WipEout: do ⍺ ao Ω [Parte 1 – Origens]
Do início ao fim de Wipeout, descubra tudo sobre a sua história
Nota: Este artigo faz parte da coletânea especial da história de Wipeout.
[Som de estática]… Testando, um… dois… Pronto. Creio que já podemos gravar. Acredito que a senhora saiba por que estou aqui. Estou fazendo uma série de matérias sobre a história da Liga Anti-Gravidade e de seu tataravô. E sendo a recém-empossada Diretora Executiva da Fundação Belmondo, isso deve lhe dar acesso a informações que a maioria das pessoas não tem.
[Natasha Belmondo] Bom dia. Desculpe o atraso. Precisava reunir alguns materiais e documentos, dada a importância dessa matéria. E quero que todos saibam exatamente do que se trata o legado de meu tataravô, e dos pilares desta que, hoje, é a principal responsável… (derruba alguns documentos)… nossa. Desculpe o mal jeito. Podemos continuar? Onde estava? Ah, sim…
Dessa que é a principal responsável pela existência da Liga Anti-Gravidade*: a Fundação Belmondo.
Não gostaria que fosse de outra forma. Afinal, se temos toda essa tecnologia anti-gravidade hoje, é por causa dele. Então, vejamos… (separa alguns documentos e anotações)… Aqui está. Podemos começar?
Da Maçã ao Livro
Pierre Belmondo, meu tataravô, nasceu em 17 de janeiro de 2004, em alguma parte da França. Creio eu que em Poitou-Charentes. Acredito que tenha passado sua infância ali também. Mas, quando tinha 7 anos, aconteceu aquele evento. Aquele momento único que mudaria sua vida para sempre. Assim, foi uma queda que despertou sua mente para os mistérios das leis da gravidade.
Ele tentava alcançar um livro na estante de sua casa. “A Tirania da Natureza”, se me recordo bem. No entanto, as prateleiras cederam sob seu peso, e ele foi ao chão. E foi naquele momento, tal qual o grande gênio que resolveu se dedicar às leis da física por causa de uma maçã em sua cabeça, ele percebeu que a física da sua queda era simples, pura e previsível.
Ali ele percebeu que enquanto nós, humanidade, não conquistássemos esta mera lei, seríamos eternamente escravos da natureza do planeta. Meu tataravô já estudava a física e tecnologia anti-gravidade a uma idade muito tenra. Durante todo seu período escolar, ele dedicava suas horas extra-aula para adquirir todo conhecimento necessário.
Apesar de ser considerado apenas um estudante mediano, tal estudo fez dele um exímio mestre em física. De tal forma que uma das coisas das quais ele mais gostava de se gabar era sobre quando ele tentou entrar na Universidade Federal da Europa. Seus relatos diziam que o comentário geral era este:
“Os mestres e estudiosos estavam tão impressionados com o quão à frente eu estava de qualquer membro de seu grupo, que todos estavam tentados a renunciar suas posições, e me deixar comandar a Universidade por conta própria.”
Pierre Belmondo, em registro histórico.
A Fundação para Estudos Anti-Gravidade Europeia
Em 2021, ele decidiu deixar a faculdade, mas manteve relações próximas com seus membros. Seu conhecimento e ambição eram imensos, e não demorou para que ele fosse indicado a ser o segundo em comando da Fundação para Pesquisa Anti-Gravidade Europeia (um braço do Congresso Mundial para Pesquisas Anti-Gravidade).
Não demorou muito para que percebessem o valor que meu tataravô tinha dentro da fundação. Os progressos feitos após sua entrada foram tamanhos que, em menos de três anos, ele já era Diretor. Na época, ele tinha somente 20 anos. Uma das suas frases favoritas era: “estamos deixando a Terra para trás”…
Mas haviam outros interesses por trás do Congresso Mundial. Ainda naquele ano de 2024, determinou-se o fim de toda pesquisa sobre dispositivos anti-gravidade. Obviamente, havia muito a perder caso a tecnologia fosse implementada em escala mundial. Até mesmo falsificar evidências, para corroborar a ideia de que a tecnologia era impraticável o fizeram.
