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Previsões, apostas, rumores e outras formas de futurologia

A indústria dos games vive de previsões, mas muitas delas falharam ao longo dos anos

por Felipe Gugelmin
Previsões, apostas, rumores e outras formas de futurologia

Estamos em 2022, e você provavelmente está lendo este texto na tela de seu smartphone — aparelho que pode ser considerado o centro de sua vida digital. Nele, você se conecta com amigos, participa de redes sociais, faz atividades de trabalho e, principalmente, joga, em um ritmo que seria inimaginável há uma década.

A adaptação para a telinha pequena e os controles de toque demoraram, mas foram necessários: com o fracasso do PlayStation 4 e do Xbox One, tanto Sony quanto Microsoft decidiram sair de vez do mercado de consoles na indústria dos games. A Nintendo continua na ativa, mas o que não sai para celulares e tablets é tão focado na família e no público casual que simplesmente não atende a seus apelos por algo mais substancial.

Tudo bem, é chato não conseguir encontrar mais nenhum jogo sem microtransações ou caixas de loot, mas ainda é melhor jogar no celular do que na TV: não somente sua internet não lida bem com os serviços de streaming que dominam, como é meio chato dividir sua atenção toda hora entre duas ou três telas.

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(Foto: Divulgação/Sony)

Quando você quer algo diferente, vai na casa daquele amigo rico, que teve uma grana para torrar em um PC moderno. É até legal navegar pela realidade virtual e pelos jogos de nicho que ainda sobrevivem na plataforma, mas o investimento é tão alto que você não sabe ao certo se vale a pena — mas ei, você está quase sendo convencido por alguns dos jogos free to play que dominam a plataforma.

Se você chegou até aqui, deve estar se perguntando qual o propósito dessa fanfic mal escrita e mal informada e pensando se entrou no site certo. No entanto, esteja certo: se todas essas ideias parecem saídas da ficção e algo impossível de acontecer, teve alguém com muito dinheiro que apostou que a realidade seguiria um caminho bem próximo a esse e não teve vergonha de dizer isso para todo mundo.

O doce mercado das previsões na indústria dos games

Hoje, parece ridículo dizer que Sony, Microsoft e Nintendo vão abandonar os consoles para se focar no mobile. Se todas as empresas têm pelo menos um pezinho nesse segmento de mercado, todas possuem hardwares muito bem posicionados que — apesar das guerras de flames e “torcidas” — não parecem que vão representar os últimos investimentos das empresas nesse mercado.

No entanto, basta voltar para 2013 para ver muitas previsões que tratavam o fim dos consoles de mesa como algo certo. Segundo muitos analistas, o interesse pelas plataformas de mesa estava decaindo e o mobile ia decolar a ponto de engolir completamente o que conhecemos como mercado de games.

Se a parte das previsões para o mercado mobile não estavam exatamente incorretas — o segmento hoje em dia domina o mundo dos games — o fim das plataformas de mesa não poderia estar mais errado. Enquanto a Sony teve um grande acerto com o PlayStation 4 logo de cara, a Microsoft conseguiu botar o Xbox One “de volta ao rumo” após uma mudança de presidência e hoje ambas possuem plataformas com hardwares e catálogos respeitáveis.

No entanto, não dá para dizer que as previsões apocalípticas eram mero devaneio exagerado de quem não entende do mercado. Em 2013, elas eram seríssimas e baseadas em fatos concretos: tanto o PS3 quanto o Xbox 360 vinham em declínio, e o péssimo lançamento (e ciclo de vida) do Wii U davam a impressão de que ninguém mais realmente tinha interesse em consoles.

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(Foto: Divulgação/Nintendo)

Somando esse declínio a um aumento considerável do número de pessoas jogando em smartphones (e gastando muito com isso), e você tem uma “aposta certeira”: os videogames de mesa estão morrendo e apostar neles é pedir para cair no ostracismo. Se fossemos listar a quantidade de previsões que, assim como esse, se mostraram erradas, era fácil fazer um texto praticamente infinito.

