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O que os estúdios ocidentais podem aprender com os orientais?

Últimos anos marcam reviravolta na tendência global que vêm colocando estúdios e jogos orientais no topo

por André Custodio
O que os estúdios ocidentais podem aprender com os orientais?

Nos últimos anos, a indústria testemunhou uma grande evolução dos estúdios orientais, especialmente no Japão, Coreia e China. Frente às empresas ocidentais, eles elevaram seus patamares por meio de ideias consistentes, mostrando “tudo que os fãs querem ver”.

Enquanto o ocidente lidera em receita bruta — cerca de US$ 92 bilhões em 2023, segundo a Newzoo —, o oriente tem se destacado por elementos de jogos, como inovação, narrativa e fidelização de público.

Em 2024, dados da Statista apontam que o mercado asiático de games atingiu US$ 86 bilhões, com crescimento anual de 8%, superando a taxa ocidental de 5%. O que explica esse avanço? O que os estúdios ocidentais podem absorver dessa abordagem?

Crise de identidade no ocidente?

Os últimos anos revelaram vulnerabilidades nos estúdios ocidentais, com lançamentos que falharam em vendas, engajamento ou qualidade. Dragon Age: Veilguard, da BioWare, é um exemplo gritante.

Apesar do legado da franquia, o jogo foi um desastre comercial: ficou fora dos 60 mais vendidos na Europa, foi apenas o 19º lançamento mais vendido de 2024 e terminou o ano em 68º lugar, atrás até de Star Wars Outlaws, por GamesIndustry.biz.

Outro caso é Concord, da Firewalk Studios. Este hero shooter, com investimento estimado em US$ 400 milhões, foi um fracasso histórico. Lançado em agosto de 2024, ele alcançou um pico de apenas 697 jogadores na Steam e teria vendido 25 mil unidades.

Concord
Fonte: Sony

Após duas semanas, a Sony encerrou os servidores e ofereceu reembolsos — um recorde de abandono. O marketing caro, incluindo animações, não compensou a falta de originalidade em um gênero saturado e resultou no fim do estúdio.

Star Wars Outlaws (2024), da Ubisoft, também decepcionou. Apesar do hype e do orçamento de AAA, vendeu menos que o esperado, ficando em 19º entre os lançamentos do ano na Europa, atrás de títulos menores.

Relatórios da Ubisoft indicam que as vendas iniciais não cobriram os custos, com críticas focando em bugs, missões repetitivas e uma narrativa que não aproveitou o potencial da franquia.

Outros exemplos incluem The Lord of the Rings: Gollum, da Daedalic, cujo fracasso levou ao fechamento da divisão de desenvolvimento do estúdio, e Marvel’s Avengers, da Crystal Dynamics, que perdeu jogadores em ritmo desenfreado.

Oriente: a terra da conexão cultural

Em contraste, o oriente brilha com títulos que unem qualidade técnica, narrativa impactante e conexão com o público. Black Myth: Wukong, da chinesa Game Science, é o maior exemplo.

Inspirado na mitologia de Jornada ao Oeste, o game vendeu 25 milhões de cópias até fevereiro de 2025, com 70% das vendas na China e 7,5 milhões no Ocidente. Ele teria gerado US$ 700 milhões em receita inicial e foi Jogo do Ano no Golden Joystick Awards 2024.

Lies of P, da sul-coreana Neowiz, reinventou Pinóquio como um RPG soulslike steampunk, vendendo 1 milhão de cópias em um mês e ganhando elogios por seu combate punitivo e estética única.

Lies of P
Fonte: Neowiz

Monster Hunter Wilds, da Capcom, é um sucesso crítico mesmo com poucas horas desde seu lançamento. Elogiado, ele deve dar continuidade à franquia mais lucrativa da empresa, que já vendeu quase 100 milhões de unidades ao todo.

Além desses, vale citar Elden Ring, da FromSoftware, com 23 milhões de unidades vendidas até 2024, e Honkai: Star Rail e Genshin Impact, da miHoYo, que teriam faturado, respectivamente, US$ 500 milhões e US$ 5 bilhões.

