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God of War e o problema dos NPCs que pensam por mim

Por vezes resolver um puzzle sozinho é… impossível

por Dan Schettini
God of War e o problema dos NPCs que pensam por mim

Por esses dias me peguei em uma conversa com um amigo próximo em que trocamos uma ideia sobre os nossos jogos prediletos de 2022. Relembramos nossas jornadas favoritas, as experiências que nos divertiram mais e em um determinado momento decidimos montar uma espécie de Top 10 favoritos do ano. Eu gosto muito desse conceito de eleger uma lista e discutir em cima disso, comparando nossos gostos pessoais com os de outras pessoas, mas uma coisa acabou chamando atenção na nossa comparação: a minha lista não tinha God of War Ragnarok.

O mais curioso é que eu sou um verdadeiro apaixonado pelo jogo de 2018. Na época trabalhei em um documentário sobre a franquia, além de ter coberto e analisado o jogo em si. Por ter sido uma época crucial na minha vida (pessoal e profissional), God of War se tornou um dos meus jogos favoritos da última década. Posto isso, o hype para a sequência era imenso. Mesmo.

Ragnarok era, com folga, um dos meus jogos mais aguardados do ano passado, não apenas pelo sucesso do anterior, mas sim pelo envolvimento que o primeiro jogo, dessa nova fase, conseguiu criar com os jogadores, que se emocionaram e passaram a amar, de uma maneira diferente, a nova versão ranzinza e (pasmem) carismática do Kratos.

O que eu não esperava era que na sequência feita pela Santa Monica eu encontraria, com tanta frequência, uma característica que me afastaria do jogo: em God of War Ragnarok é quase impossível desvendar um puzzle sozinho. Isso porque a todo momento os NPCs – mais precisamente os seus companheiros de jornada – sopram o que você, jogador, precisa fazer. Desde um elemento do cenário que você deve encontrar para resolver um problema, assim podendo avançar, até o momento em que você precisa puxar seu escudo, para lutar da forma que o jogo entende ser o ideal para aquela situação (e o Mimir faz questão de te lembrar disso).

Isso me tira completamente a imersão e a vontade de me envolver. Ou em palavras mais diretas: me deixa profundamente irritado.

Daí fica a questão, por que isso acontece tanto ao longo do jogo? 

God of War Ragnarok Fenrir
(Fonte: Santa Monica)

Mesclando gêneros e abraçando a todos os públicos

Existem alguns fatores que fazem com que os personagens te ajudem a entender uma determinada mecânica ou simplesmente a vislumbrar soluções para quebra-cabeças. Quando falamos de jogos como God of War, Marvel’s Spider-Man ou Star Wars Jedi: Fallen Order, por exemplo, fica evidente a necessidade de um personagem (ou uma funcionalidade) que aja como um professor – ou um amigo, para te ajudar a solucionar uma questão complicada. 

Os três jogos citados são diferentes, mas se encontram em um ponto: todos misturam gêneros. Fallen Order é um game de ação com foco em exploração e mapas que proporcionam o backtracking (o ato de voltar às áreas para explorar lugares que antes não eram acessíveis). Homem-Aranha tem um ritmo de mundo aberto, com muito foco em combate e mesclando stealth com ação desenfreada. Já God of War é um jogo com um profundo foco em seu combate, mas que faz uma montanha-russa em sua progressão, tendo os momentos de respiro com, normalmente, puzzles que antecedem sequências de pura pancadaria. 

Essa junção de estilos faz com que o jogo necessite explicar ao jogador o que fazer diversas vezes. Afinal, se você não é familiarizado com alguns desses gêneros, é possível que trave e sinta uma dificuldade além do comum. Neste caso, o jogo assume a didática e te coloca por dentro de tudo. 

Tudo certo. Tem que ser assim. 

