Por que os jogos de terror são tão envolventes?
Gênero marcante dos videogames leva os jogadores a experiências sensoriais extremas
Os jogos de terror se destacam como uma força especial no mundo dos videogames. Diferentemente de gêneros focados em adrenalina ou exploração, o horror transforma o medo em protagonista, criando uma experiência que prende o jogador de forma visceral.
Mas o que explica essa capacidade única de envolvimento? Por que o gênero enfrenta tanta resistência? Quais efeitos ele provoca nos jogadores, e como suas sensações se diferenciam de outros estilos de jogos?
A importância dos jogos de terror
Os jogos de terror não se limitam a assustar: eles redefinem o papel do entretenimento interativo. Enquanto filmes ou livros oferecem narrativas mais passivas, os games colocam o jogador no centro do pesadelo, exigindo decisões que moldam a experiência.
Essa interatividade cria uma ponte direta entre o usuário e o medo, explorando um lado primitivo da natureza humana: a atração pelo desconhecido. Desde tempos imemoriais, o ser humano lidou com o perigo como forma de sobrevivência, e o terror nos jogos recria essa tensão em um ambiente controlado, permitindo que o jogador enfrente seus limites sem consequências reais.
Mais do que isso, o gênero carrega um peso cultural e psicológico. Silent Hill 2 não é apenas um jogo de sustos; é uma jornada introspectiva sobre culpa, perda e redenção, com simbolismos que permanecem na mente mesmo após os créditos finais. Resident Evil Village, por sua vez, combina horror gótico com uma trama familiar, explorando temas de sacrifício e resiliência.
Esses títulos mostram que o terror vai além do choque imediato: ele reflete ansiedades contemporâneas — como isolamento, doença ou colapso social — e oferece uma jornada íntima e emocional que outros gêneros raramente alcançam. Em um mundo saturado de narrativas lineares, o terror se destaca por sua capacidade de provocar e, ao mesmo tempo, enriquecer.
Além disso, o gênero influencia a própria indústria dos games. A popularidade de franquias como Resident Evil impulsionou avanços técnicos, como gráficos realistas e design de som imersivo, que hoje beneficiam todos os estilos. O terror, portanto, não é apenas um nicho — é um catalisador de inovação e profundidade narrativa.
Não há como negar: existe um certo afastamento
Apesar de seu impacto, os jogos de terror enfrentam barreiras significativas. O preconceito é um obstáculo recorrente: muitos associam o gênero a violência explícita ou conteúdo perturbador, rotulando-o como “perigoso” ou “inapropriado”.
Esse estigma ganhou força em debates públicos, como nas audiências dos anos 1990 sobre videogames violentos nos EUA, e persiste entre pais e legisladores que temem influências negativas nos jovens. Jogos como Outlast, com sua brutalidade crua e sensação de desamparo, alimentam essa percepção, mesmo que a violência seja apenas um meio para a história.
Outro fator de resistência é o desconforto emocional. Nem todos aceitam a vulnerabilidade que o terror impõe. Em Amnesia: The Dark Descent, a ausência de armas e a constante ameaça de insanidade criam uma experiência sufocante que muitos evitam.
Esse nível de intensidade contrasta com a segurança oferecida por gêneros como simulação ou esportes, onde o jogador mantém o controle. Para alguns, o medo não é diversão — é um limite que não há como quebrar.
No entanto, os dados desmentem a ideia de um gênero marginal. Segundo a NPD Group (2023), jogos de terror e suspense representam 15% das vendas anuais de videogames nos EUA, com títulos como Resident Evil Village superando 8 milhões de unidades vendidas.
Serviços como o PS Plus Extra, que incluem The Evil Within e Until Dawn, ampliaram o acesso, atraindo novos públicos. A resistência, portanto, parece mais enraizada em estereótipos culturais do que em uma rejeição absoluta. À medida que o gênero ganha legitimidade artística, esse afastamento tende a diminuir.
