Resident Evil Village é mais um Van Helsing que deu certo
Semelhanças entre os projetos são claras: mas resultados são bastante diferentes
Quando a Capcom lançou Resident Evil Village em maio de 2021, o oitavo capítulo principal de sua franquia de survival horror, trouxe aos jogadores um vilarejo gótico repleto de vampiros, lobisomens e castelos sombrios, expandindo os horizontes da série com ousadia.
Essa ambientação e premissa trazem inspirações claras em Van Helsing (2004), filme de Stephen Sommers estrelado por Hugh Jackman, que também tentou dar vida nova aos monstros clássicos da Universal.
Ambas as obras mergulham no horror gótico e buscam reimaginar o caçador de monstros para o público moderno, mas enquanto Van Helsing se perdeu em sua ambição, Resident Evil Village brilha como uma versão mais bem-realizada e profunda dessa visão.
Um mesmo coração gótico
Resident Evil Village e Van Helsing compartilham um amor pelo horror gótico, aquele universo de cenários sombrios e criaturas lendárias que nasceram em livros como Drácula e ganharam vida nos filmes da Universal.
O vilarejo nevado de Village, com suas casas rústicas, igrejas em ruínas e o majestoso Castelo Dimitrescu, parece saído da mesma Transilvânia que Van Helsing retrata, com suas vilas isoladas e fortalezas imponentes.
É um convite a um mundo onde o passado assombra o presente, e o sobrenatural está em cada esquina.
Os vilões reforçam essa ligação. Em Van Helsing, Drácula (Richard Roxburgh) comanda suas noivas com um charme teatral, enquanto em Village, Lady Dimitrescu e suas filhas vampíricas conquistam com uma presença ao mesmo tempo sedutora e aterrorizante.

Os lobisomens — Lycans no jogo — surgem em ambas as histórias como forças selvagens, unindo-as ao mito do monstro indomável.
E no centro está o caçador: Gabriel Van Helsing, com suas armas exóticas e postura de herói invencível, contra Ethan Winters, um pai comum que enfrenta o impossível para salvar sua filha, Rose.
Os dois são caçados antes de caçar, mas suas histórias mostram jeitos bem diferentes de contar essa luta.
Contando a história
Van Helsing escolhe o caminho de um épico de ação, com uma trama que brilha por meio de sequências grandiosas — o ataque das noivas na vila, o duelo final no castelo. É uma aventura acelerada, quase um desfile de batalhas, mas que deixa pouco espaço para respirar ou sentir os personagens.
Gabriel tem uma missão clara, derrotar Drácula, mas o filme não vai além disso, trocando emoção por explosões e coadjuvantes como Anna Valerious (Kate Beckinsale) por meros apoios emocionais e dramáticos.

Já Resident Evil Village prefere uma jornada mais próxima, quase pessoal. A busca de Ethan por Rose guia tudo, levando-o pelos Quatro Lordes — Dimitrescu, Beneviento, Moreau, Heisenberg — como se fossem capítulos de um pesadelo vivo.
A câmera em primeira pessoa coloca você dentro da aventura, sentindo o peso de cada passo pelo vilarejo, do castelo luxuoso à fábrica claustrofóbica. Diferente da escala global de Van Helsing, Resident Evil Village mantém tudo num canto isolado do mundo, e é aí que acerta: menos é mais quando se trata de fazer o jogador se importar.
Enfeite ou essência?
Os monstros de Van Helsing são um show à parte — Drácula com suas asas gigantes, as noivas voando como acrobatas, o Lobisomem se transformando em câmera lenta. São visuais que impressionam, mas param por aí.
O filme os trata como peças de um tabuleiro, bonitos de ver, mas sem alma ou história, mais voltados para a ação do que para o medo. É uma releitura que moderniza, mas esvazia o que esses ícones da cultura popular já foram.
Resident Evil Village faz diferente. Lady Dimitrescu e suas filhas não são só vampiras; são mutantes do parasita Cadou, parte do universo biotecnológico da franquia.

