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FIFA 23 tem sido meu RPG favorito de 2022

Intencional ou não, criar seu personagem no FIFA pode render histórias inesquecíveis

por Dan Schettini
FIFA 23 tem sido meu RPG favorito de 2022

Em um ano de RPGs fantásticos, como o imponente Elden Ring e o envolvente Triangle Strategy, me peguei totalmente imerso em um jogo que não se propõe a ser denso narrativamente, mas que de alguma maneira, um tanto quanto solta, acaba emulando a rara sensação do roleplay de RPGs de mesa – aspecto essencial, onde o jogador “assume” a personalidade de seu personagem e se deixa levar pelo mundo criado pelo narrador, interpretando e se permitindo imergir na experiência imaginativa.

Eu estou falando de FIFA 23 – mais precisamente do modo Carreira, tradicional da franquia e que veio sendo lapidado pela EA ao longo dos anos.

Calma. Eu explico.

Por esses dias estive em São Paulo, fui a trabalho marcar presença na Brasil Game Show, evento gigante de videogames onde as conversas sobre a mídia, por vezes, ficam latentes, principalmente no pós-evento, quando todos estão com a cabeça menos atolada de demandas e os pés parados, distantes da correria tradicional de feiras desse porte. E foi em uma mesa de restaurante, conversando com dois amigos, que o papo sobre RPGs ganhou força.

Conversávamos empolgados  sobre a experiência de jogar o tradicional RPG de mesa. A constatação foi de que jogar com papel, caneta e dados de muitos lados costuma trazer sensações que o RPG eletrônico, normalmente, não emula com tanta perfeição. Se você entrar especificamente no campo da interpretação, onde o jogador pode viajar livremente para imaginar histórias, traços, comportamento e personalidade, o clássico Dungeons and Dragons (ou o sistema que você preferir) é imbatível. Afinal, como você conseguiria trazer para um jogo eletrônico, que é 100% scriptado, essa possibilidade? 

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Personagens jogando RPG de mesa na série Stranger Things

Mas o papo ficou curioso quando um dos meus amigos levantou algo que, na minha cabeça, sempre fez muito sentido, mas eu nunca havia externalizado. O modo Carreira do FIFA 23 é um RPG. 

Modo Carreira de FIFA 23 tem sentimento de RPG

Ao iniciar sua jornada como técnico você cria o seu personagem. Ali você define de onde ele veio, qual sua aparência e que estilo de roupa ele usa. Parece raso de início, mas se você é um amante do futebol e um jogador de RPG tradicional, isso pode ser combustível suficiente para sua mente se abrir. Veja o meu exemplo: meu técnico aparenta idade, é italiano (da região da Calábria, eu decidi) e se veste com terno e gravata. Assumindo o pequeno, porém tradicional, Brentford, da Premier League inglesa, eu defini que o estilo retranqueiro (mas por vezes ousado) seria minha forma de jogar. 

Pronto. Biograficamente, ali estava impresso o que seria o meu treinador. 

Mecanicamente, o modo Carreira contribui para o sentimento de se estar com um RPG em mãos. Através dos treinamentos, você evolui jogadores, seja aqueles que revela da base do seu time, quanto os craques consagrados ou veteranos de salário barato, que vem para trazer mais história a sua jornada – e a do seu time. A manutenção do elenco e a escolha de como transformar esse jogadores (adaptando-os a novas funções ou simplesmente optando por evoluí-los de maneira natural, em suas posições de origem) me lembra muito o conceito de “party”, que temos em tantos RPGs conhecidos. As camadas não são tão definidas, você não tem um sistema de “jobs”, como um Final Fantasy XII, mas… de certa forma, tá tudo meio ali. 

Tudo isso se soma também às coletivas de imprensa, onde seu técnico, literalmente, tem opções de diálogo (!!!). E, veja só você… esses diálogos afetam a moral do seu time. Se você é grosseiro e escolhe um caminho em que uma derrota soa como culpa de seus comandados, o seu time vai ficar baqueado. Se você é um técnico mais “família”, que enxerga os pontos positivos por trás de uma derrota, ou mesmo que assume a culpa pelo tropeço… seu time se anima. Vê em você uma liderança. Alguém em quem confiar.