O problema é: diferente de Marvel’s Spider-Man e Star Wars, God of War pesa a mão na hora de ajudar. Ao longo da jornada, Mimir e Atreus se comportam como um eterno tutorial e na maioria dos casos eles mal esperam que você, o jogador, descubra como solucionar uma questão – que, por vezes, sequer é difícil a esse ponto. Como maestros, eles regem suas ações, mesmo que você não queira. Existe uma pedra em que você precisa acertar o machado? Atreus te dirá (e lembrará algumas vezes, enquanto você não realizar a ação). Um inimigo é mais facilmente derrotado utilizando o escudo? Mimir te dirá (inúmeras vezes) o que você precisa fazer. Errar é permitido, mas você não tem tempo de entender o que te fez errar. O jogo te diz. Sempre. E, mais uma vez, mesmo que você não queira.

É claro que um game não precisa levar o jogador à exaustão, através de suas falhas. As dicas são bem-vindas, mas há maneiras mais elegantes de nos orientar – ou simplesmente permitir que esse gabarito seja opcional. Em Jedi: Fallen Order, por exemplo, existe um botão para pedir uma dica ao seu droid, quando passar por uma determinada área que está muito complicada. O mesmo acontece parecido nos mais recentes jogos da franquia Tomb Raider. Outro exemplo é The Legend of Zelda: Skyward Sword, que em sua versão original do Nintendo Wii era tão repleto de dicas, através da companheira Fi, que criava um cansaço aos jogadores mais atentos, que queriam jogar sem que a inteligência artificial o pegasse pela mão o tempo todo. Na versão HD, lançada recentemente para o Switch, isso foi corrigido e agora as dicas se tornaram menos frequentes e opcionais, na maioria das vezes.

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BD-1, o droid companheiro que ajuda Cal Kestis em Jedi: Fallen Order

O contraponto é que também é compreensível que vivamos uma era de mais acessibilidade, então é completamente natural que os devs inclinem os caminhos e atalhos nos videogames pensando em abraçar, de forma direta, todo tipo de jogador. O empenho em desenvolver e servir como funcionalidade diversas opções que tornem a experiência mais democrática é fantástico – e nesse ponto a Santa Monica (assim como a Naughty Dog) dão uma verdadeira aula. E isso também funciona para jogadores novatos e aqueles que querem curtir a trama e consumir o jogo, mesmo não tendo tanta familiaridade com a mídia. 

Abraçar todo o tipo de consumidor também é importante, principalmente quando falamos de um jogo do tamanho de God of War – ou da grande maioria dos AAA, que ajudam a reger números de vendas das grandes publicadoras ao redor do globo. 

Ter tantas possibilidades é essencial. Isso é indiscutível. A questão é como oferecê-las. 

Mas God of War erra em ajudar demais os jogadores?

A questão mercadológica é certamente um ponto que não pode ser ignorado quando falamos de videogame. Como acontece no cinema, por exemplo, é natural que vejamos em grandes produções coisas mais mastigadas, em prol de não afastar o consumidor menos assíduo pelo diferente. E não há nada de errado nisso. Faz parte do “jogo”.

Em seu canal no YouTube, o jornalista e desenvolvedor Mark Brown abordou também essa questão dos NPCs que dão spoilers demais em God of War. O ponto dele em seu vídeo-ensaio foi, justamente, o fato de estarmos falando de um “blockbuster” dos jogos. É inevitável que produtos com tamanha relevância comercial e “responsabilidade fiscal” sejam abordados por seus criadores desta maneira. Para Brown, isso explica muito das decisões dos devs em incluir tantas dicas através dos personagens – mesmo que, assim como eu, ele entenda que existam formas de tornar as dicas menos abruptas.

No fim das contas, para o meu perfil, as decisões – acertadas ou não – me afastam de um entretenimento pleno. Passei pelo mesmo quando joguei (o já citado) Skyward Sword de Wii e o Horizon Forbidden West, onde Aloy praticamente conversa com o jogador sobre o que “ela” precisa fazer (através de monólogos solitários e cansativos). 

A protagonista Aloy, em Horizon Forbidden West
A protagonista Aloy, em Horizon Forbidden West

Como fã da jornada de Kratos e Atreus, fico triste por não ter amado Ragnarok, mas o que me consola é que o caminho não é de uma única via, portanto, sigo otimista. Há mais exemplos positivos, nesse quesito abordado, do que negativos. E God of War também é repleto de pontos altos, apesar de também errar. E, bem, não há problema nenhum em entender e admitir isso.