Como as novas tarifas de Trump afetam o gamer brasileiro?
As tarifas recém-implementadas pelo governo de Donald Trump prometem sacudir o mercado global de games, e o Brasil não ficará imune
O retorno de Donald Trump à Casa Branca trouxe consigo uma nova onda de políticas protecionistas que já repercutem pelo mundo. Em março, o presidente americano anunciou tarifas de 20% sobre produtos importados da China e 25% sobre bens do Canadá e do México.
Para o Brasil, uma tarifa adicional de 10% foi aplicada a diversas exportações, exceto em setores já taxados, como aço e alumínio, que seguem com 25%. Essas medidas passam a valer a partir desta sexta-feira, 4 de abril.
Embora o foco inicial de Trump seja reduzir o déficit comercial dos Estados Unidos e estimular a produção interna, os efeitos colaterais dessas decisões prometem alcançar o bolso e as escolhas do jogador brasileiro, um público que já convive com preços elevados em um mercado historicamente dependente de importações.
O que são as tarifas de Trump e por que elas importam?
As tarifas anunciadas fazem parte de uma estratégia batizada pelo próprio Trump como “Liberation Day”, uma tentativa de reequilibrar o comércio global em favor dos EUA. A justificativa oficial é proteger a indústria americana de práticas comerciais consideradas desleais, como subsídios estrangeiros e dumping, além de conter o fluxo de drogas, como o fentanil, que cruza as fronteiras.
Na prática, isso significa que produtos vindos da China — principal fabricante mundial de consoles como PlayStation 5, Xbox Series e Nintendo Switch — agora enfrentam um imposto de 20% ao entrar nos EUA. Canadá e México, que produzem parte significativa das mídias físicas de jogos, como discos de Blu-ray, arcam com 25%.

O Brasil, embora menos afetado diretamente, entra na dança com uma tarifa de 10% sobre bens exportados, o que pode alterar dinâmicas comerciais indiretas.
Essas medidas não são novidade no repertório de Trump. Durante seu primeiro mandato, entre 2017 e 2021, ele já havia imposto tarifas de até 50% sobre produtos chineses, com isenções parciais para o setor de tecnologia após pressão de gigantes.
Desta vez, porém, as taxas são mais amplas e rígidas, sem sinais de exceções para a indústria de games. A Entertainment Software Association (ESA), que representa o setor nos EUA, já alertou que os custos adicionais podem encarecer hardwares e jogos, afetando “centenas de milhões de consumidores”. E é aí que o Brasil entra na equação.
O impacto no mercado brasileiro: um efeito dominó
O Brasil não fabrica consoles de videogame em escala significativa, dependendo quase inteiramente de importações. Empresas como Sony, Microsoft e Nintendo produzem seus aparelhos na China e os distribuem globalmente, com os EUA funcionando como um hub logístico importante.
Com as novas tarifas, o custo desses produtos nos Estados Unidos — principal mercado consumidor do mundo — deve subir. Analistas estimam que consoles como o Nintendo Switch 2, lançado em junho de 2025 por US$ 449,99, podem ter um aumento de até 15% no preço final ao consumidor americano, segundo projeções da Kantan Games.
Isso cria um efeito cascata: se os EUA, que absorvem boa parte da produção chinesa, passam a pagar mais, as fabricantes podem redirecionar estoques excedentes para outros mercados, como o Brasil, mas a que custo?
No cenário nacional, os preços de consoles já são inflados por impostos locais, como o ICMS e o Imposto de Importação, que chegam a dobrar o valor original. Um PlayStation 5, que custa cerca de US$ 499 nos EUA (R$ 2.800 em conversão direta), é vendido no Brasil por mais de R$ 4.000 em varejistas oficiais – salvo, claro, promoções e aplicação de cupons de desconto.