Ramificações de diálogos que afetam e transformam o cenário ao seu redor. Isso não te lembra nada?

Separei o exemplo do modo Carreira como manager, mas existe também a possibilidade de criar um jogador. Nesta opção as camadas invisíveis de RPG parecem ainda mais latentes. Novamente aqui brilha o “roleplay opcional”, que pode ou não aflorar na mente dos mais criativos. Seu jogador pode ser aquilo que você imaginar e sua jornada pode ser das mais fantásticas – seja como um craque incontestável que rodou a Europa jogando nos principais clubes do mundo, ou mesmo um jogador mediano, mas que criou uma história de amor em um único time, do qual ele se identifica. Tudo isso fica ao seu critério e o jogo fará com que, de maneira simplória, você esteja jogando apenas um FIFA, mas permitirá que você construa o que bem entender, no campo imaginário. Seja você um astro juvenil, que saiu de Camarões para jogar no Mallorca da Espanha, ou um jogador espirituoso revelado na base do Barcelona. Você decide como se envolver.

Essa sensação de ver um jogo crescer no meu conceito pelo simples fato de ser capaz de ativar minha imaginação me lembra outro jogo, que na verdade não é exatamente um RPG. Em 2020, meu game mais jogado no ano foi Animal Crossing: New Horizons. Independentemente de ser ou não um jogo para todos os públicos, a franquia Animal Crossing brilha por ser coesa em sua proposta. Para muitos, não há imersão em um jogo com animaizinhos cheios de arquétipos pré-definidos, em uma experiência de manutenção de ilha, ao estilo “jogo de fazendinha”. Mas New Horizons (e a franquia em si) entrega o suficiente para fazer o jogador acreditar que aqueles personagens são reais. E faz MAIS do que o suficiente para proporcionar ao jogador a capacidade de desenhar, de forma quase sem querer, campos narrativos, dentro daquela jogabilidade “descomplicada”. Você sofre se um vizinho abandona a ilha. Você fica feliz que um vizinho compartilha uma conquista ou um momento feliz. E tudo isso acontece porque, na sua cabeça, tudo aquilo ali te abraçou ao ponto de trazer pertencimento. A magia do jogo mora nesse aspecto.

E o feeling com o FIFA é o mesmo, para mim. O pertencimento, como se eu fosse dono da história que eu mesmo criei – e que o jogo, inusitadamente, permitiu que eu desse asas a esta “trama”. Nunca vou esquecer quando, ainda no FIFA 21, vi Jack Wilshere se aposentando no meu time do Nottingham Forest. Ele era o “ídolo” da equipe – e da torcida, por que não? Era o capitão. Camisa 10. Foi triste.

FIFA 23 é um bom “RPG?”

No fim, FIFA 23 não é o melhor RPG de 2022. Ele nem se propõe a isso, convenhamos. É um jogo de esporte, cheio de limitações e alvo de críticas justíssimas, que vem sendo disparadas. Se esse texto fosse um review do jogo eu teria diversos apontamentos e colocações cruciais no campo de quem tá analisando o que ele entrega. Porém, independente do que o game faz como jogo de futebol, essa característica curiosa por trás de um dos modos do jogo, ao meu ver, merece ser comentada. 

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Elden Ring, um dos grandes RPGs de 2022

Às vésperas do fim do ano acho que Elden Ring segue sendo imbatível como um RPG poderoso e completo, dentre os que eu tive oportunidade de jogar ele é, provavelmente, o melhor do ano. Segue, inclusive, sendo minha aposta para as principais categorias nas premiações da indústria. Mas, surpreendentemente, tenho me divertido tanto quanto (ou quem sabe até mais) no meu RPG imaginário no FIFA 23. Quem diria?