Isso o deixou absurdamente revoltado. Ele sabia que o verdadeiro motivo da ordem para terminar o projeto era puramente financeiro. Em um de seus registros, ele se questiona sobre como poderia continuar o projeto sem o apoio do Simpósio Tecnológico Mundial. Ouça:
“Eu me sentia enojado cada vez que citava seus nomes. Eu queimava em ódio e rancor – eles estavam traindo toda comunidade científica. Não, era mais que isso. Eles traíram a confiança de todas as pessoas do mundo que precisavam, acima de tudo, se ver livres das amarras firmes da Terra. Podíamos dar a eles essa liberdade. Eu sabia, e meus colegas sabiam. Mas sem o apoio e suporte financeiro do Simpósio, o que poderíamos fazer?”
Pierre Belmondo, em registro histórico.
Para o Inferno e De Volta
Mas meu tataravô não desistiu. Ele e um grupo de pesquisadores continuaram em segredo. Obviamente, em menor escala e com o mínimo de fundos possível. Contavam ainda com a generosidade de poucos que acreditavam em seu sucesso. Ao encarar a adversidade, o gosto do sucesso apenas ficou mais doce.
Contudo, o governo tinha olhos em todos os lugares. Eles sabiam o que estava ocorrendo, mas deixavam a pesquisa correr livremente. Eles buscavam utiliza-la para fins militares uma vez que estivesse pronta.
Em 2034, o grupo conseguiu criar um protótipo de nave com um gerador anti-gravidade. Quando os governos do mundo souberam, tentaram destruir sua reputação, desacreditando a pesquisa. O acusaram de tomar o dinheiro dos menos instruídos para fins gananciosos. Diversos cientistas renomados foram aos jornais, acusar meu tataravô de charlatanismo.
Fosse ele um homem menor, certamente eles o teriam quebrado. Mas meu avô tinha ideias e ideais grandes demais para mentes pequenas. Mesmo que ele fosse morrer por isso. Eu me lembro até hoje das palavras que li naquele Memorando, logo quando seu trabalho estava quase terminado:
Uma bola quica. Uma gota cai. Um homem cai. A gravidade é a cola que nos liga a este planeta. Estamos próximos a aplicar o solvente que nos libertará para sempre.
Ao perceber que a única maneira de provar-se digno de confiança era demonstrar ao mundo que estava certo todo tempo, ele convenceu os membros do grupo de desenvolvimento que era hora de mostrar os resultados de sua pesquisa.
Nx1000 – Nevada
Por mais que você ouça da minha boca este relato, não creio que vá se comparar a você ouvir do próprio Pierre. Um momento…
[Natasha ativa um projeto holográfico. A data diz ” Registro: 14 de abril de 2035 – Dia D”. O holograma mostra um homem velho, aparentemente no fim da vida. Ele começa:]
Jamais esquecerei aquele dia. Era determinante a minha aposta neste projeto. A nossa aposta. Acreditem: até pensamos que poderíamos ser mortos assim que descobrissem quem éramos, tamanho o nível de hostilidade que enfrentávamos. Poderíamos estar mortos antes mesmo da demonstração, Mas sabíamos que, se pudéssemos mostrar que nosso projeto funcionava, poderíamos limpar nossos nomes. Não havia outra forma.
Planejamos mostrar nosso protótipo Nx1000 a um grupo de jornalistas científicos simpatizantes. E só isso já foi um desafio, visto que a imensa maioria dos jornalistas foi “avisada” a não falar conosco ou mesmo nos encontrar. Mesmo assim, haviam alguns que não confiavam em qualquer fonte governamental, e estavam prontos a nos ouvir.
