordran: Solaire de Astora, o cavaleiro do Sol. Com sua armadura reluzente e um otimismo quase ingênuo, Solaire é uma anomalia, um farol de esperança em um reino que parece rejeitar qualquer vestígio de calor humano.
Em busca do seu próprio sol
Solaire de Astora é apresentado ao jogador como um cavaleiro errante, um Undead (não-morto) que, como tantos outros, foi atraído para Lordran pela promessa de um destino maior. Sua primeira aparição ocorre em uma varanda ensolarada nas proximidades do Undead Burg, onde ele contempla o horizonte com uma serenidade que contrasta com o caos ao seu redor.
“Eu sou Solaire de Astora, um aderente do Lorde do Sol,” ele declara, com um tom que mistura humildade e determinação. Sua missão é clara, mas enigmática: encontrar “seu próprio Sol”, uma busca pessoal que ele descreve com fervor quase religioso.
A história de Solaire não é narrada em detalhes explícitos, como é típico da lore fragmentada de Dark Souls. Em vez disso, ela é reconstruída por meio de diálogos soltos, itens e encontros ao longo do jogo.

Sabe-se que ele vem de Astora, uma terra conhecida por sua nobreza e cavaleiros honrados, mas que, como o resto do mundo, sucumbiu à maldição dos Undead. Diferente de muitos que se rendem ao desespero ou à Hollowing (o processo de perder a humanidade e a sanidade), Solaire mantém sua lucidez e propósito.
Ele é um devoto de Gwyn, o Lorde do Sol, cuja chama original trouxe luz ao mundo antes de começar a se apagar. Para Solaire, o Sol não é apenas uma metáfora de poder ou divindade, mas um símbolo de esperança e conexão.
Sua jornada o leva a cruzar caminhos com o Chosen Undead (o protagonista), a quem ele oferece ajuda com um entusiasmo genuíno. “As barreiras do tempo e espaço são frágeis aqui,” ele explica, sugerindo que os Undead podem se auxiliar mutuamente em suas missões.
Essa filosofia de cooperação é um dos pilares de sua personalidade e reflete sua crença na bondade coletiva, mesmo em um lugar onde a traição é comum. Solaire não busca glória ou poder; ele deseja apenas compartilhar a luz que acredita ainda existir.
Um mundo sem salvação?
Para entender o significado de Solaire, é essencial situá-lo no contexto de Dark Souls. Lordran é um reino em colapso, onde a Primeira Chama, fonte de vida e luz, está enfraquecendo.
Gwyn, o Lorde que acendeu essa chama ao sacrificar-se, deu início a uma era de fogo que agora se desvanece, abrindo espaço para a Era das Trevas. A maldição dos Undead é um reflexo dessa decadência: aqueles marcados pelo Sinal Negro estão condenados a morrer repetidamente, perdendo pedaços de sua humanidade até se tornarem Hollows, cascas vazias de quem um dia foram.
Os habitantes de Lordran – sejam humanos, deuses ou criaturas grotescas – vivem presos a ciclos de sofrimento. Personagens como o Rei Vendrick (em Dark Souls II), o Cavaleiro Artorias e até mesmo o próprio Gwyn são exemplos de figuras poderosas que sucumbiram ao peso de suas escolhas ou à inevitabilidade da ruína.