Com as tarifas de Trump elevando os custos-base na cadeia global, especialistas preveem que esse valor pode subir ainda em 2025.
“O Brasil importa muitos componentes e produtos acabados que passam por rotas americanas ou são precificados com base no mercado dos EUA. Qualquer aumento lá tende a ser repassado aqui, agravado pela nossa carga tributária”, explica Ari Lopes, gerente da Omdia para mercados de telecom nas Américas.
Jogos físicos em xeque: o fim de uma era?
Outro golpe potencial vem na forma dos jogos físicos. O México, agora sob a tarifa de 25%, é um dos maiores produtores de mídias físicas da América Latina, incluindo discos de jogos para PlayStation e Xbox.
Mat Piscatella, analista da Circana, prevê que as tarifas podem levar a uma “queda acentuada” na produção de jogos em disco nos EUA, já que as editoras, pressionadas pelos custos, podem optar por estratégias totalmente digitais.
No Brasil, onde o mercado de mídias físicas ainda resiste — especialmente entre jogadores mais velhos e em regiões com acesso limitado à internet rápida —, isso pode significar menos opções nas lojas e preços mais altos para os títulos que chegarem às prateleiras.
A transição para o digital, já em curso globalmente, pode se acelerar, mas no Brasil ela traz um desafio extra: a infraestrutura de banda larga ainda é desigual, deixando muitos gamers dependentes de mídias físicas.
A indústria nacional sente o baque
Embora o Brasil tenha uma tarifa de 10% sobre suas exportações para os EUA, o impacto direto no setor de games é limitado, já que o país não exporta consoles ou jogos em larga escala. No entanto, o efeito indireto é preocupante.
Empresas brasileiras de tecnologia, como as que produzem acessórios ou PCs gamer, dependem de componentes importados da Ásia, muitos dos quais passam por rotas americanas ou são afetados pelas tarifas chinesas.
“Os preços dos componentes vão subir, e isso encarece a produção local. Um teclado gamer ou uma placa de vídeo pode ficar 10% a 20% mais caros até o fim do ano”, prevê a IDC.

Por outro lado, há quem veja uma oportunidade. A diferença tarifária — com o Brasil pagando “apenas” 10% enquanto países asiáticos enfrentam até 54% (caso da China) — poderia atrair investimentos de fabricantes que buscam alternativas à Ásia.
“Se a demanda interna crescer, poderíamos ver empresas montando linhas de produção aqui. Mas isso exige escala, algo que o Brasil ainda não tem”, pondera Lopes. Sem incentivos fiscais ou infraestrutura robusta, essa possibilidade permanece distante.
O gamer brasileiro no centro da tempestade
Para o consumidor final, o cenário é de apreensão. O gamer casual, que já planeja o orçamento para comprar um console ou um lançamento aguardado, pode ter que escolher entre pagar mais ou abrir mão do hobby.
“Os jovens, que são maioria entre os jogadores, já enfrentam custos altos com alimentação e moradia. Se os games ficarem mais caros, muitos vão priorizar o essencial”, alerta Piscatella.
Dados do Relatório de Segmentação de Jogadores de 2024 mostram que o aumento contínuo dos preços já vinha pressionando o mercado brasileiro, e as tarifas de Trump podem ser o empurrão final para uma crise de acessibilidade.
Enquanto isso, o governo brasileiro avalia medidas de retaliação, como o projeto de lei de reciprocidade comercial aprovado no Senado em abril. A proposta, que ainda tramita na Câmara, autoriza o país a impor barreiras a nações que prejudiquem suas exportações. Mas, no curto prazo, pouco muda para o jogador: os preços devem subir, e a oferta pode encolher.
As tarifas de Trump são um terremoto cujas réplicas ainda estão por vir. Para o jogador brasileiro, elas significam um mercado mais caro e restrito, onde o sonho de um console novo ou de um jogo em lançamento pode ficar mais distante.
A indústria de games, tanto global quanto local, terá que se adaptar — seja acelerando a digitalização, buscando novos mercados ou pressionando por negociações diplomáticas. Por enquanto, resta ao gamer nacional apertar o cinto e torcer para que o controle aguente mais uma rodada dessa partida totalmente imprevisível.