A demonstração estava agendada para 14 de abril de 2035. Havia aquele sítio no deserto de Nevada, onde ocorrera, na semana anterior, o encontro Iron Man – um festival de música alucinada, onde os jovens da Califórnia se reúnem. Eles eram as primeiras pessoas que encontramos em tempos que não queriam arrancar nossos membros. Lembro-me deles com grande afeição.
Quanto à demonstração, eu já a havia feito e refeito tantas vezes na minha mente que elas tomou proporções místicas. Eu estava lá. Eu vi funcionar. Não que eu duvidasse – nosso trabalho não foi apressado, nem era fruto de especulações. Todo nosso conhecimento e habilidades estavam ali e sabíamos que estávamos no controle. Os jornalistas, obviamente, não. Ao menos até a demonstração acabar.
Assim que nosso protótipo desapareceu no horizonte, eu me senti arrepiado até a alma. Não era apenas um hovercraft ou mesmo uma turbina convencional. Não era um dispositivo que cuspia veneno gasoso, ou usava a força bruta para desafiar as forças inevitáveis da Terra. Aquele era um veículo funcionando com um gerador anti-gravidade genuíno. Aquilo escrevia suas próprias leis físicas!
NÓS HAVÍAMOS REESCRITO A FÍSICA!
Houve um silêncio opressor. Então, um a um, os jornalistas começaram a gritar em alto e bom som, e jogar seus datapads no ar. Até pensei que estavam furiosos, e não podia pensar no que havíamos feito de errado. Mas quem estava errado era eu. Eram gritos de pessoas que acabaram de testemunhar o impossível. Ali estávamos nós, aquele bando de renegados empoeirados, com nossa máquina tão primitiva, e ainda tão revolucionária.
De repente, éramos salvadores. O sonho que sempre sonhei era nosso.
Provamos, ali, que nossa pesquisa era real. De diversas formas, aquela era uma batalha ganha. Obviamente, não era o fim da guerra ainda – esta tecnologia mudaria a maneira como cruzamos o globo, e havia ainda muitas mentes fechadas a convencer. Mas ali, naquele deserto, naquele dia, mostramos que não éramos lunáticos, ou criminosos. Os espiões daquele governo assustados restaram silenciados.
A história se espalhou pela mídia mundial em duas horas, talvez três. Em um mês, os lucros com combustível convencional haviam quase se exaurido. Os governos perceberam que não havia nada a fazer para impedir a adoção da nossa solução de transporte mais barata.
E então, dois anos depois (e me alegro enormemente em dizer isso), o Simpósio Mundial de Tecnologia se autodestruiu, por recriminação e traições. Eu acho justo. Cientistas que deixam políticos tomarem suas mentes e corações merecem todo tormento que lhes é devido.
A Criação da Liga Anti-Gravidade
[Natasha desliga o holograma]
Três anos depois da queda do simpósio, meu tataravô passava por problemas financeiros, decorrentes dos fundos escassos de sua pesquisa. Para reverter esse quadro, ele fundou a Anti Gravity Systems. Você pode considerar a AG Systems o primeiro time da Liga Anti-Gravidade, se desejar.
A AG Systems era a divisão comercial da Fundação de Pesquisa Anti-Gravidade Europeia. Meu tataravô era ávido em deixar claro que esta nova tecnologia deveria ser acessível àqueles que a desejavam usar para o bem da humanidade. Bem como protegida daqueles que a queriam usar para fins puramente financeiros.
Por isso, quando a AG Systems foi vendida a um conglomerado japonês, e suas atividades transferidas para Tokyo, ele ainda permaneceu como chefe de operações e homem de frente. Tamanha era sua reputação.
Nesse meio tempo, certo de encontrar um meio de trazer a humanidade para o centro desta nova tecnologia, ele começou a pesquisar meios de criar um veículo de corrida, baseado em seus princípios anti-gravitacionais. Ele pensava que o envolvimento de times competitivos poderia acelerar o desenvolvimento tecnológico, e o livrar dos dilemas éticos que se mostravam com seu uso militar.