Efeitos nos jogadores: o que diz a ciência?
Os jogos de terror geram reações intensas, e a ciência explica por quê. O The Science of Scare Project (2022), da Broadband Choices, mediu os batimentos cardíacos de 200 participantes em 45 títulos de terror.
MADiSON liderou com 131 bpm, seguido por Dead Space (remake do PS5, 121 bpm) e Resident Evil 7: Biohazard (115 bpm), contra uma média de repouso de 60-100 bpm. Esses picos indicam a ativação do sistema nervoso simpático, que prepara o corpo para o perigo com aumento da frequência cardíaca, respiração acelerada e sudorese.
Neurocientistas detalham ainda mais esse processo. Um estudo do Journal of Neuroscience (2018) revela que o medo controlado estimula a amígdala, o centro emocional do cérebro, liberando adrenalina para aguçar os sentidos.
Após superar a ameaça — como escapar de Mr. X em Resident Evil 2 Remake —, o cérebro recompensa o jogador com dopamina, gerando prazer. Essa montanha-russa química explica por que o terror é viciante.
Comparado a jogos de estratégia, que raramente ultrapassam 80 bpm, ou shooters como Call of Duty, que focam em adrenalina sem o peso do medo, o terror oferece uma experiência fisiológica mais complexa.
Pesquisas também exploram os efeitos cognitivos. O Journal of Gaming & Virtual Worlds (2020) usou EEG para monitorar jogadores de Amnesia: The Dark Descent. Resultados mostraram atividade intensa no córtex pré-frontal, ligado à tomada de decisão, e na amígdala, indicando que o terror exige estratégia sob pressão emocional.
Um estudo da Universidade de Oxford (Przybylski, 2019) com 1.000 adolescentes encontrou zero correlação entre jogos violentos (incluindo terror) e agressividade, mas identificou benefícios como maior foco e resiliência. Já a Universidade de Montreal (2017) sugeriu que o gênero pode até reduzir ansiedade em longo prazo, ao ensinar o cérebro a lidar com estresse.
Estatisticamente, o terror avança. A Entertainment Software Association (ESA, 2023) relata que 18% dos jogadores americanos preferem o gênero, um salto de 5% desde 2018.
No Brasil, uma pesquisa da Pesquisa Game Brasil (PGB, 2023) indica que 12% dos jogadores buscam experiências de terror, com títulos como Resident Evil entre os mais citados. Esses dados reforçam o poder do gênero em capturar e reter atenção.
E o streaming?
Os jogos de terror conquistaram um espaço significativo no YouTube. Em 2024, segundo dados da Statista, os canais de gaming na plataforma acumularam milhões de inscritos, com criadores focados em terror, como Markiplier, liderando o ranking com mais de 36 milhões de assinantes até janeiro de 2025.
Vídeos de jogos como Five Nights at Freddy’s geraram picos impressionantes de visualizações, com o canal de Markiplier registrando mais de 20 bilhões de views totais, muitos impulsionados por títulos de terror.
Esse interesse não é isolado: a categoria de gaming no YouTube, que inclui fortemente o terror, responde por cerca de 15% de todo o tempo de exibição da plataforma globalmente, conforme relatório da própria empresa em 2023.
A popularidade de jogos de terror no streaming também se reflete em números específicos de vídeos virais. Um exemplo é o canal Terroriser, que, com 3,8 milhões de inscritos até março de 2025, obteve uma média de 149,8 mil visualizações por vídeo nos últimos 30 dias, segundo o HypeAuditor.
Durante o Halloween de 2021, o jogo Phasmophobia alcançou 6,7 milhões de horas assistidas em outubro na Twitch — uma plataforma que frequentemente cruza dados com o YouTube —, evidenciando como o terror sazonal amplifica o engajamento.
No YouTube, clipes e compilações de sustos de Phasmophobia geraram mais de 500 mil visualizações em vídeos individuais de canais menores, mostrando o alcance até fora dos grandes criadores.