A narrativa do jogo é impregnada de niilismo: não há redenção clara, apenas a escolha entre prolongar uma era moribunda ou abraçar a escuridão que se avizinha.
Nesse panorama, Solaire é uma exceção notável. Ele não carrega o cinismo de Siegmeyer de Catarina, que se perde em suas próprias dúvidas, nem a amargura de Lautrec de Carim, que trai por ganância.
Sua fé no Sol e sua disposição para ajudar o Chosen Undead contrastam com a desconfiança e o isolamento que permeiam Lordran. Ele é, em essência, um lembrete de que a bondade pode persistir mesmo onde ela parece não ter lugar.
O trágico destino de Solaire: luz ou trevas?
A jornada de Solaire, no entanto, não é isenta de tragédia – um destino inevitável em Dark Souls. Conforme o jogador avança, é possível acompanhar o cavaleiro em diferentes pontos de Lordran, desde o santuário de Anor Londo até as profundezas de Lost Izalith.
É nesse último local, um reino de lava e demônios, que seu destino se torna claro. Solaire pode encontrar o que ele acredita ser “seu próprio Sol”: o Sunlight Maggot, uma criatura parasítica que emite luz e se agarra à sua cabeça, corrompendo sua mente.
Se o jogador não intervém destruindo o parasita antes que Solaire o encontre, o cavaleiro sucumbe à loucura. Em um encontro doloroso, ele ataca o Chosen Undead, incapaz de distinguir amigo de inimigo, murmurando sobre a glória de sua descoberta.

Sua morte pelas mãos do protagonista é um golpe emocional, uma prova de que até mesmo a luz mais pura pode ser engolida pela escuridão de Lordran. No entanto, se o jogador escolhe salvá-lo, Solaire sobrevive para lutar ao lado do Chosen Undead contra Gwyn, cumprindo sua promessa de cooperação até o fim.
Esse dualismo em seu destino reflete a ambiguidade central de Dark Souls: há esperança, mas ela é frágil e constantemente ameaçada. A bondade de Solaire não é uma força invencível; ela é uma escolha, um ato de resistência contra a entropia que consome o mundo.
A bondade como ato de desafio
O que torna Solaire de Astora tão memorável não é apenas sua personalidade afável ou seu icônico gesto de “Praise the Sun” (louvar o Sol), mas o contraste que ele estabelece com o universo ao seu redor.
Em um mundo onde a opressão sombria é palpável – nas ruínas de New Londo, nas profundezas da Blighttown ou na prisão de cristal de Seath – a presença de Solaire é um lembrete de que a humanidade, em sua essência, não é definida apenas pelo sofrimento.
Ele personifica a ideia de que a bondade não precisa ser grandiosa ou vitoriosa para ter valor; ela existe na simplicidade de um sorriso, na oferta de ajuda, na recusa em ceder ao desespero.

Comparado a outros personagens, como o misterioso Crestfallen Warrior, que abandona toda esperança, ou Patches, que vive para enganar, Solaire é um símbolo de resiliência emocional.
Sua busca pelo Sol pode ser interpretada como uma metáfora para a busca por significado em um mundo caótico. Ele não nega a escuridão, mas escolhe acreditar que há algo além dela – uma luz que, mesmo fraca, vale a pena perseguir.
Essa reflexão transparece com a experiência do jogador. Dark Souls é notoriamente implacável, punindo erros e testando a paciência, mas também recompensando a perseverança. Solaire, com seu otimismo e generosidade, reflete essa jornada: ele é a prova de que, mesmo em um mundo projetado para quebrar o espírito, há espaço para bondade e esperança.
Sua tragédia potencial apenas amplifica essa mensagem, mostrando que a luz, embora vulnerável, é preciosa exatamente por sua raridade.
O legado do cavaleiro de Astora
Solaire de Astora não é apenas um personagem; ele é uma ideia. Em um universo onde a chama da vida se apaga e os deuses caem em desgraça, ele representa a possibilidade de algo melhor – não uma salvação definitiva, mas um momento de calor em meio ao frio.
Sua história, tecida com fios de heroísmo e melancolia, consolida o espírito de Dark Souls: um equilíbrio delicado entre desespero e determinação.
Para os fãs da série, Solaire permanece como um ícone, um companheiro cuja presença ilumina os corredores sombrios de Lordran. Sua frase, “Praise the Sun”, tornou-se um grito de guerra, um símbolo de união entre jogadores que enfrentam juntos os horrores do jogo.
E talvez seja essa a maior lição de Solaire: em um mundo onde a escuridão reina, a bondade não é uma fraqueza, mas um ato de coragem. Enquanto houver quem escolha louvar o Sol, a esperança, por mais tênue que seja, nunca se apagará completamente.