Em 2044, com a ajuda da empresa brasileira Pir-Hana – formada pelo conglomerado das empresas menores Pir e Hana, e que mais tarde viria a se tornar a Piranha Advancements – a Federação Anti-Gravidade foi criada. Com isso, a primeira Liga Anti-Gravidade foi estabelecida para iniciar-se em 2048 (Wipeout 2048).
Mesmo sendo parte crucial na história, meu tataravô decidiu que não iria fazer parte diretamente, recusando o convite para ser Diretor Executivo da comissão da Liga. Assim, ele teria tempo livre para desenvolver os veículos de corrida. Ele convidou então Dirk Breakwater, famoso apresentador e empresário de sucesso, para esta posição.
“Nos corremos. Nós morremos. Não há mais beleza nisso…”
As relações públicas de Breakwater se mostraram valorosas. A comissão conseguiu estabelecer a corrida anti-gravidade como um dos esportes mais populares do mundo. Uma posição, diga-se de passagem, que nossa fundação mantém por quase 50 anos.
Com a morte de Breakwater em 2062, meu tataravô Pierre convidou seu amigo de longa data e colega pesquisador, Chuck Hoffman, para assumir sua posição. Mas ele já trabalhava nos bastidores para voltar à Comissão. Ele se preocupava que tal popularidade deixasse a Liga AG aberta ao pior tipo de exploração.
Veja, meu tataravô era um homem a frente de seu tempo. E como tal, conseguia enxergar além do que pessoas comuns observavam. Qual foi sua surpresa ao perceber que estava certo. Em 2080/81, na abertura do 31o. Campeonato F3600 da Liga AG, no Canadá, Chuck foi assassinado.
Sua morte deixou o mundo do esporte anti-gravidade um caos. Aquela temporada foi cancelada. E para evitar maiores danos à imagem do esporte, meu avô se instaurou como seu substituto. Via isso como um favor ao seu falecido amigo, e também uma forma de se manter à frente daqueles que ele acreditava terem assassinado seu amigo.
Mas isso trouxe consequências. Visando “evoluir” o campeonato, meu tataravô, durante um período de transição de 5 anos, gerenciou a transição da Liga F3600 para a F5000. Com essa mudança, os veículos agora poderiam destruir-se nas corridas.
Essa mudança não agradou. Apesar de acreditar que era o curso natural da evolução de ideias, muitos não pensavam como ele. Ele foi duramente criticado por “trair” o verdadeiro espírito da competição anti-gravidade. Mas isso não foi suficiente para demove-lo de sua decisão. Pierre ficou nesse cargo até o início do Séc. XXII, quando resignou-se.
Continua…
Pouco depois de sua renúncia, ele descobriu que aqueles que tramaram a morte de seu amigo também estavam tramando subjugar a Comissão, e alterar o esporte como lhes convier. Para impedir que isso acontecesse, ele criou a Fundação Belmondo. Nós somos responsáveis por preservar a integridade e pureza do esporte anti-gravidade. E a visão do meu tataravô, de usar a tecnologia para o bem da humanidade.
Ele morreu em 8 de junho de 2127, com 123 anos. Mas viveu tempo suficiente para me ver nascer. Ainda me lembro de minha mãe dizendo que suas palavras finais foram que eu seria uma piloto campeã, como nenhum outro. Ele estava certo.
[Pausa o gravador]
Este foi um relato interessante, senhora Natasha. Mas creio que está na hora de fazermos uma pausa. Ainda há muito que preciso saber, e preciso tomar nota do que foi descrito aqui. Continuaremos em breve.
[NB] Certamente. Na próxima oportunidade, vou relatar os campeonatos da Liga Anti-Gravidade, desde o primeiro (Wipeout 2048) até o mais recente (Wipeout Pulse). Venha com tempo, pois será um relato tão longo quanto este.
*No original: Anti-Gravity Racing Championship (AGCR)