Outro indicativo do impacto dos jogos de terror vem de Amnesia: The Dark Descent, um clássico do gênero. Durante o Halloween de 2021, o título registrou um aumento de 368% nas horas assistidas na Twitch (de 52,2 mil para 259,2 mil entre setembro e outubro), conforme o Gamesight, e essa tendência se espalhou para o YouTube, onde let’s plays antigos do jogo acumularam mais de 1 milhão de visualizações adicionais no mesmo período.
Canais como Terror Al Extremo, com 404,1 mil inscritos, mantêm uma média de 61,6 mil views por vídeo em 2025, com picos de 91,7 mil, segundo o HypeAuditor, provando que o terror mantém relevância constante.
O crescimento do terror no YouTube também se conecta à produção de conteúdo indie. Jogos como Slender: The Eight Pages e FNAF explodiram na plataforma na década de 2010, com vídeos de reações alcançando mais de 10 milhões de visualizações em canais como o de PewDiePie, que hoje ultrapassa 111 milhões de inscritos.
Em 2023, a série documental Terrorbytes, focada na história dos jogos de terror, acumulou mais de 200 mil visualizações em seus episódios iniciais no YouTube, indicando um interesse crescente não só em jogar, mas em entender o gênero. Esses dados reforçam que o terror, com sua capacidade de gerar reações intensas, domina uma fatia significativa do ecossistema de gaming online.
Sensações em comparação com outros estilos
O terror se distingue pela vulnerabilidade que cria. Jogos de ação como God of War entregam poder e triunfo, com o jogador no comando de feitos épicos. Aventuras como The Legend of Zelda inspiram maravilha e curiosidade, guiadas por paisagens vastas e otimistas.
Em contraste, o terror subverte o controle. Silent Hill 2 usa nevoeiro e ruídos inquietantes para criar um vazio psicológico, enquanto Dead Space transforma o espaço em um túmulo claustrofóbico. Essa incerteza constante difere da camaradagem de jogos cooperativos como Overwatch, onde a vitória depende do trabalho em equipe.
A interatividade amplifica o impacto. Em Until Dawn, cada escolha pode levar à morte de um personagem, carregando o jogador com o peso da responsabilidade. Resident Evil 2 Remake também força decisões táticas — como fugir ou lutar com recursos escassos —, enquanto The Evil Within 2 mistura realidade e pesadelo em um caos psicológico.
Nenhum gênero replica essa fusão de gerenciamento e impotência, tornando o terror uma experiência sensorial e emocional sem comparações práticas, digamos assim.
Para quem hesita, o gênero merece atenção. Além de entreter, jogos de terror desenvolvem reflexos, foco e resiliência emocional — habilidades valiosas em contextos profissionais.
Experimente Little Nightmares para uma introdução acessível ou mergulhe em Resident Evil 7 com headset para imersão total. Encare o desafio: o terror não é apenas diversão, mas uma experiência que testa e aprimora.
O estilo vive seu auge também para além dos games como conhecemos. Adaptações como Until Dawn (filme de 2025, dirigido por David F. Sandberg) e o sucesso de Resident Evil no cinema mostram sua influência crescente, bem como o novo Silent Hill e os incontáveis projetos originais de Hollywood que viralizam recorrentemente.
A realidade virtual, com títulos como Phasmophobia, e gráficos hiper-realistas apontam para uma evolução imersiva. E isso é apenas um começo: para muitos jogadores de PS VR2 e outros headsets, os jogos de terror são os que mais se aproveitam dessa tecnologia, impulsionando seu valor como força cultural e comercial.
Em resumo, os jogos de terror capturam a imaginação como poucos. Estudos científicos confirmam seu impacto físico e mental, enquanto sua intensidade sensorial os diferencia. Agora desligue as luzes, pegue o controle e descubra por que o medo é irresistível. E não esqueça de comentar com a gente quais foram suas melhores (ou piores) experiências.