Os Lycans carregam o horror de corpos quebrados por experimentos, e cada chefe, de Heisenberg com seu magnetismo a Beneviento com suas ilusões, tem um papel claro na trama.
Em vez de enfeites, os monstros de Resident Evil Village são o coração da história, ligados a Mãe Miranda e ao sofrimento de Ethan. O jogo pega o que Van Helsing desperdiçou e dá significado, mostrando que monstros podem ser mais que um rostinho bonito.
O tom da aventura em Resident Evil Village e Van Helsing
Van Helsing é pura energia, uma aventura que não para, cheia de lutas coreografadas e efeitos que enchem os olhos — as noivas voando, o Lobisomem rasgando tudo e um Leste Europeu dominado por criaturas malignas.
Parece um misto de Indiana Jones com pirotecnia de sobra, mas esse ritmo frenético apaga o terror. O filme quer divertir, e diverte, mas esquece o que faz o gótico funcionar: a sombra, o silêncio, o medo.
Resident Evil Village entende isso. Com raízes no horror puro de Resident Evil 7, o jogo usa a escuridão do vilarejo e os sons que arrepiam para te manter na ponta da cadeira — pense em Lady Dimitrescu te caçando pelos corredores.

A ação está lá, nos embates com Lycans ou nos chefes, mas nunca toma o lugar da tensão. Enquanto Van Helsing corre para gritar, Village sussurra e acerta, trazendo o equilíbrio que o filme nunca encontrou.
O olhar que cria o mundo: espetáculo ou sensação?
Visualmente, Van Helsing é um colosso, especialmente quando se trata de um filme lançado em 2004. O castelo de Drácula, com torres cortando o céu e relâmpagos dramáticos, é puro cinema épico, e os efeitos — como as transformações dos monstros — mostram cada centavo dos 170 milhões de dólares investidos.
Mas é um mundo que você só olha, não sente, quase um parque temático sem vida própria.

Resident Evil Village também encanta os olhos, mas de um jeito que te puxa para dentro. O Castelo Dimitrescu, com seus lustres e corredores detalhados, e o vilarejo gelado são vivos, palpáveis, graças à direção de arte da Capcom e à visão em primeira pessoa.
Os monstros — as filhas de Dimitrescu com seus traços de inseto, o grotesco Moreau — misturam o clássico com algo novo e perturbador. Van Helsing exibe, mas Village faz você viver o pesadelo, e nisso está sua força.
Como o público viu
Van Helsing chegou com pompa, mas caiu rápido. Com 300 milhões de dólares em bilheteria, não foi o fiasco total, mas ficou longe do que a Universal queria — uma franquia duradoura. A crítica apontou a falta de alma e o tom bagunçado, e o filme virou só uma memória de blockbuster genérico.
Resident Evil Village, por outro lado, foi um estouro: mais de 10 milhões de cópias vendidas até 2024, elogios pela arte e pela forma como misturou ação e terror. Onde o longa-metragem prometeu e não entregou, Village cumpriu e foi além.
O filme escorregou por não equilibrar ação e terror, por fazer dos monstros meros enfeites e por esquecer de dar coração aos personagens. Enquanto isso, o jogo olhou para isso e fez diferente: deu a Ethan uma razão simples e poderosa, integrou os monstros à história e nunca deixou o medo de lado.

É como se o game da Capcom pegasse o sonho de Van Helsing e o tornasse real, provando que dá pra fazer um caçador de monstros brilhar sem perder a essência — e sem necessariamente ser um caçador de monstros por ofício.
Resident Evil Village é mais um Van Helsing que deu certo — uma história de caçadores e monstros que pega o que o filme quis ser e faz melhor. Enquanto o filme se afogou em sua própria grandiosidade, o game achou o tom certo, misturando terror, ação e alma para revitalizar uma franquia de quase 30 anos.
O oitavo título da franquia de survival horror mostra que o verdadeiro caçador de monstros não precisa de exageros pra vencer — às vezes, basta acertar o alvo, mesmo que isso inclua uma infecção pelo Megamiceto e algumas conveniências.
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