Só no mundo dos games, é fácil lembrar de alguns exemplos de tecnologias que, se vingaram de alguma forma, não foram exatamente do jeito apresentado em previsões. Jogos com controles de movimento, companion apps e títulos baseados em experiências de duas telas são somente algumas das “modas” que, se sobrevivem de uma forma ou outra, podem ser consideradas passageiras.

Nesse pacote, podemos adicionar até algumas tecnologias que, se permanecem interessantes e funcionais, ainda não perderam o selo de “vai ser legal se funcionar direito no futuro”. O maior exemplo disso é a realidade virtual e a realidade aumentada que, se já provaram que funcionam bem, não “viraram o futuro e dominaram o mercado” como algumas previsões chegaram a afirmar.

Por que previsões falham?

Não se engane: por mais que o museu de previsões erradas esteja cheio de peças de exibição, isso não significa que elas vão deixar de existir. Atualmente, os “destaques da vez” são os NFTs, Metaversos e toda sorte de experiência que promete unir o mundo real e virtual, garantindo que você vai ter que gastar ainda mais do dinheiro que não tem em cada parte do processo.

Não estou dizendo que essas (e outras tecnologias/modas futuras) não vão dar certo, mas, pelo histórico da indústria, elas devem acabar funcionando e ocupando lugares um tanto diferentes do que aqueles alardeados pelos entusiastas. Os NFTs mesmo parecem estar chegando a um ponto no qual têm que encarar a realidade: após a empolgação inicial, o mercado já diminuiu em 92% suas transações desde setembro de 2021.

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(Foto: Divulgação/Chetraruc/Pixabay)

Mas, afinal, por que previsões dão errado? Existem diversos motivos, mas arrisco listas alguns dos principais:

  • Ninguém sabe o futuro: você pode ter dados e análises de mercado de sobra, e mesmo assim nunca vai ter certeza de como os consumidores vão se comportar. Veja o caso dos consoles lançados em 2013: enquanto muitos apostavam que o declínio do PS3 e Xbox 360 era fruto de um desinteresse geral por consoles, na verdade ele denotava a necessidade de uma nova geração — que, quando chegou, reacendeu o interesse do público e elevou novamente as receitas das fabricantes;
  • Previsões trazem interesses pessoais: sabe para quem interessa dizer que os jogos mobile vão ocupar todo o mercado de games no futuro? Provavelmente alguém que investiu pesado em uma desenvolvedora focada na área. O mesmo acontece com NFTs, blockchains, Metaverso e qualquer outra tecnologia — se alguém fala muito bem de algo, provavelmente é porque tem algo a lucrar com isso;
  • Elas se baseiam em pesquisas pouco precisas: em um mundo conectado e com jogadores com múltiplos interesses, é difícil fazer pesquisas realmente abrangentes e precisas. Em um país desigual como o Brasil, por exemplo, a região pesquisada e a classe social dos participantes impactam terrivelmente sobre o impacto de um questionário sobre jogadores de consoles, por exemplo. Com resultados incompletos e pouco abrangentes, qualquer previsão feita em cima deles terá características semelhantes;
  • Previsões erradas são esquecidas facilmente: é muito mais fácil lembrar de alguém que fez uma previsão correta (ou “soltou uma informação de insider certeira”) do que dos erros que alguém cometeu. A não ser em casos muito específicos, quem faz muitas previsões erradas costuma ter seu passado “esquecido” diante de acertos — e, com isso, ganha carta branca para continuar brincando de futurologia, podendo até agir de maneira contraditória no processo.
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(Foto: Divulgação/ASUS)

Isso não significa necessariamente que toda previsão na indústria dos games é essencialmente fadada a nunca dar certo, ou feita totalmente “no escuro”. No entanto, quando encaramos uma dela, é preciso sempre levar em consideração que o futuro sempre é incerto, sendo preciso ter um “pé atrás” antes de acreditar em algo.

Antes de seguir uma previsão, também é bom saber ao máximo como ela foi feita e em quais dados se baseia. Empolgação, “fontes anônimas” e frases como “relaxa, eu sei do que estou falando” não são confiáveis e, por mais que acompanhem dados empolgantes, devem ser vistas com desconfiança — no mínimo, isso garantirá que você não deu moral e ajudou a promover a imagem de alguém que não merece.