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O que Marathon precisa fazer para não cometer os mesmos erros de Destiny… e de Concord

Recém-apresentado pela Bungie, shooter de extração está se metendo em uma zona arriscada

por André Custodio
O que Marathon precisa fazer para não cometer os mesmos erros de Destiny... e de Concord

O cenário dos jogos como serviço é um verdadeiro campo minado. Títulos como Fortnite, Call of Duty: Warzone e Genshin Impact provam que é possível construir comunidades lucrativas, mas para cada sucesso, há uma pilha de fracassos.

A Bungie, estúdio por trás de Halo e Destiny, está prestes a entrar nessa arena novamente com Marathon, um shooter de extração com lançamento marcado para setembro de 2025. E após a transmissão especial deste fim de semana, que revelou mais sobre o jogo, a expectativa é alta — mas também o ceticismo.

Afinal, a Bungie carrega o peso dos tropeços de Destiny nos últimos anos, e o mercado ainda comenta sobre o colapso monumental de Concord, da Firewalk Studios.

Para Marathon se destacar, a Bungie precisa aprender com esses erros, entregar uma experiência sólida e, acima de tudo, convencer jogadores de que vale a pena investir tempo (e dinheiro) em mais um jogo como serviço.

Um gigante com pés de barro

Destiny foi um pioneiro no gênero de jogos como serviço, misturando tiro em primeira pessoa com elementos de RPG e um mundo cheio de atividades.

Quando Destiny 2 chegou em 2017, parecia que a Bungie havia encontrado a fórmula perfeita: uma campanha envolvente, raids incríveis e um loop de progressão viciante. Mas, com o tempo, o brilho começou a desbotar, e os erros acumulados mostram o que Marathon precisa evitar.

Primeiro, a falta de clareza na comunicação. A Bungie frequentemente deixou jogadores no escuro sobre mudanças em Destiny 2, como nerfs ou buffs em armas. Um exemplo gritante é a ausência de valores numéricos claros para perks ou mods no jogo, forçando a comunidade a recorrer a sites como light.gg ou vídeos no YouTube para entender mecânicas básicas.

Destiny 2
Fonte: Bungie

Outro problema foi o grind excessivo e repetitivo. Destiny 2 exige horas de atividades repetitivas para alcançar equipamentos de alto nível, algo que afastou jogadores casuais. Expansões como Renegados acertaram na narrativa, mas o endgame dependia de um ciclo de grind que nem sempre parecia recompensador.

Como sugeriram críticos na época, é um jogo que pune quem não tem amigos fixos ou tempo sobrando. Marathon precisa encontrar um equilíbrio para respeitar o tempo dos jogadores, oferecendo progressão significativa sem cair na armadilha da repetição sem fim.

Por fim, a gestão de conteúdo temporário foi um golpe duro. A Bungie removeu campanhas inteiras e destinos de Destiny 2 com a introdução do “Content Vault” em 2020, justificando que o jogo estava inchado demais. Isso significava que jogadores perdiam acesso a conteúdos pelos quais pagaram, uma decisão que gerou revolta.

Concord e uma lição de humildade

Se Destiny tropeçou, Concord caiu de cara no chão. Lançado em agosto de 2024 pela Firewalk Studios com apoio da Sony, o jogo prometia ser um concorrente de peso no gênero de hero shooters, mirando em Overwatch e Valorant. Em vez disso, tornou-se o maior flop da história recente dos videogames, encerrado apenas duas semanas após o lançamento.

Suas falhas são um alerta para Marathon. O maior erro de Concord foi ignorar a identidade do gênero. Hero shooters vivem de personagens carismáticos e jogabilidade acessível, mas Concord apresentou heróis genéricos, com designs esquecíveis e histórias que não convenceram.

A campanha de marketing não ajudou: trailers focavam em cinemáticas vagas em vez de mostrar o que tornava o jogo especial. Quando os jogadores finalmente colocaram as mãos nele, encontraram um título que parecia uma cópia sem brilho algum, sem nada novo para oferecer.

Concord
Fonte: Sony

Outro problema foi a falta de conexão com a comunidade. Concord chegou com um preço cheio de US$ 40, algo incomum em um mercado dominado por jogos gratuitos como Fortnite e Apex Legends.

A Firewalk não ofereceu betas abertos suficientes para criar hype ou coletar feedback, e um deles mal reuniu 1000 jogadores simultâneos na Steam. Além disso, interações estranhas envolvendo desenvolvedores do estúdio e os próprios internautas viralizaram após discussões serem expostas nas redes sociais, algo que fez a credibilidade do projeto ser colocada em xeque.

Por fim, Concord sofreu com problemas técnicos e falta de polimento. Bugs frequentes, matchmaking lento e uma interface confusa afastaram até os poucos que deram uma chance. A Sony, que investiu pesado no projeto, não conseguiu salvar o barco, e o fechamento dos servidores foi um reconhecimento de que o jogo nunca encontrou seu público.

Para Marathon, a lição é clara: o lançamento precisa ser impecável, com servidores estáveis e uma experiência fluida desde o primeiro dia.

O que Marathon mostrou (e prometeu) neste fim de semana

A transmissão especial de Marathon neste fim de semana deu um gostinho do que está por vir. Ambientado no ano 2850, no planeta fictício Tau Ceti IV, o jogo é um reboot do clássico dos anos 90, agora reimaginado como um shooter de extração com elementos PvPvE.

Pense em Escape from Tarkov misturado com o estilo sci-fi característico da Bungie, mas com um toque minimalista. Vários materiais, incluindo gameplays, mostraram uma estética futurista única, com corredores neon e paisagens alienígenas que lembram Destiny, mas com uma pegada mais crua e tensa.