A estagnação ocidental e a inovação oriental

Os estúdios ocidentais, como Naughty Dog e Rockstar Games, são mestres em narrativas cinematográficas e mundos de alta fidelidade gráfica. Red Dead Redemption 2 é um exemplo: um colosso técnico, mas que, para alguns críticos, peca pelas muitas quebras de ritmo.

Em contrapartida, Nier: Automata, da PlatinumGames, prova que uma história filosófica profunda pode coexistir com mecânicas divertidas, mesmo com orçamento menor. Nos últimos anos, essa tendência oriental de “fazer mais com menos” ganhou força.

Já nos live-service, Genshin Impact soube superar seu modelo de monetização agressivo por meio da opção: paga se quiser. Aliado à bela direção de arte e ao rico suporte à comunidade, o game parece ter encontrado a fórmula perfeita do gacha.

Compare isso com Anthem, da BioWare, que, apesar do hype e do investimento maciço da EA, naufragou por falta de conteúdo e identidade. Os orientais parecem entender que engajamento contínuo e estética valem mais que promessas de “revolução tecnológica”.

Anthem
Fonte: EA

No sentido de narrativa, God of War: Ragnarök entrega uma trama emocional e direta. Já os games orientais frequentemente exigem mais do público, como os souls da FromSoftware, instigando que mesmo as histórias principais sejam interpretadas.

Outro ponto interessante fica por conta das raízes culturais. Títulos orientais refletem elas em cada detalhe de seus projetos, enquanto os ocidentais buscam, muitas vezes adaptar contos do estrangeiro, mas através de suas próprias leituras.

Assim, há a impressão de que os games são pasteurizados para “agradar a todos”. Consequentemente, críticas sobre genericidade tomam conta da internet quando algo desses moldes é lançado. Autenticidade cultural pode ser um trunfo, não um obstáculo.

A especialidade em reinventar

Em uma época onde a indústria está cada vez mais concentrada em remakes e remasterizações, vencer essa guerra de braço definirá o lado que ganhará as futuras gerações. E nesse quesito, os estúdios japoneses são especialistas em refinar fórmulas.

A série Resident Evil ganhou novo fôlego com os remakes de Resident Evil 2 e Resident Evil 4. Aclamados pela crítica e pelo público, os jogos mantiveram a essência dos originais, mas receberam adições que fizeram toda a diferença.

Já o ocidente muitas vezes busca “o próximo grande salto”, como Starfield, da Bethesda, que prometeu um universo revolucionário, mas entregou uma experiência inchada, sem foco e com problemas. Apostar tudo em uma ideia arriscada aparenta ser pouco eficaz.

Esses exemplos mostram uma diferença clara: enquanto o ocidente foca em acessibilidade e temas contemporâneos — muitas vezes ressoam em polêmicas —, o oriente investe em profundidade mecânica e histórias bem desenvolvidas.

Talvez o maior aprendizado esteja na colaboração. Elden Ring já provou que ocidente e oriente podem se complementar — a prosa de George R.R. Martin com a visão implacável de Miyazaki criou algo único.

O mesmo houve com Death Stranding. O diretor Hideo Kojima é fã do cinema ocidental e trouxe, até mesmo, astros de Hollywood para carregaram uma história poética e complexa nas costas. O resultado foi uma experiência que vai muito além de um walking simulator.

Death Stranding
Fonte: Kojima Productions

Imagine se a Naughty Dog, com sua expertise em narrativa, unisse forças com a PlatinumGames em um projeto que equilibrasse emoção cinematográfica e ação em tempo real, ao melhor estilo Ninja Gaiden e Bayonetta.

Ou se a Bethesda adotasse a disciplina japonesa para polir seus mundos e oferecer algo mais conceitual em termos de apresentação, com grande riqueza de detalhes. O futuro dos jogos pode estar nessa fusão, onde um lado traz escala e o outro, alma.

De toda forma, os estúdios ocidentais seguem com muita força no cenário de games e não não precisam abandoná-las — a capacidade de criar mundos imersivos e narrativas emocionantes é inegável.

Mas, olhando para os sucessos orientais dos últimos anos, fica claro que há muito a aprender: priorizar direção artística, desafiar os jogadores, abraçar raízes culturais e refinar em vez de reinventar. Em um mercado globalizado, cabe aos desenvolvedores decidir se querem apenas lucrar ou deixar um legado.

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