Quatro personagens jogáveis foram apresentados pelos desenvolvedores, introduzindo conteúdos que estarão nos testes alfas — previstos para 23 de abril. São eles:

Locus – Locus é a classe de “soldado” do jogo, mais indicada para jogadores com estilo de jogo mais agressivo
Blackbird – Blackbird é o corredor de reconhecimento do jogo, que pode encontrar onde os jogadores estão e planejar estrategicamente seu próximo movimento.
Glitch – Glitch consiste em atrapalhar o inimigo, avançando, comprometendo-o (detalhes a serem determinados) e extraindo.
Void – Void é a classe Stealth do jogo, com camuflagem ativa e capacidade de lançar fumaça.

Marathon
Fonte: Bungie

Cada um tem habilidades únicas, sugerindo que a Bungie quer oferecer diversidade tática sem cair na armadilha de heróis genéricos como Concord. O gameplay destacou a dinâmica de coletar recursos enquanto se equilibra entre enfrentar jogadores, drones de IA e mais ameaças. A promessa é de um ciclo de jogo onde “cada decisão importa” e a morte faz parte.

A Bungie também enfatizou o suporte pós-lançamento, com eventos sazonais, desafios de endgame e um sistema ranqueado. Um curta-metragem dirigido por Alberto Mielgo (Love, Death & Robots) foi exibido, mergulhando no lore do jogo e sinalizando que o jogo terá uma narrativa rica, algo que Destiny nem sempre entregou de forma acessível.

A cereja no bolo foi a confirmação de cross-play e cross-save entre PS5, Xbox Series X/S e PC, mostrando que a Bungie quer facilitar a vida dos jogadores.

Qual o caminho para o sucesso?

Para Marathon evitar os erros de Destiny e Concord, a Bungie precisa seguir um plano claro. Aqui estão apenas alguns pontos que podem garantir o sucesso para o game — ou apenas um caminho mais claro:

Transparência e comunicação

A Bungie deve abandonar a abordagem evasiva de Destiny. Isso significa explicar mudanças no jogo com clareza, incluir números e estatísticas no jogo (sem depender de sites externos) e manter um diálogo constante com a comunidade via Discord, X ou fóruns. Testes alfa e beta, como o que começa em abril, são uma chance de ouro para coletar feedback e mostrar que ela está ouvindo.

Respeito ao tempo do jogador

O grind precisa ser recompensador, não punitivo. Marathon deve oferecer progressão que valorize tanto jogadores casuais quanto hardcore, com recompensas significativas em sessões curtas. Um sistema de missões variadas e eventos dinâmicos pode evitar a monotonia que assombrou Destiny 2.

Marathon
Fonte: Bungie

Identidade única

Marathon não pode ser apenas “Destiny com extração”. A Bungie precisa destacar o que torna o jogo especial: a tensão do PvPvE, o lore envolvente e personagens memoráveis. Diferente de Concord, o marketing deve focar no gameplay, mostrando como as mecânicas de furtividade, velocidade e risco/recompensa criam momentos únicos.

Lançamento polido

Servidores instáveis ou bugs são inaceitáveis em 2025, especialmente com concorrentes como Apex Legends oferecendo experiências mais fluidas. A Bungie deve garantir que Marathon chegue com matchmaking rápido, interface intuitiva e zero problemas técnicos graves. O fiasco de Concord mostra que os jogadores não perdoam um começo desastroso.

Modelo de negócios justo

O mercado de jogos como serviço é dominado por modelos free-to-play com microtransações cosméticas. Como Marathon opta por ser game premium, como Concord fez, precisa justificar o custo com conteúdo robusto e atualizações gratuitas. De toda forma, a Bungie deve evitar práticas predatórias, oferecendo passes e DLCs que realmente realmente se justifiquem.

Marathon
Fonte: Bungie

Conteúdo duradouro

Nada de “Content Vault”. Marathon precisa garantir que o conteúdo pago ou conquistado pelos jogadores permaneça acessível. Eventos sazonais e expansões devem complementar a experiência base, não substituí-la, criando uma sensação de continuidade que Destiny perdeu.

Futuro promissor, mas não garantido

Marathon tem tudo para ser um marco no gênero de jogos como serviço, mas o caminho é traiçoeiro. A Bungie mostrou, com Halo e os melhores momentos de Destiny, que sabe criar mundos imersivos e experiências de tiro consistentes.

A transmissão deste fim de semana deixou claro que o game não é um projeto apressado: o cuidado com o lore, a diversidade de jogabilidade e a promessa de suporte contínuo são sinais animadores. Mas o estúdio também carrega cicatrizes — de Destiny, com sua comunidade frustrada por decisões questionáveis, e do mercado, que não esquece o tombo de Concord.

A matemática do game também não parece ser tão simples assim. São – supostamente – US$ 40 por seis personagens no lançamento, três mapas jogáveis, apenas um único modo de jogo baseado em extração, passes de batalha sazonais e sistemas de microtransações. Não há como negar que será uma trilha de pedras.

Para convencer, Marathon precisa ser mais do que um bom jogo. Ele deve ser um compromisso com os jogadores, oferecendo transparência, respeito e uma experiência que não apenas ocupe o tempo, mas o valorize. Se a Bungie conseguir isso, o jogo pode não só evitar os erros do passado, mas também redefinir o que esperamos de um GaaS.

Caso contrário, Tau Ceti IV corre o risco de se tornar mais um cemitério digital. A contagem regressiva para setembro começou — e os olhos do mundo estão na Bungie.